DOMINGOS DA SILVA FORTES, ECONOMISTA E CONSULTOR DA ASSOCIAÇÃO DE PORTOS DE ANGOLA

“Deve haver reformas profundas para acabar com a indisciplina nos portos”

Defende a reestruturação urgente do Instituto Marítimo Portuário de Angola (IMPA) por não se adequar aos desafios do Executivo que tem como meta uma economia competitiva. A reforma do IMPA é, segundo Domingos da Silva Fortes, um imperativo para tornar os portos do país hoje ‘parados’ no tempo, mais competitivos.

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Como funcionam os portos?

Funcionam mal.

Porquê?

A partir do momento em que não há um órgão regulador que fiscalize e controle a actividade das suas empresas sob concessão, isso é indicador de mau funcionamento.

Quem deve regular e fiscalizar os portos?

Toda a engrenagem funcionaria se, de facto, houvesse uma reforma do sistema portuário. Essa reforma, como é evidente, passa pelo próprio órgão regulador, o IMPA.

O IMPA está ultrapassado?

Exactamente. Compete ao IMPA fiscalizar e regular a actividade marítima e portuária. Esse instituto está ultrapassado como estrutura, uma vez que não se adequa aos actuais desafios do Governo, que tem como meta uma economia competitiva. O Governo precisa de exportar e as exportações têm de ser competitivas. Só pode haver competitividade da economia havendo competitividade dos portos.

Os nossos portos estão parados no tempo?

Não são competitivos e ali está o problema. Só há competitividade na economia, havendo competitividade dos portos. Digo isso porque os portos são o barómetro do crescimento económico nos países como o nosso que tem mar.

E também aplicam tarifas muito elevadas se comparadas a outros países da região?

Os portos não estão digitalizados. A autoridade portuária que recebe estas competências do IMPA para controlar a actividade dos concessionários no porto nada consegue fazer. Não tem o controlo das rendas variáveis que deve cobrar e, por isso, há um grande desperdício por causa da falta de integração digital. Esse é um dos primeiros desafios a ter em conta na reforma.

Há ainda o problema da morosidade na descarga de navios..

Há muita morosidade na descarga portuária e isso também concorre para tornar um porto caro. O que conta para os armadores é o tempo total em porto. Os navios ficam muito tempo à espera da atracação devido à lentidão das operações de carga e descarga.

Enquanto gestor do terminal de carga geral do Porto de Luanda, alguma vez sugeriu essa reestruturação do IMPA ao mais alto nível?

Já sugeri no meu livro ‘Os Caminhos da Eficiência nos Portos’ que explica claramente os caminhos da reforma a seguir.

Mas o livro foi publicado há poucos meses…

Porque o actual contexto já é mais favorável. O país tem uma nova governação. Note que só agora há um secretário de Estado para área marítima e portos. Portanto, acho que esta é uma boa altura para introduzir mudanças e eficiência. Esta é uma altura também para acertarmos o passo rumo à integração económica da região da SADC. Tudo isso passa por reformas, mas, com o IMPA, não iremos a lado nenhum.

Escreveu também um texto sobre a nova unidade portuária na forja (o porto do Dande).

É prioritária a construção de novos portos, como o do Dande? Não digo que seja uma prioridade. É necessária a construção de novos portos, mas é preciso ter cautela. A questão que se coloca é: quando e como começar a construir novos portos tendo em conta o volume bastante reduzido do tráfego actual.

E qual é a resposta?

Sabe que temos o programa do Governo, PRODESI que prevê a substituição das importações pelas exportações. Logo, se as importações forem cada vez mais diminutas, isso empobrece os portos, ou melhor, reduzem as receitas dos portos. Mas as exportações também são muito tímidas e não cobrem o défice das importações.

Está a falar de uma possível falência dos portos?

Os portos podem mesmo falir. Mas pode não acontecer se o Executivo tomar medidas infra-estruturais com a abertura de novos corredores. Temos países encravados como a República Democrática do Congo, Zâmbia e Botsuana. Podemos agregar também o Ruanda, embora não faça fronteiras com o nosso país. Portanto, poderíamos criar mecanismos para aceder aos seus produtos de exportação e estimular largamente o comércio transfronteiriço. Temos apenas um único corredor, o Caminho- de-Ferro de Benguela (CFB) que vai até à fronteira com a Zâmbia, mas do Luau em diante esta linha está degradada. Podemos estimular a construção de uma longa estrada que entre pela RDC por forma a captar não só o mercado, mas também escoar os produtos congoleses através do Porto do Lobito. Temos ainda a vantagem do Porto de Moçamedes, através do qual podemos abrir corredor para a Zâmbia ou do traçado do CFB para a Zâmbia. Com isso, iriamos aumentar a capacidade de movimentação dos portos.

