Clube de amigos e inimigos
Angola acolhe a cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), apontando para a dinamização da relação económica entre os membros como a tarefa prioritária. A mensagem subliminar angolana, na verdade, é a retoma da ideia da construção de uma espécie de bloco económico da língua portuguesa. Nada de mais se não fosse uma ambição estrutural e circunstancialmente irrealista, ainda que legítima.
Legítima porque, após 25 anos de existência, qualquer defesa da utilidade da organização tem de argumentar necessariamente para além da fronteira sociocultural. É que, à medida que os anos vão passando, faz cada vez menos sentido fazer deslocar e juntar chefes de Estado e de governo numa sala, pelo simples facto de que os seus países falam a mesma língua. Mais do que tempo, é muito dinheiro público mal gasto, pelo que há que recolocar, no discurso, uma agenda mais consequente. E, claro, nada melhor do que a velha narrativa do aumento da ligação económica.
Mas, como já vincado, esta meta é inequivocamente irrealista. Num primeiro plano, porque esbarra com interesses e constrangimentos estritamente objectivos, começando pela dispersão geográfica. O distanciamento físico entre os principais actores da língua portuguesa está longe de ser um catalisador de aproximação económica. Tanto assim é que não é por mera casualidade que os principais blocos económicos por África e pelo mundo têm na proximidade geográfica um factor incontornável. Além disso, coloca-se o constrangimento político derivado das limitações impostas a Portugal pelas regras de Bruxelas (sede do executivo europeu), Estrasburgo (sede do parlamento europeu) e Frankfurt (sede do Banco Central Europeu).
Numa segunda leitura, o objectivo angolano é utópico porque, historicamente, a aproximação política e económica entre os principais países da língua portuguesa está excessivamente condicionado à subjectividade dos interesses e dos humores de circunstância. Veja-se o caso de Portugal e do Brasil, na relação com Angola. Com o primeiro, apesar da permanente suavidade do discurso diplomático, mantém-se uma relação de amor e ódio não raras vezes instigada pela postura e pela comunicação das autoridades de lado a lado. O poder angolano, aliás, servindo-se habitualmente da força da chantagem, ganha nos anos da reconstrução, tem sido o menos preocupado com a ‘correcção diplomática’. Foi assim com José Eduardo dos Santos que, à porta da saída, não se coibiu de excluir Portugal entre os parceiros preferenciais na relação económica de Angola com o mundo. Passou a ser assim com o Governo de João Lourenço que, à entrada e agora nos últimos dois anos de mandato, não se inibe de declarações e actos que demonstram e sugerem desencanto com os pares portugueses. Com o Brasil, o esfriamento até pode ser mais circunstancial enquanto Jair Bolsonaro se mantém no cargo. Todavia, não é verdade que um possível regresso de Lula da Silva ao poder augure necessariamente bons ventos na relação com Angola, mantendo-se o MPLA no poder. Afinal, numa leitura cruzada, a turma que perseguiu Lula da Silva no Brasil não deixou de ser apoiada, de certo modo, pela loucura justicialista a que se assiste em Angola. Sobre a Guiné-Bissau, após as acusações directas de Umaro Embaló a João Lourenço, e face à resposta à quente deste último, simplesmente não há conversa. É isso. Pelo menos para já, a CPLP não pode ir além daquilo que é: um clube de amigos e inimigos que mandam e que falam português.
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