Como manter a ‘angolanidade’ dos activos de Isabel dos Santos em Portugal
Especialistas acreditam que dificilmente entidades angolanas vão concorrer para a aquisição dos activos que a empresária colocou à disposição para a venda de forma imediata.
Uma das consequências da saída de Isabel dos Santos da estrutura accionista de empresas portuguesas é a redução da presença angolana em investimentos em Portugal, visto que não se vislumbram o interesse de angolanos na aquisição dos activos que a empresária colocou à disposição na sequência do escândalo ‘Luanda Leaks’.
Para já, Isabel dos Santos anunciou a venda, com efeito imediato, dos 42,2% que detém no Eurobic, assim como os 67,2% na Efacec, mas acredita-se que esteja para breve o anúncio da venda da participação que detém na NOS e em mais empresas.
Entre as entidades que já terão manifestado o interesse em adquirir estas participações não se registam nomes de angolanos. E as várias fontes contactadas pelo VALOR consideram quase impossível que estes activos se mantenham em mãos angolanas. Entre os vários cenários, coloca-se o de o Estado angolano fazer recurso a um hipotético direito de preferência e adquirir as participações. “Se, efectivamente, se revelar que estes activos foram adquiridos com fundos públicos e forem mesmo vendidos, o Estado Angolano, em articulação com o Estado Português, deve garantir que lhe seja dado o direito de preferência”, argumentou uma renomada economista angolana que, entretanto, não quis ser identificada.
A académica alinha-se a demais observadores que consideram que dificilmente investidores angolanos venham a concorrer para a aquisição dos activos que são de Isabel dos Santos, visto que a manifestação do interesse pode revelar-se motivo bastante para que a origem deste dinheiro também passe a ser escrutinado. “Interessados angolanos vai ser um pouco difícil, porque as pessoas que manifestarem interesse passam a revelar-se como suspeitas de terem obtido fundos de forma pouco honesta. Vai ser difícil que se candidatem pelo menos de forma directa porque todas as fortunas estão a ser e devem ser postas em causa. Não se conhecem fortunas legais que dêem confiança a quem se candidatar”, argumenta.
No entanto, é quase consensual, entre as pessoas ouvidas pelo VALOR, que existem activos que seria desejável continuarem em mãos de angolanos pelo seu valor de mercado. “Depende se as empresas são ou não são rentáveis. Uma empresa, por exemplo, como a Galp interessa que existam interesses angolanos”, defendeu a citada economista.
Quem se manifesta contra a necessidade de angolanos investirem nos activos disponíveis no estrangeiro é o empresário Victor Alves, pois entende haver muito por ser feito em Angola. “Devíamos ter vergonha de investir no estrangeiro porque temos uma Angola 99% por se fazer, para trabalhar. Angola é mais rica que Portugal, por isso não faz sentido angolanos investirem no estrangeiro”, argumenta. Por sua vez, o também empresário João Macedo é de opinião “não ser preocupante” e que “faz pouca diferença” se estes activos ficam ou não em mãos de angolanos.
Quem vai à frente
Por ora, as informações dão conta que investidores chineses, espanhóis e portugueses se colocam na linha da frente dos interessados na aquisição do Eurobic, havendo mesmo a possibilidade de a marca Eurobic vir a ser substituída.
Há, entretanto, um cenário que salvaria, em parte, a angolanidade do Eurobic. A compra da participação de Isabel dos Santos pelos outros accionistas. O luso angolano Fernando Teles é o segundo principal accionista da instituição, com 37,5% do capital.
Constam ainda da estrutura Luís Cortez, da Soclima, Manuel Pinheiro Fernandes, presidente da cadeia de supermercados Martal, e Sebastião Lavrador, ex-governador do Banco Nacional de Angola e visto como um dos homens mais ricos do país.
Entretanto, informações vindas do mercado português dão conta que só se do mercado não surgir um accionista “de referência, credível e que traga valor à instituição financeira” é que os restantes accionistas reforçariam as respectivas posições. Os cálculos não oficiais estimam em cerca de 100 milhões de euros o valor dos 42,5% de Isabel dos Santos.
O EuroBic chegou ao final do terceiro trimestre com capitais próprios de 557 milhões de euros, um valor que, tendo em conta os resultados positivos que se antecipam para os últimos três meses do ano passado, poderão aumentar para em torno dos 600 milhões de euros.
Em relação à Efacec, as informações do mercado português dão conta do interesse de entidades portuguesas. No entanto, além da empresária, está na estrutura accionista a empresa pública Ende, mas cuja participação (16%) o Governo orientou a sua venda em 2018. A Efacec Industrial foi, oficialmente, adquirida em Maio de 2015 pela Winterfell, de Isabel dos Santos, por 195 milhões de euros. Em Agosto do mesmo ano, um decreto presidencial autorizava a Ende a comprar 40% da Winterfell. Na altura, questionou-se a transferência do negócio. A empresária sempre negou que tenha adquirido a empresa com fundos da Ende, visto que esta deveria pagar 40 milhões pelos 40%, inicialmente acordados, mas como apenas pagou 16 milhões por isso ficou apenas com 16%.
Alves da Rocha, economista
“Estou muito mais preocupado com a crítica situação financeira e social”
O economista Alves da Rocha diz-se mais preocupado com a “crítica situação financeira e social do país”, afastando-se de todo o alarido à volta do ‘Luanda Leaks’ que expôs supostas irregularidades de Isabel dos Santos. “Neste momento, estou muitíssimo mais preocupado com a caótica situação social do país do que com este processo que tem dado enorme alarido aqui e, sobretudo, em Portugal. Portugal agora arranjou um entretenimento com a engenheira Isabel dos Santos, estou neste momento afastado disso”, adiantou, acrescentando “não ser fácil prever o que vai acontecer” em relação ao Luanda Leaks.
“Neste momento, o que se conhece é um processo contra Isabel dos Santos e mais contra ninguém, do conhecimento público. Portanto, é ver até aonde é que isso vai dar e quanto tempo vai demorar”, sublinhou, manifestando acreditar que o “processo vai seguir os seus trâmites, vai ser incriminado quem tiver de ser, portugueses e angolanos”.
Alves da Rocha acredita que estes processos contribuíram para que Angola melhorasse no ranking da transparência internacional no índice da corrupção, mas apela para a necessidade de se combater a corrupção de A a Z.
“Angola melhorou no ranking na transparência internacional no índice da corrupção, o que era expectável com estas atitudes e processos, mas também devo dizer que o combate à corrupção tem um alfabeto que é de A a Z. Se é para combater, que seja de A a Z e não escolherem-se alguns preferenciais por razões variadas e, como já tenho dito algumas vezes, algumas destas razões podem ser de natureza pessoal, o que realmente não é bom para a transparência e independência do processo”, argumentou para depois sublinhar que “não é fácil de prever” o desfecho da venda dos activos de Isabel dos Santos.
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