Em suma, a solução dos portos passa pelos corredores rodoviários e ferroviários?

É uma das saídas de peso, para torná-los mais agressivos. Temos de implantar novos modelos de governação dos portos agora e não esperar para depois. Como disse no início, podemos construir novos portos desde que criemos cinturas industriais, abrindo novos corredores de acesso a novos mercados para aumentar o tráfego cativo (importação e exportação doméstica) e o captado de países fronteiriços e não só. Mesmo em termos de petróleo, temos de encontrar saídas com a construção de ductos de escoamento. Depois do lançamento do meu livro que prevê tudo isso parece que já há um acordo para o fornecimento de petróleo para a Zâmbia através de ductos a partir do Lobito, com o advento da futura refinaria. Significa que, com a construção e todos os portos funcionais em Cabinda, Dande, Lobito e Namibe, poderíamos aumentar o tráfego dos portos do país. Temos de preparar terreno para irmos em busca de outros mercados.

Foi alto responsável do Porto de Luanda. Como deixou essa entidade?

O plano director havia delineado a existência apenas de três terminais. Um de carga geral, um polivalente e outro de contentores. Outro seria de uso privativo, o da Sonils. Vimos depois que esse plano inicialmente assim concebido deixou de sê-lo com o surgimento do quarto concessionário a Soportos. Logicamente isso teve as suas consequências em termos de repartição do tráfego pelos terminais. E a redução do tráfego tem trazido problemas de equilíbrio financeiro para as empresas que lá estão. Na altura em que lá estive, o tráfego era crescente e contínuo.

Porque era um tráfego virado para as importações?

Por um lado, foi bom porque os terminais estavam mais folgados financeiramente. Por outro, foi mau e continua a ser mau, uma vez que nunca se teve em conta custos fixos e variáveis das próprias empresas que lá estão. Esse é o ponto de partida para determinar a eficiência. Se não fizermos uma análise dos custos fixos e variáveis em que incorrem todos os concessionários, não saberemos o grau de eficiência.

Está a dizer que os concessionários que operam no Porto de Luanda são ineficientes?

São ineficientes a julgar pela alta taxa de inflação no mercado. Sabe que as importações impactam directamente no PIB.

A reforma que defende passa também por privatizações?

Passa pelo órgão que regula a actividade económica, que tem a regulação técnica e lida com projectos, planos directores ou de desenvolvimento. Já a regulação económica consiste em corrigir as falhas do mercado e vigiar os preços. Temos um regulamento de tarifas que é fixado administrativamente sem ter em conta custos fixos e variáveis da operacionalidade dos terminais. Assim não pode haver um ambiente de competitividade. Em termos de regulação, devia ser assegurada por uma lei que é a política do Estado sobre o subsector: a Lei da Marinha Mercante e Portos está descontextualizada e, por isso, deve ser revogada.

Está a dizer que se deve ‘separar as águas’ entre portos e marinha mercante?

Os assuntos são diferentes. Deve haver uma lei para aspectos marítimos e outra só de portos. Os direitos também são diferentes. Uma é o direito do mar e navios e outro é o portuário, das empresas e concessionárias que operam em terra.

Como avalia a nossa segurança portuária?

É um problema de segurança marítima, que, mais uma vez, abrange o IMPA. Isso acaba por ser um elemento de conflitualidade que opõe a administração marítima (IMPA) à Defesa. É preciso reforçar a segurança, porque a defesa do território depende do exército. Mas aqui entram também as convenções internacionais e aí surge o órgão regulador, público, o IMPA que digo, mais uma vez, é uma estrutura caduca.

Qual é a importância dos portos secos nessa equação do sistema portuário?

