Reverendo Daniel Ntoni-a-Nzinga, presidente da ONG Tchota

“Em qualquer sociedade onde o Estado é o grupo que capturou o poder, a sociedade não vive bem. Essa é a realidade que temos em Angola”

11 Dec. 2024 Grande Entrevista

Revoltado com a fome que aflige o país e a fraca resposta de quem governa na resolução da pobreza, Daniel Ntoni-a-Nzinga considera “elevado” o nível de pessoas que não têm nada o que comer. Afirma que recebe todos os dias telefonemas de angolanos que morrem por causa da fome e entende que a situação evidencia "falta da paz, que só será ultrapassada quando os partidos políticos e sociedade civil sentarem à mesma mesa e chegarem a algum acordo". Levanta interrogações quanto à aproximação aos norte-americanos que, "desde o tempo colonial, não se importaram com o desenvolvimento do país". É de opinião que João Lourenço deve abandonar o poder, depois de cumprir os 10 anos.

“Em qualquer sociedade onde o Estado é o grupo que capturou o poder, a sociedade não vive bem. Essa é a realidade que temos em Angola”

Recentemente, a associação que dirige, a ONG Tchota, realizou uma conferência sobre a pobreza com foco na fome e na riqueza. Porquê? 
Anualmente, organizamos a nossa conferência nacional. Desta vez, os resultados das conferências regionais que tivemos nos dois anos passados e da conferência que tivemos em Setembro no Huambo tocaram-nos bastante. Primeiro, ouvimos como a exploração de recursos minerais está a avançar, e eu vou dizer a explosão devido a muitos que estão a vir como investidores. Não sei se vou dizer a ajudar-nos, o princípio é esse, mas a explorar esses recursos minerais. Por muito tempo, nunca ouvi que no Huambo se explorava ouro. Mas as histórias que encontramos dos participantes da conferência, que são membros de organizações cívicas no Huambo, tocaram-nos bastante. De pessoas, especialmente crianças, por falta de condições de vida, em termos de comida e tudo, vão pôr-se neste processo utilizado pelos investidores, os estrangeiros que vêm como investidores. Terminámos a conferência, certamente o governo provincial teve lá uma representação, ouviram esse debate todo que tivemos. Uma ou duas semanas depois, saiu aquela notícia de uma menina brilhante na escola, que queria continuar a estudar, e, como a mãe não tinha condições para sustentá-la, ela decidiu participar desse processo de ir aos lugares onde se fazia exploração e fazer o que fez e lá morreu. Isso tocou-nos muito, além de todas as histórias que ouvimos de Angola Central e Angola do Sul. Vieram representantes de várias áreas, desde Cunene ao Cuando-Cubango, e todos falaram de como a exploração mineira está a criar problemas sérios nas famílias, especialmente nos angolanos.  
 
Coloca-se aqui a questão da distribuição da riqueza em benefício das populações nas zonas de exploração dos recursos.  
Angola é dos países que, em princípio, deveria ser mais rico nesta região, se não mesmo em África. Como é possível que a exploração mineira esteja a afundar a realidade de vida que temos? Não queremos dizer que é apenas nas áreas com recursos minerais onde se encontra essa situação. Aliás, dias antes do encerramento da conferência, andei da minha casa até à vila de Viana, passei pela rua onde eu vivia e vi lá na rua pessoas a dormir. Pensei que era uma família, eram três ou quatro meninas. Perguntei o que se passava e o guarda da loja ao lado explicou-me que estavam a passar mal, já falaram até com o administrador. Às 22 horas, o lugar fica cheio de crianças e jovens. É onde dormem porque o restaurante ao lado dá o resto da comida dos clientes as muitas crianças, por isso acham que aquele é o melhor lugar. Na semana passada, o [Joe] Biden esteve cá. Vem para investir e a população ou os povos vivem nas condições em que vivem. Quando ascendemos à Independência, Angola estava em condições que nenhum outro país da região estava, à excepção do Zimbabué. Eu andei naquele tempo, fui o secretário-geral do Conselho Angolano de Igrejas Evangélicas, não tinha esse tipo de situações. De 1975 até 1991 toda a nossa desculpa era a guerra entre nós. Mas em 1975, quando nos tornamos independentes, este país exportava quase tudo. Durante a guerra, entre nós, a explicação era por causa da guerra. Agora parou. Angola é um país rico, mas contrasta com essa fome de gente a dormir na rua, de gente a andar mal, de encontrar crianças ou jovens a fazer tudo para conseguir alguma coisa no lixo. Eu lacrimejo quando vejo velhos a tentar tirar alguma coisa do cesto na rua. Pergunto-me o que ele vai fazer com isso? Comer? Essa é uma realidade que todo mundo está a viver.  

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