Consultora reduziu dívida para menos de 5 milhões de dólares
EXCLUSIVO. Angoskimas foi aconselhada a reduzir o valor da dívida ao governo do Cuando Cubango. No entanto, empresa nega. Consultora afirma que a reclamação "não faz sentido", atendendo à legislação actual. Ministério das Finanças contradiz governo provincial.
Uma consultora especializada em análise financeira, a Global Governance Finance (GCF), reduziu o valor da dívida reclamada pela empresa Angoskimas ao governo do Cuando Cubango, de 2,9 biliões de kwanzas(4,9 mil milhões USD) para 2,9 mil milhões de kwanzas(4,8 milhões USD), após consultoria prestada entre 2020 e 2021.
De acordo com o responsável da GCF, Feliciano Lucanga, a dívida de 2,9 triliões de kwanzas foi validada de forma “errada”, argumentando que, hoje em dia, "não faz sentido usar a legislação passada" para reclamar dívidas antigas. E, ao contrário do que afirmam ex-governantes e governantes actuais consultados pelo Valor Económico, Lucanga garante que as dívidas reclamadas pela Angoskimas já eram do conhecimento de vários governadores que passaram pelo Cuando Cubango.
A dívida foi contraída entre 1992 e 1997, tempo em que o país usava o kwanza reajustado e estava em guerra. Ao abrigo do decreto lei de 12/99 de 12 de Novembro, foi extinto o kwanza reajustado, passando a vigorar uma nova moeda. “Esta dívida é de apenas 2,9 mil milhões de kwanzas usando a regra 'dos três simples' e a legislação”, resume o consultor. “Ressaltei sempre este aspecto ao dono da empresa que o valor que ele reclama já não era o mesmo. Quando aconselhei, o senhor pensou que a dívida tinha reduzido bastante e que estava a aconselhar mal. E outros prometeram resolver a sua dívida”, explica.
Admitindo que o Governo abriu uma excepção pelo “choramingar” do empresário, uma vez que a empresa já "tinha perdido a legitimidade de reclamar”, o consultor entende que o governador do Cuando Cubango foi induzido em erro pela sua equipa para validar a dívida. “Duvido muito que o governador pegou no processo e autorizou. Algum membro da sua equipa levou o processo. Quando o processo entrou, o governador não esteve lá”, cogita, desafiando o governador a explicar os cálculos que fez para chegar aos 439,5 mil milhões de kwanzas validados contra os 2,9 triliões de kwanzas anteriores. “Agora, o governo tem pedido 'batimento' das dívidas públicas?”, questiona-se.
Feliciano Lucanga aponta o dedo ao governo do Cuando Cubango, mas também ao Ministério das Finanças por, muitas vezes, não responder aos pedidos dos credores e explica que, como a Angoskimas, há muitas empresas a reclamarem dívidas sem terem aconselhamento do Ministério das Finanças. “Demoram eternidades a responder aos empresários com dívidas e a pandemia veio agravar este processo”, observa.
ANGOSKIMAs REJEITA CONSULTAS
No entanto, a Angoskimas nega que tenha feito qualquer contrato com a GCF para a apurar o valor da dívida. O sócio-gerente da empresa, José Zeferino, garante "nunca" ter firmado contrato com a GCF, mas admite que o seu processo "passou por muitas mãos”. Sem nunca aceitar referir-se directamente à consultora, José Zeferino explica que essas “muitas mãos” queriam “usurpar” à sua empresa 45% do valor que o Governo pagaria, mas que o gabinete do governador “lhe puxou as orelhas” e o aconselhou a não entregar mais o processo da Angoskimas. “Tive o cuidado de ouvir os conselhos do Ministério das Finanças e do governo provincial. E coube-me apenas trabalhar com o Ministério e o governo. Estes mentores que queriam usurpar os 45% estão a chantagear a empresa e a sujar o nome dos nossos dirigentes. Pedimos oficialmente para que estas pessoas saiam à tona para conhecermos, senão, vamos recorrer à PGR”, avisa.
O dono da Angoskimas admite ainda haver “erros” no processo e nas facturas, mas que foram rectificados, depois de seguir as orientações do Ministério das Finanças.
Na semana passada, depois de o caso ser espoletado, o Ministério das Finanças emitiu um comunicado em que ressalta que não deu provimento à reclamação de dívida da empresa Angoskimas uma vez que esta se encontrava fora do âmbito temporal de 2013 a 2017, definido pelo Decreto Executivo n.º 507/18, de 20 de Novembro, que norteava a estratégia de regularização de dívida interna atrasada. “A reclamação foi registada, após recepção da certificação e homologação feitas pelo Governo Provincial do Cuando Cubango, enquanto órgão beneficiário dos serviços”, esclarece a nota.
O Ministério explica ainda que, com o novo Regime Jurídico para o Reconhecimento e Tratamento da Dívida Interna Atrasada, bem como o Regulamento sobre os Procedimentos e Critérios para a Regularização de Atrasados e atendendo “às inconformidades identificadas”, o processo da Angoskimas vai ser remetido à Inspecção-Geral da Administração do Estado (Igae), que tem competências para aferir a elegibilidade para a regularização, ou não, das dívidas atrasadas ocorridas fora da plataforma SIGFE (Sistema Integrado de Gestão das Finanças do Estado), “desde que não configurem tentativa de burla e eventuais actos lesivos ao erário”.
Ao Valor Económico, as Finanças reafirmam que "o processo foi apreciado e foram tidos em consideração vários aspectos. Por isso, o parecer do GTACE considerando-o improcedente da data de 1 Julho de 2021"
FINANÇAS CONTRADIZEM GOVERNO PROVINCIAL
Contudo, o comunicado das Finanças não vai de acordo com o comunicado do governo do Cuando Cubango, que ressalta que a dívida tinha sido validada no passado e que se encontrava no Ministério das Finanças, seguindo correctamente os procedimentos constantes do Decreto Executivo n.º 57/18, de 20 de Novembro, combinado com o Despacho Interno n.º 59/20.
Para ogoverno do Cuando Cubango, a redução da dívida em 85% foi “um acto de patriotismo e de boa gestão da coisa pública”. No entanto, a PGR anunciou, na semana passada, a instauração de um inquérito para apurar a dívida da Angoskimas com o governo do Cuando Cubango.
O CASO
O ‘caso Angoskimas’ foi denunciado, na semana passada, em primeira mão, pelo jornal ‘Folha 8’ que fazia referência a uma dívida acima dos 500 milhões de dólares reclamada por uma empresa ao governo do Cuando Cubango, cujos contornos geraram suspeitas de uma tentativa de desvio de fundos públicos.
Cálculos do Valor Económico colocaram, entretanto, a dívida reclamada e validada em mais de 731 milhões de dólares. Os documentos que suportam as denúncias estão assinados pelo governador do Cuando Cubango, Júlio Vieira Bessa, e pelo secretário-geral do governo provincial, Edgar Xisto Vieira Catito, e declaram o reconhecimento da dívida referente “ao fornecimento de bens diversos e géneros alimentícios” ao governo local.
Na acta de reconhecimento de dívida, elaborada na sequência de uma reunião entre o governo do Cuando Cubango e a empresa Angoskimas, a 16 de Junho de 2021, as partes concluíram pelo apuramento do valor da dívida de 439.552.312.379,07 kwanzas, ao contrário do valor anteriormente calculado de 2.996.514.112.475 kwanzas (4,994 mil milhões de dólares), um corte de 85%.
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