Covid-19 lembra importância de um Fundo de Emergência
RESERVAS. Recurso à doação para fazer face às necessidades do combate ao coronavírus contestado. Apesar de não ter um fundo interno, Angola é o maior contribuinte do Fundo de Emergência de África para a Saúde Pública.
A existência, no país, de um fundo especial de emergência para acudir a catástrofes e situações semelhantes é uma das discussões provocadas pela situação de aperto económico, resultado do binómio pandemia da covid-19 versus baixa do preço do petróleo.
O VALOR constatou existir consenso sobre a necessidade da sua criação, mas existem duas correntes. Uma que é apologista da criação de um fundo de emergência permanente e que já deveria existir há vários anos, havendo também os defensores dos fundos criados apenas perante ameaça de calamidade.
Os defensores da segunda corrente, por exemplo, argumentam que o fundo não precisa de ser criado apenas com fundos públicos, mas a participação dos privados fica dependente de programas e da capacidade de organização dos governos.
No caso da covid-19, por exemplo, em Angola, tudo começou em Fevereiro, há mais de um mês. “Portanto, a campanha de criação deste fundo já deveria ter sido lançada com encomendas de máscaras, medicamentos e testes”, defendeu um empresário que não quis ser identificado, justificando-se que “cansa sugerirem-se as ideias e nada mudar, ao invés disso, ganham-se inimigos”.
“A criação de um fundo pressupõe sempre a alocação de recursos financeiros provenientes do resultado do exercício em caso de superávit. Como dependemos do barril, e dada a volatilidade do seu preço no mercado internacional, deveríamos ser mais prudentes na fixação do preço para o Orçamento. Assim, através de um processo de ‘downsizing’ da estrutura do aparelho do Estado, conseguir-se-ia libertar meios financeiros suficientes para a criação do referido fundo de emergência a partir do diferencial obtido das receitas e despesas”, defendeu o economista.
Quem se manifesta mais inclinada para os fundos permanentes é a empresária Celeste de Brito, visto que, “na verdade, 70% de Angola e dos angolanos nunca saíram do estado de emergência desde 1975”. “No mínimo, teríamos um fundo especial emergencial desde 2002. Aplicado ou não, tivemos tempo para isso e a ex-ministra do Planeamento tinha essa responsabilidade. Podia ser um ciclone ou outra catástrofe qualquer. Governantes responsáveis têm de ter estas situações previstas”, sublinha.
A origem do dinheiro para combater a pandemia
Por sua vez, o economista Carlos Vaz entende que o maior problema de Angola não é a existência ou não de um fundo, apesar de defender que “todo o país sério tem no seu orçamento um fundo para acudir estas situações”.
Defendendo que, no passado, existiu a “possibilidade de se criarem todos os fundos possíveis e imaginários”, o economista lembra que se criou um ‘fundo para desastres’, cuja situação actual desconhece. “Mas julgo que se está a usar a reserva orçamental”, refere, estimando que estejam a ser usadas as cabimentações das ‘Outras Despesas’ das diferentes unidades orçamentais e, sobretudo a mesma rubrica da Protecção Social, enquadrada nas Despesas por Função.
“A parcela ‘Outras Despesas’ nesta unidade é maior que todas as outras despesas descriminadas nesta mesma rubrica, como família e infância, velhice, desemprego, doença entre outras. A reserva aqui foi sempre muito maior comparada às das outras rubricas. Já tivemos orçamentos em que as ‘outras despesas’ da protecção social foram 6% do OGE e sempre questionei. A minha esperança sempre foi que fosse um fundo que estivesse a ser criado para as questões de protecção social em momentos de calamidade”, analisou.
Não existindo este fundo, acrescenta, a alternativa passa por, “numa situação extrema”, usar-se todo o dinheiro que está no tesouro. “Nestes casos, as despesas que não são prioritárias, mas que haviam sido projectadas, já não serão mais feitas, porque todas as receitas vão para fazer face à catástrofe que, nesse caso, é o coronavírus”.
Por outro lado, o docente da Universidade Católica de Angola considera “existir algo de errado” por o Governo estar a fazer uma campanha de solidariedade para angariar doações da população, sobretudo por 41% dos angolanos viverem abaixo da linha da pobreza.
Maior contributo do fundo África
Apesar da inexistência de um fundo de emergência no país, o Governo, ao nível do continente, deu sinais de preocupação com as reservas para questões emergenciais. Até 2014, era o maior contribuinte do Fundo Africano para Emergências de Saúde Pública que, entretanto, estará muito abaixo dos níveis esperados.
Criado em 2012, apenas oito dos 47 Estados-membros pagaram contribuições num total de mais de 3,6 milhões de dólares até 2014 (último ano com relatório disponível). Neste período, a instituição esperava angariar 150 milhões de dólares, ou seja, estavam pendentes mais de 146,3 milhões de dólares.
Angola tinha um pendente de pouco mais de 3,5 milhões de dólares de um total de pouco mais de 5,25 milhões. Ou seja, tinha pago mais de 1,7 milhões de dólares que era a maior contribuição entre os membros. Seguiam-se os Camarões, com mais de 1,6 milhões de dólares, e o Chade, com 183,5 mil dólares.
No mesmo período, entretanto, a instituição disponibilizou 1.326.073 a sete países, dos quais apenas um com alguma contribuição, no caso os Camarões, que recebeu 66,7 mil dólares. Em 2016, Angola recebeu do fundo 300 mil dólares para apoiar a campanha de vacinação.
No relatório de 2017/18 em África, a Organização Mundial de Saúde informou que as “contribuições permanecem baixas e a OMS/AFRO desenvolveu uma estratégia e um plano de mobilização de recursos focados em Entidades Não-Governamentais para o reaprovisionamento do Fundo”.
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