“É preciso olhar para as decisões que levam o empresário a prosperar”
Afirma que ainda não vê decisões que possam melhorar a situação dos empresários, mas acredita num 2021 melhor por, sobretudo, ser um ano pré-eleitoral. PCA do Grupo Boa Vida, Tomaz Dowbor revela detalhes do pendente com o falido BANC e precisa que chegou a exigir um pedido de desculpa ao Tribunal.
Como está a ‘saúde’ do Grupo Boa vida?
Estamos frente a enormes desafios macroeconómicos e um mercado extremamente vulnerável, passando por momentos críticos, fruto da calamidade pública resultante de situações de carácter externo. Dentro deste contexto, o Grupo Boa Vida está a lançar novo produto, tornando realidade um lema que nos guia há muito tempo, segundo o qual cada crise é uma oportunidade de solução mais sofisticada. O Grupo procura adaptar-se com novos produtos, porque as características da crise é que as soluções até então cessam, deixam de funcionar. E o empresário tem de ter criatividade, invenção e adaptabilidade para poder surgir com novos produtos que vão permitir transitar no período de crise.
O novo produto a que se refere é também no imobiliário, que é a área de negócio mais visível do grupo?
Nós diversificamos em diferentes áreas de negócio, mas a nossa principal área continua a ser a construção civil. A crise dos últimos anos criou um enorme vácuo e algumas empresas acabaram por fechar, mas a nossa população continua a crescer com uma grande demanda habitacional. E, perante esta demanda, o Grupo Boa Vida encontrou um novo produto, mais adequado para a realidade de hoje. Evidentemente com a mesma qualidade estética, encontramos, como solução, baixar os preços, porque o nosso poder de compra baixou de uma forma significativa. Também testemunhamos o recuo por parte das disponibilidades dos bancos, créditos habitacionais. De uma forma geral, todos enfrentamos estas dificuldades na busca de soluções de créditos e da impossibilidade da parte dos bancos de nos suportar neste aspecto.
Olhando para os preços praticados na Urbanização Boa Vida, está a falar de que diferenças?
Todos os processos macroeconómicos que acompanhamos, nos últimos três anos, desvalorizaram a moeda e, por sua vez, tornaram todos os produtos mais caros em kwanza. Porém, não podemos comercializar uma casa que anteriormente custava 300 mil dólares (antigamente que era 30 milhões) por 200 milhões que seriam 300 mil dólares, porque não temos esta capacidade por parte do público. Então, o mercado ficou muito mais complexo, muito mais complicado, mais difícil. A mesma casa temos de comercializar a 70 milhões ou 80 milhões, que é o equivalente a 100 mil dólares, um quinto do preço que comercializávamos há três ou quatro anos.
E de que forma pretendem vender casas a preços mais baixos?
As soluções que encontrámos é buscar maioritariamente os produtos nacionais, ou seja, buscar soluções da produção nacional e isso levou-nos a pensar em desenvolver diferentes indústrias, como de caixilharia, portas, cozinhas armários ou mesmo tintas e esferovites para ter uma garantia de preços em kwanzas. Evidentemente, alguns produtos continuam a ser importados. Estes desafios continuam, mas tudo isso nos levou a conseguir um preço de uma casa T3 e um lote generoso suficiente para desenvolver um quarto adicional ou dois quartos adicionais com a infra-estrutura necessária (água e luz e asfalto) num preço de 50 milhões de kwanzas, que ainda beneficia de diferentes protocolos bancários, predispostos a facilitar o crédito habitacional de longo prazo, ou seja, de 10 a 15 anos.
Sei que, mesmo para o acabamento das casas da Urbanização Boa Vida, tiveram já de fazer recurso a material nacional. Não têm tido conflitos com clientes por isso?
De uma forma sempre antecipada, avisamos os clientes da existência de alguma substituição de material e que esta seria feita com a concordância dos clientes. A nossa grande ambição, até hoje realizada com sucesso, é de garantir a alta qualidade dos acabamentos e disso não podemos abrir mão. Portanto, mesmo o produto nacional, precisa obrigatoriamente de atender o nível de qualidade que se pretende dar e, por sua vez, garantir a satisfação dos clientes. Foi uma escolha orientada por uma inteligência de custos. Nós procuramos responder de tal forma que o cliente se sinta compensando pelo esforço que faz para a aquisição de casa. Claro, não somos perfeitos, houve grandes atrasos ao entregar as obras e a lista dos contratempos é enorme. Todas as múltiplas dificuldades que cada empresário enfrenta todos os dias para assegurar a qualidade de vida da nossa família.
