É CARNE DE GATO. COMAMOS!
As denúncias que se tornaram frequentes sobre a precariedade do sistema de controlo de qualidade dos alimentos deviam ser uma das preocupações centrais do país. Por várias razões complexas que se sumarizam em duas questões simples: é a saúde pública que está em causa e, no limite do raciocínio, é a própria soberania do país em jogo.
Depois dos relatos divulgados na semana passada pelo Valor Económico sobre a debandada nos laboratórios do Ministério da Agricultura, desta vez é um especialista em logística a pôr o dedo na ferida. Nas palavras de Vandre Paquete, em entrevista exclusiva que se pode ler nesta edição, hoje o país não está capaz de distinguir a carne de gato da carne de frango. Isto porque hoje não há qualquer controlo interno nivelado às exigências.
Note-se, como lembra Paquete, que o país não esteve propriamente à deriva a todo o momento. Até 2017, pelo menos, Angola tinha condições significativas para garantir o controlo de qualidade dos produtos importados. O desmantelamento desse sistema foi decidido por razões políticas e alegadamente por reclamações generalizadas dos importadores sobre os preços que eram praticados pela empresa que prestava serviços ao Estado.
Ocorre que o problema não está necessariamente no desmantelando em si do que já estava montado. Sendo o Governo soberano na escolha dos parceiros com quem trabalha ou deseja trabalhar, está-lhe reservada a prerrogativa de rescindir os contratos que bem entende. Claro, desde que evoque a protecção do interesse público e assuma as obrigações decorrentes do rompimento com esses parceiros. Só que, ao desmontar um sistema genericamente aceite como necessário à protecção da saúde pública, o Governo deve montar outro, no mínimo, mais capaz, mais eficiente e mais eficaz.
O que os factos dizem é que nada disso ocorreu. O que muitos operadores ligados às várias áreas da segurança alimentar denunciam é que o Governo decidiu simplesmente deixar os angolanos à sua sorte. Particularmente quanto à segurança dos alimentos importados que consomem. De forma fria e sensata, ninguém é, por isso, capaz de prever as consequências imediatas e de médio e longo prazos decorrentes desta irresponsabilidade. Porque o problema não está apenas ou precisamente na troca do frango pela carne de gato. Até porque é quase seguro que, grosso modo, a carne de gato não faz mal a ninguém. Mais grave do que isso, são os coliformes, as listerias, o arsénio, entre outras bactérias e metais, que seguramente entram todos os dias nos estômagos angolanos. Sem qualquer controlo, sem qualquer defesa.
O Governo tem, portanto, de rever o processo de controlo de qualidade com olhos de prioridade e sentido de urgência. Já no passado, deixou-se enganar, por muito tempo, pelo lobby dos importadores que defendia a segurança das inspecções pré-embarque, negligenciando a necessidade de análises laboratoriais em solo angolano e antes de os produtos chegarem às prateleiras. Uma verdadeira maquinação, em nome do lucro, quando se tem em conta que as inspecções pré-embarque tratavam exclusivamente de matérias alfandegárias. Ou seja, não incluíam o controlo sanitário.
Tal como afirmámos acima, em última instância, o que está em causa é a soberania.
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