Da kixiquila ao crédito agrícola
CRÉDITOS. Em Angola, quase toda a gente sabe o que é a kixiquila e como ela funciona na prática. O sistema, criado pela necessidade de se poupar, nem tem muitos segredos. Nasceu nas camadas mais pobres, sem fundamentos teóricos. Mas a ideia tem um ‘pai’ ideológico: o alemão Friedrich Wilhelm Raiffeisen.
Se Friedrich Wilhelm Raiffeisen tivesse nascido em Angola certamente seria apontado como o autor da kixiquila. O sistema, de poupança em grupo, nem é um exclusivo angolano. Existe em muitos países africanos e noutros continentes, sobretudo nas zonas consideradas mais pobres. Mas foi num país rico, na Alemanha, que o modelo teórico ganhou forma através de Friedrich Wilhelm Raiffeisen. Em 1862, criou a Associação de Crédito de Heddesdorf, a terra onde viveu a maior parte da vida.
Nascido em 1818, em Hamm, Raiffeisen foi criado numa família de operadores de pequenos agricultores. Era o sétimo de nove filhos. Começou por ser operário ainda muito jovem, quando deixou a escola aos 14 anos, e foi nas fábricas que melhor se apercebeu do sofrimento dos mais pobres, muitos sujeitos a contraír empréstimos com juros elevados.
Uma doença nos olhos mudou-lhe o rumo da vida: desistiu de cumprir o sonho de ser militar, entrou para a função pública e, anos depois, chegou a burgomestre (administrador municipal) de várias cidades.
A grave crise económica que abalou toda a Europa - à qual a Alemanha não escapou - inspirou-o a criar soluções alternativas. Em 1852, já como líder municipal de Heddesdorf, uma cidade industrial, Raiffeisen fundou uma associação de caridade, em que os depósitos dos membros serviam para fornecer empréstimos a outros membros. Surgia, desta forma, uma kixiquila mais organizada e com princípios cooperativos que viriam a servir de inspiração às cooperativas de crédito rural, tal como as conhecemos actualmente. A primeira pretendia apenas garantir o abastecimento de grãos e pão. Nascia assim a primeira padaria comum. A seguir, ajudou a criar uma organização cujo objectivo passava por adquirir gado sem que fosse preciso hipotecar bens ou contrair dívidas. A forma de poupança dos agricultores e criadores de gado evoluiu para uma sistema em que uma organização formal poderia emprestar dinheiro, mas com taxas muito baixas, bem inferiores às praticadas por instituições financeiras já existentes.
A sociedade de crédito obedecia a princípios que muitas cooperativas financeiras, mais tarde, viriam a adoptar: responsabilidade ilimitada para os membros, administradores voluntários, uma área geográfica limitada e a atribuição dos excedentes a uma reserva (poupança).
A ideia de cooperativa de crédito ganhou um efeito multiplicador. Começou a ser copiada em várias cidades da Alemanha, na Áustria, na Suíça e em França. Os franceses agarraram com força nas ideias do alemão e passaram a ser pioneiros na criação de instituições que abrangeram todo o país, como o Crédit Mutuel e o Crédit Agricole.
Na Alemanha, já aposentado, Friedrich Wilhelm Raiffeisen continuou a apostar no seu sistema, em especial, junto das comunidades rurais. Em 1869, depois de inspirar a criação de perto de cem cooperativas de crédito na Alemanha, formou a primeira confederação que juntou todas as organizações que praticavam o sistema de crédito.
Pelo meio, ele próprio foi um dos beneficiados com o sistema de poupança. A falta de visão e uma febre tifóide afastaram-no nos cargos públicos. Com poucos rendimentos, investiu as poupanças numa fábrica de charutos e depois numa loja de vinhos.
Reformado e quase cego, Friedrich Wilhelm Raiffeisen ainda conseguiu publicar um livro em que explicou os méritos das caixas de crédito mútuo. A obra foi traduzida em várias línguas (não em português) e teve oito edições na Alemanha. Antes do livro, ainda fundou um jornal, mas que teve poucas edições.
Os princípios da cooperativa, preconizados por Raiffeisen, servem hoje de base à formação de instituições de crédito em quase todo o mundo, em especial na Europa que tem bancos deste tipo de grande dimensão. Ou em Angola, como é o caso do Kixicrédito. Além do crédito agrícola, há instituições viradas para o crédito corporativo, dirigido a um conjunto de profissões, o crédito para sindicatos, usado pelos seus membros, e o crédito para organizações religiosas.
Essências da cooperativa
Auto-ajuda: Disposição para prestar assistência mútua
Auto-administração: Membros tomam as suas próprias decisões sobre a cooperativa dentro de um quadro dos princípios democráticos
Ética na solidariedade: Com um objectivo económico comum baseado em ajudar um ao outro
Sustentabilidade: O objectivo comum é a melhoria económica sustentável, sem pensar em resultados rápidos.
Subsidiariedade: O poder da cooperativa é aplicado apenas quando o poder do indivíduo é insuficiente e, portanto, requer ajuda.
Princípio da identidade: Os membros e os clientes são idênticos na cooperativa.
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