Mas o mercado nacional já garante esta quantidade e qualidade?
Não. Esse é um processo evolutivo. O abrandamento de uma empresa de construção civil tem uma disponibilidade maior do que o trabalho de construção civil diz respeito. Naturalmente, as empresas produziram menos porque havia uma demanda muito menor. Como exemplo, temos o mercado dos carros. Há cinco anos, importávamos quase 50 mil carros e hoje estamos a importar 10 ou três mil, o mercado reduziu 90%. A imobiliária não foi diferente, a construção civil abrandou 90% e várias empresas param ou fecharam. Nesse sentido, houve maior disponibilidade dos materiais de construção civil em função da falta de clientes. Assim, temos uma resposta positiva por parte do mercado e temos fonte onde adquirir produtos nacionais, uma boa parte hoje muito maior que há dois ou três anos. Continuamos na busca de solução de custo mais barato.
Referiu atrasos nas entregas. Qual é a situação actual?
O Boa Vida suspendeu quase quatro mil colaboradores na sequência do Decreto Presidencial do Estado de Emergência. Nos últimos 120 dias, conseguimos reenquadrar mais de dois mil funcionários, o que achamos ser um grande sucesso. As obras retomaram com grande velocidade. Evidentemente que as situações deste ano provocaram um grande atraso. Porém, estamos a fazer tudo para mitigar os efeitos, acelerando as obras e tornando esse tempo de espera menos visível para os clientes. Por isso, incentivamos os clientes a visitarem as suas casas e monitorar de perto a evolução, porque já estamos de volta. Semanalmente, chegamos a entregar até cinco casas. Ainda este ano, temos prevista a entrega de 21 casas e, até Março do próximo ano, temos prevista a entrega de 148 casas. Temos mais de 150 moradores no Boa Vida.
Permita-me aproveitar a ocasião para classificar uma situação que passou nas redes sociais de um nosso cliente. Temos um cliente Adilson Fonseca que, nas redes sociais, de uma forma exaustiva, está a acusar-nos de burla, o Boa Vida é acusado de vender uma casa a dois clientes.
Mas o que é que se passa de concreto?
Ao longo de mais de 25 anos na entrega de casas, nunca aconteceu uma situação similar. No dia 15 de Julho, avisámos o senhor Adilson que tinha feito o pagamento de 69% do valor da casa e que deveria vir liquidar o valor pendente para receber a casa, mas ele não teve disponibilidade financeira. Nós não somos uma entidade financeira, precisamos de receber 100% do valor antes da entrega da casa conforme os contratos. Não temos ainda pujança financeira para creditar. Como o senhor Adilson não teve disponibilidade, fizemos uma segunda proposta, propusemos entregar uma casa num período de 12 meses, o que lhe permitiria parcelar este esforço financeiro em 12 prestações, ou então uma terceira proposta, que era a devolução dos valores. Não se pronunciou sobre nenhuma das três propostas, preferiu ir ao Inadec e, não tendo conseguido resolver, então foi às redes sociais. A casa dele esteve à disposição, ele tentou forçar-nos a entregar uma casa sem cumprir as obrigações financeiras.
Mas a casa contínua disponível?
Hoje não está disponível, passaram-se cinco meses, porém continuamos com duas soluções na mesa. Ele pode receber uma outra casa com as mesmas características, prometemos até Abril do ano que vem. Ele pode vir pagar este valor (127 mil dólares) e em Abril vai receber a casa. Continuámos também com a proposta de devolução do valor caso ele queira rescindir.
O abrandamento nas obras e agora o regresso não é por questões financeiras?
Suspendemos os trabalhadores orientados pelo Decreto Presidencial de Março. Retomámos na sequência do plano que foi minuciosamente analisado e aprovado, que passava pela estratégia de massificação de entrega das casas. A ideia era elevar a credibilidade do Boa Vida e permitir a passagem dessa mensagem para o mercado: que o grupo Boa Vida não vai desistir.
Muito recentemente, o seu nome esteve amplamente difundido nas redes sociais pela dívida que tem com extinto BANC. Qual é a situação actual desta dívida?
A situação do grupo foi várias vezes analisada pelos órgãos competentes, incluindo o SIC. Houve diferentes inspecções na busca de eventuais burlas ou ilegalidades dentro do grupo e nunca foi encontrado nada. Não recebemos dinheiro público, o investimento do Boa Vida foi realizado por mim e pelo meu irmão, um investimento privado que ultrapassou os 100 milhões de dólares. Na busca de soluções, nas importações de acabamentos, fizemos uma parceria estratégica com o Banco BANC que nos suportou com o crédito cujo valor pendente hoje ronda em dois mil milhões de kwanzas. Isso implicou também a venda das casas aos ex-trabalhadores do banco à metade do preço. Essa parceria foi estruturada com o objectivo de termos suporte para a importação de materiais que, infelizmente, não aconteceu. O banco, infelizmente, fechou. O grupo Boa Vida, ao longo dos anos, conforme os documentos legais disponíveis na empresa, também apresentados no tribunal, cumpriu na sua totalidade as suas obrigações contratuais. E, no tribunal, declarámos a vontade de continuar a cumprir com as nossas obrigações.
