Crise atingiu em cheio imprensa privada
COMUNICAÇÃO SOCIAL. Imprensa privada enfrenta dias “críticos” e de pura “sobrevivência”. Jornalistas falam em situação “dramática”. Há quem acredite que a actual situação beneficia o Estado. Ardinas anunciam a “morte” da imprensa escrita e acreditam que a solução depende da vontade política.
A crise económica tem sido das principais razões apontadas para a queda da venda de jornais e para o desaparecimento de grande parte das publicações. Despedimentos, falta de salários, jornais que fecharam e outros que simplesmente deixaram de imprimir e queixas de censura são alguns cenários que os meios enfrentam. “Os media estão a sobreviver, mas não sei por quanto tempo mais. É uma situação que se arrasta desde 2017. Desde este ano que tem sido difícil com problemas a duplicar”, é o retrato feito por Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA).
A realidade fora de Luanda é ainda mais “crítica”, analisa Teixeira Cândido. O líder sindical dá como exemplo a realidade da Rádio Morena, em Benguela, cujos trabalhadores endereçaram recentemente um abaixo-assinado ao sindicato, dando conta que estão há quase quatro meses sem salários, quando o ordenado mais alto, entre os jornalistas, é de 120 mil kwanzas.
VENDER DOIS JORNAIS “É UM DIA BOM”
Na imprensa, o cenário é ainda “mais dramático”. Actualmente, apenas quatro jornais imprimem com regularidade, sendo um o Jornal de Angola, órgão estatal. Há dois ou três anos, saiam à rua mais de uma dezena de jornais e revistas.
Teixeira Cândido tem olhado com “preocupação” o número reduzido de jornais que conseguem imprimir. Faz comparações à realidade pré-independência, em que o país tinha quatro jornais diários. “Depois de mais de 45 anos, Angola não conseguiu ter mais de um diário. Isso representa uma não evolução do mercado da comunicação social”, afirma.
As coisas complicaram-se ainda mais, desde “mais ou menos 2017”, identificam os ardinas, em Luanda. Além do Jornal de Angola, o Novo Jornal, o Expansão e o Folha 8 têm “conseguido” sair regularmente. O Crime, jornal quinzenal sai, mas, às vezes, “falha”, explica Manuel Domingos Ebo, ardina na baixa de Luanda desde 2000. “Conseguir vender dois ou três jornais que não sejam o Jornal de Angola já é considerado um dia bom”, explica.
O sufoco começou em 2018. No inicio desse ano, o Jornal de Angola, único diário e aquele com maior circulação no mercado, era vendido, pelos ardinas, entre os 70 a 90 jornais diários. Para o colocar na rua, os ardinas compram-no a 50 kwanzas e vendem a 100, cada exemplar. Mas as “coisas” começaram a apertar e se for vendido mais de 15 ou 20 jornais já é “um milagre e um dia muito bom”. “O restante dos jornais é que tem sido uma luta grande para vender. A vida está tão complicada que ou compras jornais, ou comes. Claro que as pessoas preferem comer”, justifica Manuel Domingos Ebo.
Arão Abias, considerado o ‘decano’ dos ardinas em Luanda pelos outros ardinas e a comercializar jornais há mais de três décadas, não tem dúvidas de que as vendas têm baixado de “forma assustadora”. “Hoje em dia, quem continua a vender faz apenas pelo amor à profissão e por já não ter outra saída”, afirma. “Não há lucro nenhum. Se disser que há lucros estarei a mentir e não gosto de mentir. As vendas vão mesmo para a alimentação. Há dias em que vendemos apenas dois jornais. E se vender é sorte. Estou aqui por causa do factor idade. Os jovens estão aqui por causa da falta de emprego”.
Arão Abias recorda-se dos bons tempos em que levava jornais para vender num turismo e “todos compravam”. “Já cheguei a vender cinco mil jornais num dia”, lembra. Com a venda de jornais, formou e alimentou os filhos, conta, orgulhoso. Hoje, vê a imprensa a “morrer” e não acredita que possa melhorar tão cedo. Mas, ao mesmo tempo, defende que se os “políticos quiserem, as coisas melhoram”, porque “são eles que ditam as ordens”.
