Despedimentos subiram 130% em três anos
O inspector-geral do Trabalho revelou ao VALOR que, durante o segundo trimestre, deste ano foram detectadas mais de 5500 infracções laborais, em diferentes ramos de que resultaram 404 multas. Entretanto, os números “arrasadores” são dos despedimentos. De 2009 a 2016 foram registados 82 mil despedimentos, destes 59 mil aconteceram nos últimos três anos, 2013/2016. Sobre as denúncias da alegada fuga às empresas estrangeiras diz que inspeccionam todos sem excepção.
A A Inspecção Geral do Trabalho (IGT) passou por um processo de modernização iniciado em 2011. O que mudou em termos efectivos?
Houve a aprovação do novo estatuto orgânico que colocou a instituição numa posição mais confortável. Antes éramos um órgão executivo com dependência directa do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS). Agora somos um órgão tutelado, uma espécie de instituto. Ou seja, os serviços provinciais passaram a responder directamente à Inspecção Geral do Trabalho e não às direcções provinciais do MAPTSS. Também apostámos no recrutamento de técnicos licenciados, sobretudo das áreas do Direito e da Psicologia do Trabalho. Desta forma, procuramos corresponder melhor às expectativas das partes da relação laboral.
Ou seja, houve renovação dos recursos humanos também.
Sim. Muitos dos quadros passaram para a reforma, por terem reunido os requisitos exigidos por lei: tempo de trabalho e idade. Os que permaneceram representam apenas cerca de 8% do total. Por outro lado, temos meios mais modernos como computadores e até viaturas, isso para permitir a mobilidade dos inspectores.
Têm meios e recursos suficientes?
A nível nacional somos 153 funcionários. O número não é suficiente, precisaríamos de mais três ou quatro pessoas nas províncias do interior, como Namibe e Cabinda. Em Luanda estamos bem servidos com 27 inspectores. Quanto a viaturas, estamos numa fase de crise, de modo que procuramos gerir o que temos. O mais importante é que a nossa missão tem sido cumprida.
Têm um orçamento próprio?
Não. Apesar de sermos uma espécie de instituto, o nosso orçamento ainda depende do MAPTSS. Mas temos sido bem servidos pela secretaria geral do Ministério naquilo que solicitamos.
Em termos práticos, em que consiste o trabalho da IGT?
Essencialmente visitas inspectivas, dirigidas a empresas para aferir o grau de cumprimento da lei; prestação de informação, com o objectivo de esclarecer aspectos relacionados com a lei laboral, e mediação de conflitos laborais de naturezas diversas, realçando aqui os despedimentos.
Há muitos despedimentos?
A crise está a ter reflexo directo nos empregos, muitas empresas eram prestadoras de serviço do Estado. Temos assistido a muitos despedimentos colectivos, estão previstos na lei. O mais importante é que, à hora do despedimento, sejam salvaguardados os direitos do trabalhador, dando-lhe a devida indeminização ou compensação. Há registos de despedimentos em empresas dos diversos sectores, mas o fornecimento dos números são da competência do director nacional do Emprego. Contudo, dados disponíveis no MAPTSS indicam que, de 2009 a 2012, 23 mil trabalhadores perderam o emprego e de 2013 a 2016, registaram-se mais 59.000 despedimentos. No total, de 2009 até ao primeiro semestre de 2016, 82 mil pessoas foram despedidas. Na maior parte dos casos, os trabalhadores têm sido indemnizados porque as empresas vão tendo cada vez mais cultura das leis e por isso a Inspecção está mais sossegada.
As visitas são feitas com base em queixas ou por iniciativa da inspecção?
Temos três tipos de visitas: as planificadas, das queixas que recebemos e as visitas por iniciativa dos inspectores. Temos sabido gerir estas três vertentes.
Pode avançar números de infracções laborais dos últimos 12 meses?
Em todo território nacional realizámos 1.624 visitas inspectivas, destas detectámos 5.175 infracções. Os aspectos mais violados foram a não inscrição dos trabalhadores na Segurança Social, com 519 casos, incumprimento de dispensa do trabalhador para gozo de férias, 215 casos, e falta de equipamento de protecção individual, 160 casos. Estes dados são apenas do segundo trimestre deste ano. Acusámos a recepção de 1.063 pedidos de mediação de conflitos de trabalho, tendo resolvido 990, sendo 917 a favor dos trabalhadores que resultaram em indeminizações no valor de 27.937.304, 14 (vinte e sete milhões, novecentos e trinta e sete mil, trezentos e quatro kwanzas e 14 cêntimos).
E os atrasos salariais?
O normal é que, chegado o prazo de pagamento que estiver estipulado, semanal, quinzenal ou mensal, o empregador honre. Depois disso, mesmo que passe apenas 24 horas, estamos perante atraso salarial. Temos queixas de empresas que não pagam salário há nove meses! Se um trabalhador está há nove meses sem salário, como fica a família? Não é dignificante. Nestes casos, a inspecção desloca-se à empresa para aferir as razões que estão na base do atraso salarial. Se estiver bem demostrado que não tem liquidez, a solução é os trabalhadores aguardarem. Doutra forma, a empresa é obrigada a pagar e até multada.
