EDELTRUDES, SÃO VICENTE E OS PATRÕES
Nesta trapalhada que se tornou a alegada cruzada pela moralização do Estado, determinados factos devem ser esclarecidos com intransigente precisão para que não haja uma única dúvida sobre o que está em causa.
Tomemos de exemplo o ‘caso Edeltrudes’. Quando determinados media e comentadores insistem na crucificação exclusiva de Edeltrudes Costa, falta-lhes, na verdade, coragem e honestidade para colocar o dedo na ferida. Os factos tornados públicos pela televisão portuguesa levantam questões genéricas de probidade e suspeitas de ilegalidades, mas não dão necessariamente evidências de eventuais práticas criminosas. Isto significa que, por enquanto, pela informação que se tornou pública, a questão se coloca no plano da moralidade. E, nestes termos, Edeltrudes Costa não pode ser apontado como o principal responsável por essa mancha que enegrece ainda mais a já controversa cruzada contra as práticas que lesam o Estado.
Tendo uma posição de inegável influência na governação, Edeltrudes Costa tem um chefe. Não cabe a ele, pois, autorizar a celebração de contratos em nome do Estado. Quem o faz é o Presidente da República e, conforme os factos, foi João Lourenço que, num mesmo despacho, autorizou a contratação de uma consultora e a subcontratação simultânea da empresa de Edeltrudes Costa, com uns tantos milhões envolvidos.
Por outras palavras, o Presidente teve a última palavra na contratação da empresa do seu próprio chefe de gabinete. Por isso, a menos que esclareça que agiu sob coação ou que foi enganado, sobre João Lourenço, e não sobre Edeltrudes Costa, recaem as maiores responsabilidades no plano ético. Mas também no quesito político. Afinal, não é apenas ele que age como o principal (e talvez o único) impulsionador da dita agenda controversa – tendo-se substituído ao Procurador-Geral da República em alguns casos – como é ele que se proclamou adverso a tudo, incluindo ao clientelismo e ao cabritismo.
É possível, aliás, fazerem-se vários paralelos desta com outras situações na justiça. Do que sabe publicamente, até ao momento, do ‘caso São Vicente’, a questão de fundo para Angola reside na forma como o genro de Agostinho Neto se tornou no quase único accionista da então subsidiária da Sonangol AAA Seguros. Porque foi essa condição de dono da seguradora que deu ‘legitimidade’ a São Vicente de mandar centenas de milhões de dólares para fora e de fazer cruzamentos de transferências em contas controladas por ele.
Com estes factos, qualquer leitura serena deve questionar se o maior responsável do ‘caso 900 milhões’ é São Vicente ou quem transformou São Vicente no dono de uma empresa que acumulou fortuna pornográfica à custa da delapidação do erário. Quanto a nós, não restam dúvidas. Tal como Edeltrudes Costa tem um patrão que lhe oferece contratos chorudos com o Estado, São Vicente tem ou teve um patrão que lhe ofereceu a sorvedoura AAA seguros. E se o combate à corrupção e à impunidade, além da perseguição e vingança, é para deixar os patrões de fora, então que se calem. Para sempre…
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