EM 2019

Dívida pública aumenta 48% e já vale 107% do PIB

CONTAS. A dívida externa concorreu para o aumento com mais 12,6 mil milhões de dólares. Compra das aeronaves também teve um contributo considerável.

Dívida  pública aumenta  48% e já vale  107% do PIB
D.R

O stock da dívida pública de Angola em 2019 aumentou, em termos nominais, 48,7%, passando de 23 para 34,3 biliões de kwanzas, o equivalente a 71,9 mil milhões de dólares de acordo com o relatório de execução publicado pelo Ministério das Finanças.

Com o referido aumento, o rácio da dívida sobre o PIB passa de 84% para 107%, depois de já ter saído de 65% para 84% entre 2017 e 2018. 

Segundo o documento das Finanças, a dívida externa é a que mais concorreu para o incremento com uma variação, em termos nominais, de 63% ou mais cerca de seis biliões de kwanzas, equivalente a 12,6 mil milhões de dólares. O stock desta dívida está agora fixado em 21,3 biliões de kwanzas, equivalente a 44,8 mil milhões de dólares.

A emissão, em Novembro, de eurobonds no valor de três mil milhões destaca-se entre as dívidas contraídas externamente. Comparativamente a 2018, registou-se uma variação de 148,7% do stock da dívida resultante da emissão de obrigações no mercado internacional, eurobonds.

“Importa referir que, apesar de as emissões de eurobonds aumentarem o stock da dívida externa, esta modalidade de financiamento está prevista na Estratégia de Endividamento de Médio Prazo (2019-2021), que, relativamente à dívida externa, visa diversificar as suas fontes de financiamento, priorizando as multilaterais com o objectivo de reduzir os custos de financiamento e as emissões de eurobonds para reduzir o risco de refinanciamento e de taxa de juro”, lê-se no relatório das Finanças. O stock da dívida governamental externa compreende as dívidas resultantes de financiamentos multilaterais, bilaterais, comerciais, com fornecedores e via emissão de eurobonds, categorizadas em curto, médio e longo prazos.

Segundo cálculos do VALOR, baseando-se em decretos e despachos presidenciais, o Presidente João Lourenço aprovou ainda, ao longo de 2019, o recurso ao financiamento externo no valor de cerca de 3.861,6 milhões de dólares. Da análise feita, verifica-se a existência de projectos que, na visão de analistas, poderiam ser cancelados, adiados e ou mais bem negociados.  É o caso, por exemplo, dos 600 milhões de dólares contratados junto do Japan Bank for International Cooperation para o projecto integrado de desenvolvimento da Baía do Namibe, assim como os 100 milhões solicitados ao Bank Of Southern Africa para o down payment do referido projecto. Em causa, está o modelo de negócio, visto que o projecto se enquadraria na modalidade BOT (Build, Operate and Transfer, ou seja, Constrói, Opera e Transfere), no quadro de parcerias público-privadas. O modelo que João Lourenço anunciou em Setembro de 2018, quando discursava em Nova Iorque no Fórum Empresarial Estados Unidos/Angola, que seria o escolhido para a construção do porto da Barra do Dande por não representar custos para o Estado.

A dívida interna

Por outro lado, a dívida interna contribuiu para o aumento do stock com um incremento de 700 mil milhões de kwanzas, o equivalente a 1,4 mil milhões, fixando o stock desta dívida em 10,7 biliões de kwanzas, equivalente a 22,5 mil milhões de dólares. Comparativamente a 2018, a variação nominal foi de 24,8%. Neste pacote, o destaque vai para a redução em cerca de 61,2% das dívidas de curto prazo, ao passarem de 581,5 mil milhões para 225,4 mil milhões de kwanzas.

“Não obstante o aumento do stock da dívida interna, o alargamento do peso da dívida de médio e longo prazos em detrimento da de curto prazo, evidencia ganhos da implementação da Estratégia de Endividamento de Médio Prazo (2019-2021)”, destaca o Ministério das Finanças. A dívida interna fechou o ano a representar 31,2% do global da dívida. 

Englobam ainda o stock da dívida pública as dívidas das instituições públicas, mas, no caso, foram apenas consideradas as da Sonangol e da Taag. Neste caso, registou-se um incremento nominal de 61,7% ou 600 mil milhões de kwanzas, passando de 1,3 para 2,2 biliões de kwanzas, o equivalente a 4,6 mil milhões de dólares. A petrolífera é responsável por 95,8% do pacote, tendo-se registando um aumento de 55,2% da sua dívida.

Já a dívida da Taag registou um incremento de perto de 4.000% ao passar de 2,2 mil milhões para 92,5 mil milhões de kwanzas como resultado “da aquisição de seis novas aeronaves para voos internos”. Este financiamento, de resto, também faz parte daqueles que dividiu opinião sobre a sua viabilidade económica, sobretudo por a transportadora constar da lista de empresas a serem privatizadas.

Alves da Rocha: “Tudo depende das condições de contratação”

O economista Alves da Rocha entende que a viabilidade da dívida depende das condições de contratação. Ou seja “a forma, o tempo e o modo em que a mesma foi adquirida”. No fundo, “condições como as taxas de juros e onde ela vai ser aplicada”.

“Se uma empresa contrair dívida para pagar salários, comprar veículos e adquirir fins de consumo supérfluos, certamente que não faz um ano. Seguramente, quando um governo contrai dívida para comprar veículos para ministros ou deputados, ou ainda para construir edifícios de utilidade duvidosa ou remota a dívida pública é altamente prejudicial”, explica.

Para o professor da Universidade Católica, “a única forma que o Estado tem de pagar a dívida publica é fomentando e garantindo a criação de emprego” já que as receitas derivam dos impostos. “É por isso que cada um de nós, cidadãos angolanos, tem o direito de questionar ao Governo onde é que vai a dívida pública.”

Despesas versos receitas

No documento que se “insere nas iniciativas do Executivo para o reforço da transparência a que estão obrigados todos os responsáveis incumbidos da gestão dos recursos públicos”, as Finanças dão conta que, em 2019, as receitas totais apresentaram um aumento de 1%, em termos reais (17,6% em termos nominais), comparativamente a 2018. Passou de 5,6 para 6,6 biliões de kwanzas.

“Entretanto, desconsiderando a arrecadação petrolífera, que apresentou queda real de 5,3% (10,0% nominal), as receitas de financiamento e de juros, a receita primária não petrolífera registou um aumento real de 11,9% (30,7%, nominal) ”, lê-se no documento que dá conta ainda que “o aumento da receita primária não petrolífera resultou da implementação do processo de consolidação fiscal”. Já a despesa total registou um aumento de 0,6% em termos reais e 16,6% em termos nominais ao passar de 5,1 para seis biliões de kwanzas.