“Continuo vivo”
IMPÉRIO EMPRESARIAL. Já não tem aviões nem o mediatismo do passado. Laurentino Abel Martins, empresário que foi uma referência nos anos 1990, apresenta-se ainda como um ‘homem forte’ nos negócios. Além de enfrentar os ‘maus ventos’ que arrasaram o seu império, sobreviveu também a um tiro, dado à queima-roupa, à luz do dia.
O empresário Laurentino Abel Martins, referência pela criação do Império LAM que se estendeu nos anos 1990 a sectores tão diversos como a restauração e a aviação, passando pelo comércio e o futebol, recordou ao VALOR Económico o passado e o que resta, mesmo estando em convalescença de um assalto que quase lhe tirou a vida. O 18 de Novembro de 2015 entra para a história de um dos maiores empresários de Angola, das décadas de 1980 e 1990, como um dos momentos mais tristes da sua vida, mas Laurentino Martins assegura que se o “império desmoronou, a luta continua”. Aos 16 anos, o malangino abandonou a escola para ingressar no mercado de trabalho, tendo sido admitido num dos restaurantes nas terras da palanca negra gigante. A experiência de empregado não passou de dois meses.
Partiu para a Lunda-Norte, a convite de um amigo do pai, um empresário de nome Luís de Araújo de quem se tornou funcionário nas terras diamantíferas.
Quatro anos depois, já em 1975, nas vésperas da Independência de Angola, o jovem Laurentino decide seguir o seu caminho, tinha completado 20 anos.
O primeiro investimento arrancou na mesma altura que o país caía na guerra civil, na sequência do fracasso dos Acordos de Alvor, que antevia a independência e as primeiras eleições em Angola, em que estariam em disputa os três movimentos de libertação nacional, MPLA, UNITA e FNLA.
Entusiasmado, o jovem empreendedor não terá percebido as implicações negativas que a guerra viria a afectar os seus negócios. “Tratei os documentos. Abri lá o comércio e fui andando. Naquele tempo, eram credenciais e não alvarás comerciais”, recorda.
Algum tempo depois, regressou a Malanje, onde também abriu uma loja, na sequência de as autoridades governamentais terem ordenado a retirada de vários comerciantes das áreas diamantíferas da Lunda-Norte. O empresário tinha já criado a sua marca LAM (as iniciais dos seu nome). “Mas, mais tarde, recomecei nas Lundas”, conta.
DÉCADA DO ‘BOOM’
A facturação nas lojas, tanto em Malanje como na Lunda-Norte, ia de ‘vento em popa’, o que levou o empresário a investir na camionagem, no início dos anos 1990. Na altura, constava no portfólio de negócios, um restaurante e uma discoteca em Malanje. Na década, foram os melhores anos de Laurentino Abel Martins. Estava entre os nomes mais sonantes da classe empresarial. O seu nome fazia a agenda frequente dos meios de comunicação social.
O `império LAM´ estava solidificado. Seis camiões do grupo, carregados de mercadorias diversas, ‘rasgavam’ as estradas de Angola, principalmente, em direcção à região diamantífera do país. Era a época da ‘camanga’ (garimpo de diamantes) e que, popularmente, a Lunda-Norte e Lunda-Sul passaram a ser chamadas de ‘as Lundas’. Mesmo em tempo de guerra, os camiões da LAM chegavam aos destinos com sucesso.
Se o comércio ‘pariu’ o negócio de camionagem, os camiões levaram Laurentino Abel Martins a entrar na aviação. Criou a empresa aviadora LAM, que, numa primeira fase, fretava aviões (da também já ‘falecida’ Angola Air Charter) para transporte de passageiros. Voava para vários destinos, mas o brilho das ‘Lundas’ era o que mais o atraía.
Em pouco tempo, comprou dois aviões cargueiros de origem russa, N12 e N32. “Comecei a fazer transporte de passageiros e de carga para onde alugassem. Malanje estava sempre a ser flagelado, mas, mesmo assim, aterrávamos lá com passageiros e com carga”, recorda sorridente.
PELO FUTEBOL
Em 1981, fundou, com o seu primo Zeca Martins, o clube de futebol Cambondo, que de equipa de bairro, em Malanje, passou a clube da primeira divisão. Chegou a investir cerca de dois milhões de dólares, só no período de apuramento para a primeira divisão. “Não descemos de divisão. Desistimos, porque estava a gastar muito dinheiro e não havia qualquer outra ajuda. Era amor à camisola, além de ser malangino, até hoje gostaria de ter uma equipa na primeira divisão”, deseja o empresário.
QUEDA DO IMPÉRIO
Em meados dos anos 1990, e quando menos esperava, tendo em conta que os negócios estavam “bem consolidados”, Laurentino Abel Martins foi surpreendido com a notícia do desvio de um dos seus aviões, o N32, para a vizinha República Democrática do Congo, na época denominado Zaíre.
Mais tarde, o segundo aparelho russo, N12, caiu no Lukapa, Lunda-Norte e marcou o inicio do fim do ‘império’. Precisamente, onde o tinha iniciado.
A guerra civil intensificava-se cada vez mais e os camiões deixaram de chegar aos destinos habituais. A empresa de aviação fechou as portas. “Na altura, as licenças também não saíam. A partir daí, não houve mais hipóteses de continuarmos na aviação”, lamenta Laurentino Abel Martins.
Até finais da década de 1990, o grupo LAM, com investimentos no comércio, restauração, transportes rodoviários e aéreos, empregava cerca de cem trabalhadores em diferentes províncias. O patrono do grupo assegura não ter “ideia concreta do volume de negócios da época”, mas garante ter apoiado “muitos dos seus trabalhadores, sem razões de queixas”.
“A LUTA CONTINUA”
Embora tenha sofrido baixas nos negócios, Laurentino Abel Martins continua a desenvolver o comércio e a camionagem. Actualmente, mantém lojas na Lunda-Norte. Tem o mesmo número de camiões. “Não são muitos, mas dá para o meu trabalho. Não tenho o mesmo protagonismo como antes, mas continuo a trabalhar”.
Nascido a 10 de Agosto de 1954, actualmente, emprega 12 funcionários. Não pertence a nenhuma associação de empresários e afirma, com orgulho, nunca ter solicitado um crédito bancário para alavancar os seus negócios, trabalhando apenas com fundos próprios.
VÍTIMA DE ASSALTO
Laurentino Abel Martins foi baleado, na sequência de um assalto à mão-armada, em Novembro do ano passado, dentro do seu escritório, situado em Viana, Luanda. Foi surpreendido por volta do meio-dia, por um grupo que além de roubar cinco milhões de kwanzas, disparou na região esquerda da barriga. Foi um momento de aflição que ele hoje recorda sem problemas: “Se não me inclino para trás, apanhava o tiro no coração.”
Lembra-se de ter sido perseguido desde o momento que fez o levantamento de valores numa das agências bancária de Viana, nos arredores do estaleiro.
Ficou pelo menos quatro meses acamado, no Hospital Militar, em Luanda, onde foi submetido a uma operação cirúrgica, com o objectivo de retirar a bala que estava encravada na coluna. Durante aqueles meses, não podia comer alimentos sólidos, limitando-se a ingerir líquidos. “Depois desse tempo, comecei a recuperar e, de forma lenta, recomecei a fazer a minha vida”, explica.
Apesar de ter feito uma queixa-crime à polícia, o empresário afirma não estar mais interessado no assunto. “O importante é que estou bem e a trabalhar.”
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...