Foi citado como sendo o principal credor…
O BANC faliu com 52 mil milhões de dívidas e a parte do Boa Vida é apenas 4% do valor quitado. Valor muito reduzido diante de toda a falência do banco. Portanto, nas minha condição de declarante sobre o caso do banco, disse que gostaríamos que o tribunal, no final, pudesse emitir um pedido de desculpas ou clarificação, no mínimo, sobre a posição do Boa Vida, que não participou na falência do banco, mas exerceu a função de salvador; que, ao longo dos anos, pagava a sua prestação mensal dos créditos que sustentaram salários de 250 trabalhadores do banco. Sobreviveram ainda graças à seriedade do Grupo que, religiosamente, prestou a prestação mensal dos créditos.
Quando é que o banco recebeu o crédito e qual é o valor em dívida?
Nós, ao longo de quatro anos, no período 2015/2019, devolvemos sob formato de amortização de capital, juro e taxas 3,6 mil milhões de kwanzas nas prestações mensais, de acordo com condições comerciais de contrato de crédito. O valor pendente no momento do encerramento do banco rondava os 2 mil milhões de kwanzas. Também entregámos 90% das casas dos ex-trabalhadores do BANC e sobrou umas poucas ainda na sequência dos compromissos assumidos. De uma forma resumida, este exemplo de crédito bem realizado é que deve servir de exemplo do formato que os empresários devem seguir. Nós realizámos 100 milhões de dólares de crédito privado, acompanhado por menos de 10 milhões de créditos do BANC, ou seja, menos de 10% do valor e visávamos, em primeiro lugar, uma parceria que permitiria a importação dos materiais, que é dependente das entidades financeiras. Este formato de estruturação é mais seguro porque, de um lado, o empresário consegue partilhar o risco entre o capital próprio e o capital emprestado, mas também criar uma parceria para o negócio porque, mal ou bem, por mais que as casas ao banco tenham sido vendidas à metade dos preços, conseguimos 63 clientes.
Qual é o valor concreto que recebeu de crédito?
Em função do câmbio flutuante e dos anos que passaram, posso estimar que foi pouco mais de 10 milhões de dólares. Evidentemente os juros sempre foram altos e este valor foi crescendo.
Têm dívidas com instituições financeiras internacionais e ou fornecedores?
A Urbanização Boa Vida foi erguida com investimento privado e um pequeno colateral que foi o crédito BANC, são estas duas entidades que financiaram o arranque e a construção das infra-estruturas primárias.
E fornecedores?
Beneficiámos de financiamento de fornecedores internacionais. O Grupo conseguiu negociar os materiais de acabamento que permitiram a construção e acabamento da primeira fase da Urbanização Boa Vida. Não foi valor de financiamento, mas sim creditado por fornecedores.
E qual é divida com estes fornecedores?
O valor pendente, que não foi ainda liquidado por via das dificuldades do BNA e/ou do país em geral, ronda os 50 milhões de dólares, um valor que nos permitiu acabar a primeira fase de quase 350 casas. Mas estou confiante que o BNA vai cumprir as suas promessas no que diz respeito ao pagamento dos materiais que já se encontram no país.
No início, falou do lançamento de um novo produto imobiliário. Considerando a conjuntura actual, espera uma grande procura mesmo considerando os preços baixos, como refere?
Chamar-se-á Cidade Boa Vida e vai beneficiar das infra-estruturas que já foram construídas na Urbanização Boa Vida. Porém, o eixo principal é de financiamento baseado no crédito individual aos clientes. Acautelámos protocolos com o Banco Sol e outros que vão dar financiamento ao cliente individual, de tal forma que tenhamos uma fonte contínua de financiamento da sua construção, ao contrário de vários casos da Urbanização Boa Vida, em que, na sua maioria, os clientes pagaram com fundos próprios, aportando uma variável muito grande em função da situação macroeconómica e política.
Onde está a garantia de que os bancos vão efectivamente financiar?
