HIERARQUIA DE RECEIOS
Sejamos claros. O debate sobre a possível revisão da Constituição estabelece, antes de mais, uma hierarquia de receios. E o mais importante centra-se na hipótese de extensão do mandato presidencial. Seja pelo alargamento do número de mandatos, seja pela dilatação do tempo de cada mandato. Por outras palavras, por muito estruturante que seja, até a discussão sobre a eventual revisão do próprio sistema político passa a ser secundária, face a qualquer abertura para a perpetuação no poder do Presidente da República. Na verdade, é possível dizê-lo ainda de outra forma: se se vier a confirmar a alegada intenção do MPLA de alterar a Lei Fundamental, antes de qualquer outra preocupação, espera-se que João Lourenço não tenha a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato consecutivo. Muito menos a facilidade de cumprir um segundo mandado com mais de cinco anos. Qualquer tentativa em contrário, como lembrou um certo político, configuraria um inaceitável “golpe constitucional”.
A nova liderança do MPLA até tem razões comparativas para se mostrar avessa a qualquer tentativa de golpe constitucional para se perpetuar no poder. Até antes de chegar ao cadeirão da Cidade Alta, João Lourenço foi obrigado a ‘engolir’ ao longo de décadas que José Eduardo dos Santos era o único dirigente do MPLA capaz de conduzir o país. E, entre os que defendiam publicamente tal ‘façanhice’, encontravam-se figuras proeminentes do partido. Mas, nos últimos anos, eram sobretudo algumas das jovens promessas mais destacadas que elevavam o endeusamento de José Eduardo dos Santos além dos limites do céu.
João Lourenço, entretanto, nunca acreditou nisso. Não fosse ele o único a ter-se colocado, publicamente, na linha da sucessão, em 2001, numa altura em que Jonas Savimbi ainda combatia nas matas. Mas Lourenço fez mais. Ao chegar à liderança do país e do seu partido, elegeu o combate à bajulação entre as prioridades. E, ao fazê-lo, disseminou a mensagem dentro do seu próprio partido que, a partir de 26 de Setembro de 2017, estava sentado no cadeirão presidencial um simples e mortal terráqueo e não uma qualquer divindade. Seria, portanto, no mínimo, surreal que João Lourenço patrocinasse ou deixasse fluir agora uma eventual tese da sua insubstituibilidade.
Voltemos ao princípio. Num eventual cenário de revisão constitucional, há debates que se sobrepõem. E o debate sobre um hipotético aumento do mandato presidencial precede a tudo o resto, porque está mais do que provado que, na construção das democracias africanas, a longevidade do poder é das principais fontes de conflito. Precisamente por isso é possível, no nosso caso, discutir a duração do poder, antes de se acordar a forma do poder.
Sobra, por fim, um outro debate que poderá ser feito, o da legitimidade moral dos prováveis autores da reforma constitucional. Mas este só interessará se ficar confirmada a intenção de se efectivar o golpe constitucional. Aguardemos.
JLo do lado errado da história