ANGOLA GROWING

ENDIVIDADOS ATÉ À MEDULA

24 Jun. 2020 V E Editorial

Os alarmes sobre a gestão da dívida voltam a soar. No exercício fiscal consolidado de 2019, o Governo assume um crescimento nominal do stock da dívida pública de 48,7%, contra os 27,1% do aumento real, o que leva em conta a variação cambial. Transportados para as contas do Produto Interno Bruto, os gráficos mostram que o rácio da dívida sobre o total da riqueza do país produzida no ano passado já se fixa nos 107%. Ou seja, pela primeira vez, em dez anos, a soma da riqueza produzida foi inferior ao total da dívida acumulada em termos nominais. Os números são precisos. Contra os 32 biliões de kwanzas do PIB, Angola devia, no ano passado, 34,3 biliões de kwanzas.

Esses gráficos da dívida em relação à riqueza nacional revelam outros dados, no mínimo, curiosos sobre o que se tem passado desde a troca de figuras no cadeirão da Cidade Alta. Em apenas dois anos (2018 e 2019), o Governo de João Lourenço elevou em 42 pontos percentuais o rácio da dívida face ao PIB. É que, depois de ter atingido os 75% em 2016, a proporção da dívida sobre o PIB recuou para os 65%, em 2017, num esforço significativo que indiciava o início de uma nova trajectória de consolidação fiscal. Não foi, entretanto, o que se seguiu. Depois de ter atingido os 84% em 2018, elevou-se para os 107% no ano passado e, para este ano, a dúvida não é se vai disparar, mas sim em quanto vai aumentar. Até porque o Governo não só precisa de contrair mais empréstimos, assim como está a negociar alívios e alargamentos de prazos para desembolso aos credores daquilo que já deve.

Mas é preciso notar que este aumento gigantesco da proporção da dívida ocorre precisamente nos dois melhores anos do período da crise (desde 2014), isto no que respeita ao preço do petróleo e à consequente facturação para o país. Ao contrário de 2017, em que o preço médio do crude se ficou pelos 54 dólares, em 2018, o petróleo angolano foi exportado a um preço médio de 70,3 dólares. Já no passado, o barril do ‘ouro negro’ saiu a uma média de 65,1 dólares. E, para afastar, desde já, o argumento do corte da produção, os números continuam a falar por si. Se é verdade que, em relação a 2017, houve uma quebra na produção de 7% em 2018 e de cerca de 14% em 2019, a valorização da matéria-prima acabou por compensar os cortes, de tal sorte que as receitas, nesses últimos dois anos, foram de longe superiores. Os 539 milhões de barris exportados em 2018 e os 493 milhões vendidos no ano passado permitiram encaixes totais de 37 mil milhões e 32,1 mil milhões de dólares, respectivamente, face aos 31 mil milhões de dólares que resultaram da venda dos 575 milhões de barris de petróleo em 2017. Partindo do princípio de que, nesses três anos que servem de comparação, o encaixe público foi praticamente o mesmo (pouco menos de um terço da facturação total), é caso para dizer que não foi por menos dinheiro de petróleo que se endividou o país até à medula.