Um dos poucos jornais que tem conseguido imprimir é O Crime. O director, Mariano Brás, acusa o Governo de contribuir para o desaparecimento dos jornais e revistas. Dá o exemplo de que essa contribuição para o desaparecimento da imprensa começa quando permite que a impressão dos jornais seja das mais caras do mundo. “A intenção do Governo é dificultar. No tempo da outra senhora (antigo Governo) agiam com mais visibilidade. João Lourenço é mais astuto”.
O jornal O Crime é comercializado a 1.500 kwanzas. O preço, explica Mariano Brás, afasta o público-alvo, porque as pessoas não têm dinheiro para comprar o jornal e justifica o preço com alguma qualidade, 1.500 ou 2.000 exemplares, as gráficas cobram cerca de três milhões de kwanzas.
Mariano Brás conta que o “segredo” de ‘O Crime’ ser ainda dos poucos a imprimir tem que ver com a “resiliência e uma mão divina”, trabalhar apenas com estagiários e o facto de o jornal ter surgido já “a meio da crise em 2014”. “Nunca tivemos um momento bom. Sempre nos viramos nas dificuldades”, conclui.
NOVO JORNAL MAIS DIGITAL, MAS NÃO SE SENTE UMA ILHA
O Novo Jornal e o jornal Expansão são dos poucos semanários que ainda saem à rua. Fazem parte do mesmo grupo e têm uma distribuidora própria que vende aos ardinas e em pontos de venda e conta com as assinaturas digitais. O director do Novo Jornal, Armindo Laureano, explica que o jornal teve de se adaptar ao período da pandemia e optou pela promoção de assinaturas digitais num momento em que se pede para as pessoas ficarem em casa.
As vendas no digital registaram um aumento “considerável” entre Março a Novembro. Apesar disso, garante Armindo Laureano, “não descuramos o físico, nem o aumento das vendas digitais transformou o Novo Jornal numa ilha e tenta perceber o que está a acontecer ao seu redor”.
Armindo Laureano acredita estar a fazer um “grande” trabalho de gestão, ainda não se sentiu obrigado a despedir e garante que nem tem essa pretensão: “Continuamos com a regularidade da impressão do jornal. Os anúncios têm subido. Não estamos numa ilha. Claro que não é um quadro que anima. Somos do tempo em que dava um prazer ir ao sábado comprar sete, oito ou nove jornais. É a diversidade”.
Um dos responsáveis da distribuidora dos dois jornais explica que houve uma “quebra significativa nas vendas por causa da crise” e principalmente com a saída de muitos expatriados que também eram leitores dos dois jornais. A empresa de distribuição tem optado por aumentar os pontos de venda, mas com a pandemia optou por deixar de mandar os jornais para outras províncias e converteu as assinaturas físicas em digitais.
ENTRETENIMENTO DESAPARECEU
As revistas de moda e entretenimento também deixaram de parar nas mãos dos ardinas. A internet e a crise aceleraram o desaparecimento deste segmento da imprensa, justificam os ardinas.
Revistas como Mulher Moderna, Gente, Segredos de Cozinha, Maria, Karga e Lux “simplesmente foram desaparecendo aos poucos até que deixamos de ter acesso”. Para aquelas que eram importadas, como a Mulher Moderna, Gente, Segredos de Cozinha e Maria, a falta de divisas ditou o “enterro”. “Neste momento, não temos nenhuma revista connosco. O que estamos a vender é tudo antigo e para encher”, revela um dos ardinas que não quis se identificar. As revistas internacionais eram adquiridas num quiosque no aeroporto internacional ‘4 de Fevereiro’ e na loja Africana.
ESTADO CONCENTRA MEIOS
Depois de quase quatro meses de dois importantes grupos de media terem passado para as mãos do Estado, o líder do Sindicato dos Jornalistas continua expectante com a privatização prevista para o próximo ano.