Os portos secos fazem parte do sistema portuário. O IMPA, na sua actividade, também prevê o controlo de portos secos. São assim chamados por não terem mar ao lado, mas representam o destino final das mercadorias importadas. Quer dizer que o Porto de Luanda, por exemplo, devia ser apenas de passagem (não de abertura de contentores) e a inspeção devia ser feita no porto seco. É por isso que nesses deve ser implantada a Administração Geral Tributária (AGT). Portanto, os portos de mar devem servir apenas de estrutura de passagem, ou seja simplesmente depósitos de contentores. Esses portos secos no futuro devem ter projecção internacional no âmbito da integração regional.

A AGT é dispensável nos portos marítimos?

Não, os portos secos fazem parte de todo o sistema portuário e devem estar sob alçada do órgão regulador. A AGT também deve ali estar, mas o seu desempenho deve fazer-se sentir mais nos portos secos nos quais devem decorrer os processos de compra e venda. Portanto, mais uma vez é chamado o IMPA. Se este instituto evoluir para uma agência reguladora vai controlar melhor as suas empresas e vai por um ponto final à confusão existente nos portos. Isso irá disciplinar a conduta dos sujeitos económicos privados.

Há muita indisciplina nos portos?

A meu ver, como técnico, há muitos incumprimentos a julgar pelas rendas variáveis que não são pagas. Essa desordem instalada só pode acabar com uma agência reguladora.

Voltemos ao seu livro. Considera-o uma ‘bíblia’ visando à eficiência dos portos?

É, porque nele está concentrada uma gama de questões actuais que pretendem orientar o Governo na acção reformadora.

Como foi recebido pela crítica?

A reacção das pessoas que me conhecem tem sido muito positiva. Aliás, levei 34 livros ao 10.º Conselho Consultivo do Ministério dos Transportes realizado de 29 a 30 de Novembro no Lobito, em Benguela, que foram vendidos em dois dias. Isso significa que terei de reeditá-lo para que sirva não só as actuais e futuras gerações, mas como premissa para as reformas urgentes que se impõem no subsector marítimo. Se assim não acontecer, o balanço dos próximos 10 anos será negativo como foi feito agora nessa viragem de página na história do país.

Que análise faz do 10.º conselho consultivo dos Transportes?

De uma maneira geral, correu bem, mas, das próximas vezes, será preciso ter em conta o número de painéis e o tempo para uma abordagem exaustiva dos assuntos.

No shipping, o país não tem uma companhia angolana de dimensão. A Angonave desapareceu do mapa há muito e a Sécil Marítima trabalha ‘a meio gás’ com navios alheios. Qual é a sua opinião?

A Sécil Marítima tinha um terminal no Porto de Luanda que lhe foi retirado e não sabemos das razões. É uma empresa fragilizada, não rentável. Mas devia ser potenciada, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Carregadores (CNC). É assim que funcionam os CNC em todo o mundo. O CNC devia trabalhar mais no apoio à marinha mercante e portos, mas infelizmente não o faz. Se a Sécil tivesse navios, ali estaria o CNC a fornecer, por exemplo, guindastes ou a financiar a digitalização de terminais.

Quer dizer que o CNC não cumpre com os objectivos?

Não cumpre os objectivos para os quais foi criado.

Sendo deficitária, a Sécil Marítima acaba por ser um ‘alvo fácil’ numa previsível privatização das empresas do sector dos Transportes?

Provavelmente. Mas, como especialista, apenas quero prestar uma visão técnica transformacional e de mudança.

As estradas estão, em grande medida, danificadas. De que forma isso impacta na fluidez do sistema portuário?

Para os armadores, não importa muito a localização geográfica do porto mas sim a solução logística. Isso quer dizer que um porto que ofereça uma boa solução logística terá sempre clientes. Isso passa também por boas estradas que são as artérias do desenvolvimento que também contribuem para a fluidez do sistema portuário.

Como avalia a formação de quadros no sector?

A formação é débil. Sejam operadores de terminais, de estiva. É preciso profissionalizar as pessoas que ali já labutam. Há que qualificar as pessoas, porque, nos próximos 20 a 30 anos, temos de ter mão de obra capaz de trabalhar em qualquer país da SADC. Temos de preparar o terreno para acções da integração.

Acredita nas políticas do Governo?

Se há sectores de actividade económica a avançar não tenho como não acreditar. É só olhar para o sector dos petróleos que tem agora uma agência reguladora, penso que também haverá o mesmo nas telecomunicações. Na electricidade também. Os institutos públicos de sectores vitais têm de ser convertidos em agências reguladoras. Só assim funcionarão devidamente por terem regimes especiais.