Em risco, mas “sem rupturas”
DIPLOMACIA. Últimas declarações das autoridades angolanas, sobre o ‘Caso Manuel Vicente’, agudizam as relações entre Angola e Portugal. Mas o diplomata Ramos da Cruz não acredita em rupturas e confia no bom senso.
Manuel Vicente passou de uma das personalidades angolanas mais influentes em Portugal para ser um centro de discórdia entre os dois países devido à diferença no entendimento sobre o processo judicial que corre em Portugal contra o antigo vice-Presidente da República, acusado de corrupção. O julgamento está marcado para a próxima semana e poderá representar uma ruptura nas relações entre os dois países, considerando as declarações do Presidente da República.“Portugal tomará, a seu devido tempo, conhecimento das posições que Angola vai tomar”, ameaçou João Lourenço durante a entrevista colectiva que concedeu, na semana passada, a jornalistas nacionais e estrangeiros. “O que é que é preciso fazer para que as relações voltem aos bons níveis do passado recente? Apenas um gesto. Esse gesto é remeter o processo para Angola, é satisfazer o pedido de Angola para que as autoridades judiciais angolanas tratem do processo”, reforçou João Lourenço, acrescentando que “a responsabilidade está do lado de Portugal. Como se costuma dizer, a bola não está do nosso lado, está do lado de Portugal”.
Portugal mantém a posição. As autoridades judiciais negam o envio do processo e o governo portugês repete a ideia de que não pode interferir na decisão judicial, porque “existe uma separação de poderes, entre o político e o judicial que não pode ser posto em causa”.
O diferendo justifica questionar o futuro das relações entre os dois países.
Grande parte das sensibilidades acredita que, apesar do tom duro que caracteriza as últimas declarações de João Lourenço, é impossível que as relações entre os dois se tornem piores do que se encontram actualmente.
Especialista em Relações Internacionais, Francisco Ramos da Cruz defende que a rigidez nas posições é “um recurso que se usa no sentido de pressionar a outra parte”. “O objectivo é simplesmente este porque, nas relações internacionais, a convenção de Viena é bastante clara. Mesmo em situações de guerra, há canais que permanecem abertos que depois permitem as partes encontrarem-se e existir negociação até chegar à paz. O importante é que estes canais estejam abertos”, defende. Francisco Ramos da Cruz, que chegou a ser adido militar em Portugal, também se coloca na posição daqueles que defendem a necessidade de as partes “considerarem as relações históricas, culturais e sentimentais”, sublinhando que Portugal “passou a ser o país que muitos angolanos escolheram como segunda casa e vice-versa”. “Muitos têm residência, trabalharam e constituíram fortes laços com este país que já ultrapassa o pleno de relações inter-estatais. Quem tem residência ou laços familiares não vai deixar de ir a Portugal porque, a nível diplomático, há um incidente”, sublinha.
O antigo diplomata tem a certeza de que “é quase impossível as relações se degradarem mais do que já estão”. “Não se vão degradar muito mais, porque já se ficou pelo diálogo, já foi feita aquela omissão que, do ponto de vista diplomático, é quase ofensiva na tomada de posse do Presidente da República, perante a presença do presidente português que foi muito ovacionado. A história diz-nos que, mesmo no momento mais difícil (por altura da guerra), em que a UNITA tinha um grande espaço em Portugal e Angola tinha política externa para derrubar os espaços da UNITA não se foi muito contundente. A minha sugestão é que não se vá além das palavras que significam muito para colocar a pressão do outro lado e que já foi feito.”
O Dia D…
Por outro lado, Francisco Ramos da Cruz contraria a corrente dos que acreditam que o dia do início do julgamento poderá representar o fim das relações entre os dois países. “Não creio que venha a constituir o ponto de ruptura. A pressão será mais ao nível político e diplomático. Será mais determinante o fim e não tanto o início. Se terá alguma condenação ou não”.
Inúmeras vozes, por outro lado, defendem que a contundência com que Angola tem estado a abordar a situação poderá fragilizar a sua posição na relação com Portugal, caso não coloque em prática o que está a prometer no caso de não ver satisfeita a sua pretensão.
“Senti uma certa diferença no discurso do ministro das Relações Exteriores relativamente ao discurso do Presidente da Republica. O Presidente foi mais diplomático”, sublinha Ramos da Cruz.
Repatriamento em risco?
Algumas vozes defendem que uma eventual crise entre os dois países poderá representar dificuldade de Angola no plano de repatriar os capitais angolanos no estrangeiros visto que é em Portugal que está parte destes capitais. No entanto, Ramos da Cruz tem outra ideia: “Aí já estamos a cingir-nos na Lei Internacional e o Direito Internacional sobrepõe-se ao Direito Interno. E aí há o Direito da União Europeia que luta pela transparência e contra a lavagem de dinheiro. Não acredito que Portugal possa utilizar como arma de arremesso contra Angola. Alias, é exactamente neste contexto que se investigou Manuel Vicente. Por outro lado, também é do interesse de Portugal repatriar quanto mais não seja para cobrar os impostos inerentes também para a salvaguarda da sua balança comercial.”
Por outro lado, grande parte dos empresários, tanto portugueses como angolanos, acredita que, mesmo que a crise diplomática venha agravar-se “um pouco mais”, as partes saberão proteger os ganhos económicos”. “Poderia haver algumas dificuldades, mas não tantas ao ponto de se acabar com tudo o que se conseguiu ao longo dos anos”, salienta o empresário português Luís Caetano.
Francisco Ramos da Cruz sublinha que “quem compra precisa tanto de quem vende como quem vende precisa tanto de quem compra”.
Os números das relações entre os dois
Os números das relações económicas entre os dois países têm sido afectados pela crise em Angola, mas estão longe de mostrar a perda de importância.
JLo do lado errado da história