Teixeira Cândido fala em receios. “Coincidências na abordagem e actos de censura” são as suas principais preocupações.
A Tv Zimbo, a Rádio Mais e o Jornal OPAIS, do Grupo Media Nova, a Tv Palanca e a Rádio Global, do Grupo Interative, foram entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR) por alegadamente terem sido constituídos com fundos públicos. A PGR passou a gestão dos meios para o Ministério das Telecomunicações e Comunicação Social.
Teixeira Cândido lembra que a lei de imprensa proíbe o Estado de concentrar órgãos de comunicação social para não ameaçar a pluralidade da informação. Cita recentes “coincidências” na abordagem em duas reportagens de cariz investigativo por parte dos dois canais de televisão e o que a Televisão Pública de Angola (TPA) tem emitido sem passar o contraditório por parte de antigos gestores públicos. “Como se compreende que matérias com tamanha gravidade (reportagem ‘O Banquete’ da TPA) sobre várias acusações que vão sendo feitas sobre mais variadas figuras que ocuparam cargos públicos não tenham direito ao contraditório?”, questiona-se.
O dirigente sindical ressalva, no entanto, ser “ainda cedo para avaliar se o jornalismo angolano ficou mais rico ou mais pobre”, mas avisa que “a concentração de órgãos não só ameaça a pluralidade, mas torna refém os profissionais”. “Na medida que quem não puder trabalhar na TPA não poderá eventualmente trabalhar para Tv Zimbo, porque sabem que se rescindirem um contrato com a Zimbo também não poderão trabalhar na TPA”, exemplifica.
Já Mariano Brás tem a certeza de que desde sempre foi intenção do Estado ter estes meios sob tutela. “Desde que passaram para a esfera do Estado, a censura aumentou”, alerta. Temos assistido a um retrocesso nas linhas editoriais destes meios. O que já existia só aumentou. Temos relatos de colegas neste aspecto”
GOVERNO NÃO APOIA PRIVADOS
Recentemente, o SJA solicitou a intermediação do Estado para a concessão de créditos que seriam pagos com juros bonificados e a canalização de publicidade institucional à imprensa privada, entre outras propostas. Foram ainda propostos a isenção fiscal e incentivos fiscais para ajudar essencialmente os meios privados. Mas o Governo não cedeu às propostas. “São um conjunto de políticas que temos estado a apresentar exactamente para permitir que os jornais não desapareçam todos e ficarmos apenas com o Jornal de Angola. Estamos a correr este risco”, adverte Teixeira Cândido.
Apesar de o Governo respondido, o sindicato promete não cruzar os braços e pretende “continuar a gritar”, sendo que não tem “outra alternativa”, já que não pede “dinheiro”, mas apenas a regulamentação da lei de imprensa. Teixeira Cândido compara os incentivos que foram dados em alguns países por causa da pandemia, dando como exemplo, em Portugal.
PUBLICIDADE EM QUEDA
A publicidade também tem Estado em quedas acentuadas. O SJA estima que o mercado actual ascenda os 14 mil milhões de kwanzas quando já tinha chegado, a alguns anos, a mais 500 mil milhões de kwanzas. Este número é baseado em cálculos dos anúncios difundidos pelas rádios, jornais ou televisões que não significam necessariamente encaixe financeiro porque há conteúdos da administração directa do Estado que não pagam. Hoje, com este mercado, assegura Teixeira Cândido, “não é possível sobreviver”.
Estado concentra meios
O Valor Económico e o Nova Gazeta, dois jornais da Gem Angola Global Media, fazem parte do grupo de órgãos de referência que deixaram de imprimir. O primeiro concentrou a sua presença no PDF e reforçou a alimentação dos conteúdos no site. Já o Nova Gazeta se ficou pelo site e a empresa não projecta, pelo menos no curto prazo, retomar a impressão. Os jornais o 'Mercado e 'Vanguarda', da Media Rumo, também passaram a contar apenas com o PDF desde o ano passado.
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