CONVERSA FIADA NO DIA DA LIBERDADE
Sejamos claros. A aferição do desempenho da liberdade de imprensa em Angola, em termos muito práticos, faz-se essencialmente de duas formas. Ou pelos níveis de abertura da imprensa pública, ou pelo (des)respeito que as instituições do Estado conferem à imprensa privada. Tudo o resto se atrela a estes dois critérios e, para se perceber o quanto o país recuou nos últimos três anos, ninguém precisa de perder tempo com estudos de circunstância.
Na imprensa pública, até houve um certo período de ilusão que levou ao engano generalizado. Nos primeiros dois anos de mandato de João Lourenço, até jornalistas independentes e experimentados confundiram uma clara jogada de manipulação mediática com sinais de abertura. Alguma gente avisada não foi capaz de perceber, por exemplo, que a divulgação de escândalos de corrupção, como não ocorria antes na imprensa pública, era apenas um dos pontos da estratégia de aniquilação do antigo poder. E que jamais deveria ser interpretada como sinal de abertura na imprensa paga com dinheiro público. Mas, tal como o azeite não se esconde na água, quem se deixou enganar não precisou de muito tempo para descobrir que tinha sido enganado. Aos poucos, toda a gente foi percebendo que a mesma imprensa pública que destacava os alegados casos de corrupção no consulado de José Eduardo dos Santos mantinha-se surda e muda quando aparecessem supostos casos de corrupção, envolvendo pessoas-chave no governo de João Lourenço. E, quando fosse o próprio Presidente referenciado em alguma investigação, o silêncio era ainda mais tumular. Com o tempo, os que se deixaram enganar foram verificando que a mesma imprensa, que agora se dizia aberta, despedia e suspendia comentadores e jornalistas que ousassem colocar na agenda temas proibidos. Aos poucos, todos foram notando que a imprensa paga pelos contribuintes e que supostamente estaria mais plural continua a ser a mesma que é capaz de transmitir um congresso da OMA em directo e conceder apenas 30 segundos para uma declaração importante do líder do maior partido na Oposição. Dito isto, e fixando-nos exclusivamente na avaliação do conteúdo, ninguém pode afirmar de sã consciência, na Semana da Liberdade de Imprensa, que hoje há mais liberdade na imprensa pública.
No caso dos órgãos privados, o retrocesso é ainda mais assustador e só por desonestidade intelectual alguém afirmará que a responsabilidade é sobretudo dos jornalistas. O respeito que a imprensa privada exige das instituições do Estado não é uma opção discricionária do poder instituído, é uma obrigação estabelecida na Lei à qual o Governo está sujeito. Porque a imprensa privada não pede dinheiro do partido no poder, exige a concretização do sistema de incentivos previsto na Lei aprovada pelo partido no poder; a imprensa privada não pede protecção diferenciada das autoridades na cobertura de manifestações, exige que a Polícia seja instruída que não deve prender nunca jornalistas com o pretexto de que os confunde com manifestantes. Quando se pretende ler isto tudo ao contrário, produzem-se declarações vazias como aquelas que as instituições do poder publicaram no Dia da Liberdade de Imprensa. E é precisamente por isso que um jornal de economia é obrigado a escrever três editoriais consecutivos sobre a liberdade da imprensa. É por causa da conversa fiada no Dia da Liberdade.
Nota: O VALOR ECONÓMICO passa oficialmente a ser publicado às terças-feiras a partir deste número, deixando as segundas-feiras como tem acontecido desde o seu lançamento em Março de 2016.
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