ASSUNÇÃO BARROS, PCA DA IMPRENSA NACIONAL

“Emitir o Diário da República não é rentável”

ENTREVISTA. A Imprensa Nacional precisa de, pelo menos, 40 milhões de dólares para investir no projecto de produção de passaportes, cartas de condução e bilhetes de identidade. Segundo o presidente do conselho de administração da empresa, Assunção Barros, nos últimos cinco anos, foram já investidos 20 milhões de dólares para a modernização da empresa que imprime o Diário da República.

A Imprensa Nacional vive apenas da emissão do Diário da República?

A actividade de publicação do Diário da República não é rentável. Mas, é uma obrigação do Estado publicar as leis. A Imprensa Nacional não é subsidiada pelo Orçamento Geral do Estado. Recebe apoios naquilo que são os investimentos públicos.

As plataformas e equipamentos de impressão, tudo isso é um investimento do Estado, sem prejuízo de a empresa por mecanismos próprios, como recorrendo a banca, endividar-se para investir na sua modernização. Se fosse só a publicar o Diário da República, a empresa era automaticamente inviável.

Ora, tivemos de enveredar por um caminho de aproveitamento dos equipamentos que temos à nossa disposição para modernizar a nossa indústria gráfica, mas sem que essa actividade venha prejudicar a publicação do Diário da República.

Qual é custo de produção do Diário da República?

Depende do número de páginas, das horas/máquinas e do material incorporado. Se estamos a fazer um diário com 60 páginas, vai ter um custo. Mas se tivermos a produzir um diário de mais de cem páginas o custo é maior. Portanto, não lhe posso dar um preço específico porque depende muito do volume que incorpora um Diário da República.

Por isso é que não há um preço único de comercialização dos diários. Posso dizer que o custo de produção tem uma margem muito reduzida quase que se confunde com o preço de venda. É extremamente barato.

Quais são os outros segmentos de negócios da Imprensa Nacional?

Fazemos actividades gráficas nas mais diversas ordens. Para isso, construímos uma fábrica de produção de livros, onde a nossa principal actividade, na altura, era a produção de livros escolares, mas depois entendemos que seria de todo conveniente diversificar esta actividade de produção de livros, passámos a produzir todo o tipo de livros. Conseguimos fazer essa viragem estratégica na nossa caminhada para a nossa sustentação.

A fábrica de livros é rentável?

Só a indústria gráfica é capaz de remunerar os seus próprios factores. Estou a falar dos equipamentos, da produção em si e dos recursos humanos, além de remunerar também factores, como o capital, a que, muitas vezes, recorremos para exercer a nossa actividade. Isto é que nos tem dado garantia de sustentação da nossa actividade. Porque senão seríamos meros produtores do Diário da República e, necessariamente, teríamos que de financiamento do Estado.

Para aliviar as funções do Estado, dedicamo-nos fundamentalmente na actividade gráfica. Temos alguns canais de eleição, em que queremos fazer a diferença. Apostamos muito nos modelos de segurança.

Qual é a capacidade de produção da fábrica?

Tem uma capacidade de produção de 15 milhões de livros por ano. Esta é uma referência muito teórica, porque uma fábrica não fica um ano inteiro só a fazer livros. Faz posters, livros de diferentes naturezas. Temos um projecto que está em curso, que é a construção de uma nova fábrica de livros.

É um projecto de uma dimensão maior que a que temos hoje. A fábrica que temos, hoje, funciona num espaço muito exíguo, no Cazenga. A construção da nova fábrica de livro é na Zona Económica Especial e é muito mais vasta. O processo produtivo vai ser mais nem estruturado.

Em quanto está orçada a nova unidade de produção?

Esta obra vai custar ao Estado cerca de 54 milhões de dólares. A fábrica tem um prazo de execução de 23 meses. Estamos a fazer por etapas. Seguindo as regras de investimento público. Em 2013, realizou-se o concurso público para a adjudicação da empreitada.

A empresa que venceu exigiu que o Estado pagasse uma percentagem sobre o valor que tinha sido adjudicado e estes valores foram pagos antecipadamente para que, na sua continuidade, a obra fosse ajustando os ‘timings’ da produção com os ‘timings’ financeiros. O que aconteceu é que a primeira etapa, conseguimos honrar.

O Estado pagou cerca de sete milhões de dólares e o empreiteiro foi trabalhando até a agenda produtiva colidir com a agenda financeira. Neste momento estão em vias de paralisar, mas já foi feito um grande trabalho.

