crise na Guiné e os bandos errantes
A crise político-militar na Guiné-Conacri é apenas mais uma prova de uma verdade incontestada: os africanos são genericamente governados por bandos errantes que se renovam por herança ou por contágio. Interpretado na perspectiva do progresso do continente, o afro-pessimismo não é, portanto, uma combinação de convicções baseadas na descrença infundada. É uma tese sustentada diariamente por lideranças que personificam a desgraça em carne e osso.
Depois de infinitos anos na oposição a contestar a ditadura, Alpha Condé chegou ao comando do seu país com o selo de primeiro presidente eleito democraticamente. Só por isso tinha o suficiente para deixar um legado de dignidade e honra no seu país e no continente. Por uma razão acessível. Na fase actual de construção das democracias africanas, qualquer gesto de ruptura com o autoritarismo e com o apego ao poder é um sinal bastante na edificação do almejado progresso. Depois de dois mandatos de cinco anos cada um, Condé tinha, portanto, de tomar uma única decisão histórica: abandonar o poder em respeito pela Constituição que não permitia que ele se mantivesse sentado no cadeirão presidencial sequer por mais um dia. Mas, contagiado pela febre do poder dos seus pares africanos, o apeado Condé não se quis distanciar do autoritarismo que condenou a vida toda. Mexeu na Constituição para um terceiro mandato, à custa de dezenas de mortes e detenções na sequência da contestação popular que durou meses.
Hoje, a União Africana e os seus associados atiram-se contra os golpistas, ordenando a reposição de uma ordem constitucional que o próprio Condé fez questão de deturpar em 2020. Hoje, a União Africana e ‘sus muchachos’ condenam cinicamente a queda de Condé, como se o golpe fosse a causa de um novo ciclo de crise na Guiné-Conacri e não uma consequência inquestionável do cancro do apego ao poder.
Dito isto, é obvio que este texto não faz apologia aos mecanismos de tomada do poder pela força das armas. É antes um necessário lembrete de que, na leitura dos retrocessos africanos, as consequências não se podem substituir às causas. Condé não é por isso nenhuma vítima, é o maior responsável pelo novo caos em que mergulhou o seu país. E não há teoria nenhuma da conspiração que o salve. Mas a União Africana, que se tem empenhado sem mãos a medir no amparo das novas ditaduras africanas, não se exime de culpas. Porque, ao colocar-se invariavelmente ao lado dos batoteiros das constituições e dos regimes que trocam o progresso dos seus povos pela manutenção do poder, a União Africana opta deliberadamente pela instabilidade e pelo retrocesso. Reafirmar, por isso, que os africanos são genericamente governados por bandos errantes é dizer o mínimo.
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