Ao estruturar esta modalidade, acautelámos, nos protocolos assinados entre os bancos e o Grupo Boa Vida, o acesso aos clientes em condições facilitadas. Os clientes não vão encontrar tanta burocracia ou impedimentos para poderem candidatar-se para um crédito habitacional.
E em relação à Urbanização Boa Vida, quais são os níveis de venda e de entrega?
Temos altos níveis de receptividade do nosso produto. Evidentemente este ano temos registado uma redução nas vendas. Mas, apesar de as vendas serem mais baixas que no ano passado, o nível que atingimos permitiu-nos reiniciar o projecto.
E o nível de entrega?
Foram vendidas mais de 80% e foram entregues mais de 40%. Mas penso que, até ao próximo ano, chegamos ao nível de 80% das entregas.
Está previsto para a Urbanização Boa Vida o lançamento de um hotel de investimento por parcela, entretanto, suspenso pela Comissão de Mercado de Capitais. Como está este dossier?
Este hotel foi construído na parte bruta, porém foi suspenso pelo CMC que achou que este negócio tem mais carácter de investimento financeiro e não da sua construção. Por mais que tivéssemos legalizado com alvará de construção e aprovação da obra, os serviços financeiros, concretamente a CMC, acha que tem uma característica de produto financeiro e suspenderam até as suas análises serem concluídas e já levam dois anos.
Sei que já haviam vendido algumas parcelas. Qual é o tratamento que foi dado a estes clientes?
Estas pessoas foram reenquadradas nas lojas e noutras nossas oportunidades.
Passa a impressão de que o grupo está bem em termos de negócios, apesar deste ano atípico…
Para nós, o grande sucesso foi sobreviver e fechar o ano com ainda quase dois mil trabalhadores.
Como olha para o futuro, não apenas do vosso grupo, mas do país?
Estamos aqui não só porque acreditamos no país, mas porque temos plena confiança e conhecimento de que, no longo prazo, Angola é sustentável. Tem recursos, população crescente e ambiciosa, com desejo por uma melhor vida. São premissas que, para nós, são alicerces de estabilidade de longo prazo. Evidentemente isso implica uma grande dinâmica e inteligência por parte do Executivo que tem de aplicar e adequar as regras de macroeconomia e que sustentam a actividade empresarial privada.
Parece mais animado do que a última vez em que falamos, há cerca de um ano…
O Executivo, sobretudo a sua comissão económica, estava mais preocupada ou deu mais prioridade às questões estruturantes e não teve grande êxito no que diz respeito ao apoio ao sector privado, que é a chave do sucesso de Angola, não tem outro caminho. O Governo tem de fazer o seu papel na estruturação e no apoio, tem de deixar o espaço para o privado, criar condições macroeconómicas que permitam aos empresários desenvolverem-se.
E sente que está a ser criado já este espaço?
Ainda não. Penso que diferentes desafios foram alcançados nos últimos três anos em termos políticos, como a liberdade de imprensa ou o reforço do sistema judicial, mas agora é o momento de virar atenção para o sector privado.
E já há sinais neste sentido?
Ainda não, ainda sentimos na pele a dificuldades de ter acesso ao crédito, de aceder às condições básicas possíveis como empresário. Ninguém questiona as decisões soberanas do Executivo, mas é preciso olhar-se para as decisões que possam levar os empresários a prosperar, desde o micro empresário, desde a ‘janela aberta’, o quiosque. Ainda existem estes desafios.
O actual Governo tem pela frente menos de dois anos de mandato, espera por grandes novidades neste período?
Não tenho dúvidas de que o próximo ano será de grande esperança, porque é um ano pré-eleitoral. Penso que o Governo está sensibilizado neste sentido.
Esta esperança é só por ser ano pré-eleitoral ou acredita que será mesmo o princípio das transformações por que anseia?
São dois factores. Por um lado, é um ano pré-eleitoral. Por outro, foram experimentados diferentes modelos económicos que não vingaram e penso que hoje estamos num caminho, em que a necessidade da existência do sector privado ficou clara. Portanto, a soma destes factores leva-nos a acreditar que teremos um 2021 melhor.
‘Casado’ com a imobiliária
Nascido em 1974, em Varsóvia, é formado em Teologia e Filosofia. Chegou em Angola, pela primeira vez, em 1996, acompanhado de um amigo angolano. Iniciou a vida empresarial desenvolvendo diferentes projectos no sector imobiliário, influenciado pela actividade da empresa familiar que tinham na Polónia. É CEO do Grupo Boa Vida e no seu portfólio a construção de vários condomínios entre os quais Infinity Residence 1, Condomínio Ville Vermont, o Solida Plaza, o Vereda das Flores, o Condomínio Hipicus e o Real Park.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...