As empresas infractoras tem respondido às vossas notificações?
Normalmente, as entidades empregadoras aparecem, em muitos casos mediamos, chega-se a um acordo e o empregador cumpre com os seus deveres. Noutros casos, a Inspecção passa uma declaração de resolução do conflito e a entidade lesada vai junto da Sala do Trabalho resolver o assunto de forma judicial.
Há informações segundo as quais, a Inspecção ‘foge’ das empresas chinesas e petrolíferas, porquê?
Não é verdade. Temos feito inspecções nestas empresas e informo, desde já, que uma das violações mais frequentes nas empresas chinesas são as condições de trabalho que oferecem. Temos sido implacáveis e hoje já colaboram. A Inspecção tem acesso a todas as empresas, sejam elas nacionais ou de estrangeiros. E temos estado a aplicar multas.
Neste período que reporta quantas multas foram aplicadas?
No segundo trimestre deste ano, a Inspecção aplicou 404 multas das 5500 infracções diversas detectadas. Falta de qualificador ocupacional, não pagamento dos subsídios acordados ou previsto na lei, falta de subsídios de férias…
Há empresas que também fazem queixas dos trabalhadores?
Sim, mas não tanto quanto o número de trabalhadores. Costumo dizer que a Inspecção Geral do Trabalho não é um sindicato que zela pelo direito do trabalhador. A Inspecção ouve as duas partes e faz cumprir a lei.
O trabalho doméstico está a crescer, nalguns casos com relatos de maus-tratos. Como são tratados os conflitos resultantes desta actividade?
Este trabalho rege-se no âmbito Contrato Especial, e, no caso de Angola, carece de regulamentação. Há um anteprojecto que foi aprovado em Março e remetido ao Conselho de Concertação Social, órgão representativo dos vários parceiros sociais e, nas próximas sessões do Conselho de Ministro, será aprovado. Mas, por ser um trabalho que decorre numa residência, os conflitos não dão lugar à integração do trabalhador, isso para salvaguardar a vida dos dois, pois trata-se de uma relação de estreita confiança e de muitos riscos, quer do empregador quer do trabalhador. Também é bom esclarecer que estes casos não são da alçada do Direito do Trabalho mas do Direito Penal. Ou seja, os conflitos desta natureza dão lugar à queixa-crime. Apesar de não haver uma lei ainda, a Inspecção tem tratado estes casos e 99% dos patrões notificados têm comparecido.
Como estão as empresas em termos de segurança no trabalho?
A Inspecção Geral do Trabalho, a nível nacional, registou 337 casos de acidentes de trabalho, no segundo trimestre deste ano, que provocaram 254 casos leves, 78 graves e cinco que resultaram em mortes. Estes acidentes produziram prejuízos avaliados em 30.429 dias perdidos e uma indeminização em custos directos de 1.573.581 kwanzas. Os acidentes fatais ocorreram nos ramos da construção com três, industria com um e geologia e minas também com um, respetivamente nas províncias de Luanda e Lunda Norte. São números que preocupam, daí a necessidade da sensibilização, por via de palestras e seminários com os empregadores.
Há muitas empresas a trabalhar com menores….
É verdade, particularmente no ramo da construção civil e temos tomado medidas quando somos comunicados ou encontramos. No decurso dos segundo trimestre, foi realizado o seminário sobre o trabalho de menores e seu enquadramento legal, com a incidência nas províncias do Bengo, Benguela, Bié, Huila, Huambo e Namibe. A intenção é chegarmos às 18 províncias para diminuirmos este mal.
Quais são as dificuldades que os inspectores do trabalho enfrentam?
A localização das empresas e a mobilidade. Gasta-se muito tempo nos engarrafamentos para se chegar aos municípios. Por outro lado, nem sempre o endereço que nos é fornecido é o correcto, isso rouba tempo. Mas estamos a trabalhar no sentido de aproximar os serviços nos municípios. Já temos alguns, por exemplo, em Viana, Ingombota e noutros.
Quais são os desafios principais da Inspecção Geral do Trabalho?
A médio prazo, pretendemos que todas as empresas tenham os seus trabalhadores no Sistema de Segurança Social e depositem as respectivas taxas para que, na velhice, tenham uma vida digna. Queremos também ver mais rigor no cumprimento da segurança, protecção e higiene no trabalho. Vamos continuar a realizar palestras de sensibilização e conversar com os empregadores.
Perfil
Augusto Pombal nasceu no município do Bungo, Uíge, em Setembro de 1965. A sua mãe é do kwanza-Norte e o pai de Luanda. Quadro da Inspecção Geral do Trabalho, com 30 anos de casa, entrou como técnico de base estagiário. Licenciado em Direito, foi nomeado em Fevereiro de 2013 para exercer as funções de Inspetor-geral do Trabalho. É casado e pai de quatro filho.
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