Falou de modelos de segurança. O que são?

Todos os documentos que têm, por sua característica, algum valor económico, há sempre uma tendência para a falsificação. É notório na nossa praça, produzirem-se documentos falsos.

Diplomas falsos de instituições de ensino. Então, apostamos neste canal que é a produção de documentos de segurança. E para isso, tivemos de fazer um investimento de grande monta para que esses produtos falsificáveis reduzissem a sua presença no mercado. E hoje, já é notório.

Anteriormente, qualquer gráfica poderia criar impressos e em presença de um impresso da Imprensa Nacional em nada diferenciava, hoje em dia, já não é assim. Hoje nós produzimos impresso, com modelos de segurança, que começam com a produção do próprio papel especial, a sua marca de água e outras características que conferem ao documento autenticidade, de tal maneira que quando nós exibimos um documento, podemos verificar, por meios visuais ou electrónicos, a autenticidade dos documentos que são produzidos.

Quem são os vossos potenciais clientes?

Temos convénios com mais de 90% das universidades do país para produzirmos os seus diplomas e canudos. Antigamente, havia muita falsificação de blocos de multas da Polícia. Há-de reparar, hoje em dia, estes casos desapareceram, porque estes blocos de segurança são agora produzidos por nós com características de segurança muito parecidas às que as moedas têm, desde o próprio filete e o controlo adequado de todos os blocos que produzimos.

Actualmente, a Direcção Nacional de Viação e Transito é nossa parceira de excelência, porque sabe que estes processos de falsificação dos verbetes desapareceram. É só um exemplo, da importância do nosso equipamento.

Qual é o volume de negócios da Imprensa Nacional?

As contas da Imprensa Nacional são abertas e públicas. Portanto, estamos a falar de 30 a 35 milhões de dólares. Na moeda nacional, é equivalente a três a cinco mil milhões de kwanzas. Neste momento, face a alguns problemas, como a situação da crise, andamos à volta de 290 mil milhões de kwanzas. Já tivemos uma capacidade maior.

Por exemplo, nos anos em que produzimos livros escolares, tivemos uma receita à volta de 30 milhões de dólares. Até porque o Estado já não tem capacidade para encomendar o número de livros, como no passado, o nosso volume de negócio vem baixando. Mas fechámos o ano de 2016 com cerca de três mil milhões de kwanzas.

A empresa tem devedores?

Temos uma carteira de devedores que ultrapassa o nosso volume de negócio de um ano. Ou seja, produzimos matérias para o Estado. Todos os anos, a dívida do Estado para com a Imprensa Nacional vem subindo. É o maior devedor, em mais de 90%. Mas não é por má vontade, é mesmo por incapacidade financeira, face à crise. Se o sector privado também nos devesse tanto dinheiro, não teríamos como pagar os salários. Mas nós não podemos cortar o crédito ao Estado.

Porque é que a Imprensa Nacional não produz documentos como passaportes, cartas de condução e bilhetes de identidade?

Se não fosse o problema da crise, neste momento, estaríamos com capacidade para começar a produzir os passaportes electrónicos. Até porque já existe orientação superior neste sentido, de que a produção de passaportes electrónicos deixasse de ser encomendada no estrangeiro e que o país começasse a produzir localmente.

Estamos nesse momento, a fazer o estudo de viabilidade técnica e económica, está a ser negociado com os nossos parceiros no estrangeiro o fornecimento dos equipamentos e a única coisa que resta, aqui, é a componente investimento público.

A montagem deste negócio normalmente leva um ano a um ano e meio, se houver disponibilidade financeira, porque vontade política existe. Digamos que, em dois anos, conseguimos fazer isto.

Em quanto está orçado este projecto?

Este é um investimento que ronda os 30 a 40 milhões de dólares. São equipamentos que podem fazer cheques bancários, produzir inclusive cópia de uma nota de moeda. Mas estas máquinas são especiais, são controladas pelo próprio fabricante e pelas instituições de acreditação no mundo. Ou seja, se um dia aparecesse uma nota falsificada, seja de que moeda for, sempre se saberá que a máquina que fez esta falsificação.

E quando é que se prevê concretizar este projecto?

Para isso, é necessário que a Imprensa Nacional se capacite, do ponto de vista tecnológico para poder assumir tudo. Porque a questão da capacidade humana se faz a partir do momento em que adquirirmos novas competências tecnológicas, temos de acompanhar em simultâneo a capacitação dos quadros.

Há períodos definidos para a capacitação tecnológica?

Deixe-me dizer que isto depende tão-somente da capacidade financeira de o fazer. Se tivéssemos essa capacidade financeira, já há dois anos estaríamos a produzir passaportes, bilhetes de identidade e outros documentos. Como disse, a capacidade de investimento é, normalmente, assegurada pelo Estado, porque podemos cobrir as actividades correntes, mas não temos capacidade de investir em plataformas e equipamentos extremamente caros. Só a título de exemplo, para podermos ter capacidade de produção de documentos de segurança, desde os impressos aos diplomas, gastamos mais de 20 milhões de dólares, dos quais, cerca de 17 milhões de dólares são investimento do Estado, o resto tivemos que recorrer à banca e ainda estamos a pagar esta factura.

Quando é que foi feito este investimento?

Este investimento aconteceu entre 2011 e 2014. Em 2014, inaugurámos a nossa gráfica de segurança. E continuamos a investir nas plataformas, desde a ‘Navision’, que é uma plataforma com vários módulos, como recursos humanos, financeiro, comercial e contabilidade, e, ainda o módulo de produção que é o Print Vision.

Tudo isso são plataformas muito caras. Se efectivamente, nos próximos tempos, tivermos uma recuperação da actividade económica face à crise, acredito que o Estado está sensível para continuar a fazer investimentos. Não fizemos milagres, se não fosse este apoio que o Estado deu, não estaríamos, em quatro anos, no patamar em que estamos hoje.

As instituições do Estado estão obrigadas, por lei, a remeter as suas necessidades gráficas à Imprensa Nacional?

Era bom se assim fosse. Mas posso dizer-lhe que estamos a trabalhar em alguma regulamentação nesse sentido. Porque a partir do momento que a Imprensa Nacional ganha essa capacidade vai resultar em custos muito inferiores do que hoje o Estado, de forma agregada, gasta com estes produtos finais gráficos.

Quando isso for concentrado, além de dar economia de escala à Imprensa Nacional, vai reduzir o custo de consumo das instituições do Estado. Mas, neste momento, não há ainda orientação para que as instituições do Estado façam as suas aquisições à Imprensa Nacional. Vamos ser promotores de uma decisão desta natureza.

Actualmente, são muito poucas as instituições do Estado que trabalham com a Imprensa Nacional. Mas não vou citar quais são. Há alguns impressos que são da exclusividade da Imprensa Nacional.

Agora, há outros meros impressos informais que não são tão relevantes na actividade do Estado, por isso, não somos chamados. A única instituição que tem por obrigação e, está escrito num diploma que todos os seus produtos gráficos devem ser feitos pela Imprensa Nacional, é o Ministério das Finanças e todas as suas instituições de tutela.

Como é que olha para a indústria gráfica angolana?

Com uma competitividade muito aguerrida e isso é bom, porque cada um vai ter que fazer a sua diferenciação. Nós queremos nos diferenciar, naquilo que é a qualidade e custo. Aqui vence quem tiver competitividade. O mercado gráfico, se há 10, 15 anos era quase inexistente, hoje é uma realidade. Grande parte dos produtos gráficos que agora aparecem no mercado é feita no país. Cada um está a tentar especializar-se.

Temos umas gráficas que estão a direccionar a sua actividade mais para a produção de livros. Outras, mais para a impressão de jornais.

Queremos especializar-nos nos documentos de segurança. Quando houver essa divisão do trabalho interno, o parque começa a ficar melhor atendido e também com melhor eficiência produtiva. Não haverá necessidade de as empresas se guerrearem se cada uma se especializar numa direcção. O desenvolvimento da indústria gráfica também reflecte o desenvolvimento de um país.

Há ainda muitas queixas em relação aos preços. O que pensa?

Acredito. Porque há uma componente muito importante que incorpora estes produtos que é o papel. E, nós enquanto não tivermos indústria nacional, do fabrico do papel, tintas, colas e linhas, vamos ter dificuldades naquilo que é o preço. Mais quando estamos a falar do preço, prefiro olhar para a competitividade.

Tenho que ver quanto custa um produto deste em termos de divisa correspondente de outro país e quanto custa aqui. Há produtos finais que o preço em Angola é mais baixo que em outros países. Por isso, é que já estamos a pensar em competir, com a Nigéria e a África do Sul.

Já fizemos alguns produtos para Moçambique, para são Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-bissau. O problema é que temos necessidade de comprar as matérias-primas no estrangeiro.