Ensaio sobre o envelhecimento do MPLA
É uma verdade cristalizada nas ciências sociais. Assim como as pessoas, as instituições nascem, crescem e podem entrar em decadência. Ou simplesmente morrem. No seu preanunciado clássico ‘Ordem Política e Decadência Política’, Francis Fukuyama recorda que um dos sintomas do envelhecimento das instituições é a perda da capacidade de produzir reformas. E ajuíza que a geração do progresso está necessariamente dependente da qualidade do ciclo de vida das instituições. É praticamente a mesma sentença que Daron Acemoglu e James Robinson produzem na sua magistral ‘Porque Falham as Nações’. As instituições extractivistas, concluem eles, geram a miséria. As inclusivas, comparam, propiciam o desenvolvimento.
As razões de fundo do falhanço da governação do MPLA encontram respaldo precisamente no diagnóstico atento de Fukuyama, Acemoglu, Robinson e de tantos outros. O MPLA está envelhecido e, assim sendo, é incapaz de produzir reformas dignas desse nome. Mais grave do que isso, o partido no poder e a sua liderança parecem seriamente empenhados na consolidação do carácter extractivista das instituições. É este o problema central do país.
Veja-se o mais recente exemplo da revisão constitucional. Quando a Constituição saiu do forno, em 2010, percebemos todos, incluindo os dirigentes e militantes do MPLA, o que estava em causa. O documento foi desenhado à medida do projecto de preservação do poder do partido no poder. Dois anos antes, o MPLA tinha, entretanto, saído das legislativas com mais de 80% dos resultados, pelo que se serviu da pretensa legitimidade do voto para argumentar que o espírito da Constituição emanava da vontade do povo. Era falso. Mas a Oposição e os críticos, fragilizados, não foram além de designá-la como “Constituição atípica”, inventando um rótulo que ficou afixado no dicionário político. Marcelo Rebelo de Sousa, na altura, preferiu o eufemismo e chamou-lhe a “Constituição da transição”. Não poderia estar mais equivocado e, 11 anos depois, João Lourenço deixou-o suficientemente claro.
Simulando uma resposta às exigências de revisão constitucional, João Lourenço entregou ao Parlamento uma proposta que ignora, com soberba, os aspectos centrais que conformam o carácter transitório da Constituição: a concentração do poder e a partidarização do Estado. Já no debate parlamentar, Virgílio de Fontes Pereira tentou defender o seu presidente, argumentando que uma revisão profunda levaria ao inevitável adiamento das eleições. Só que, alguns dias antes, Adão de Almeida já se havia antecipado a destruir, de forma exaustiva, os argumentos de Fontes Pereira. Tendo tido seguramente um papel central na elaboração da proposta, o ministro de Estado não só descartou a ligação entre o calendário eleitoral e o da revisão constitucional, como não fixou qualquer limite às contribuições que seriam possíveis no quadro do debate parlamentar. Nas suas próprias palavras, a revisão da Constituição poderia terminar num dia e, no outro, realizar-se-iam as eleições.
Os factos não poderiam estar, portanto, mais claros do que parecem. As motivações de fundo que levam à revisão da Constituição, ao tempo e à maneira do MPLA, são as que privilegiam a construção de instituições extractivistas. As que inviabilizam verdadeiras reformas e geram a miséria. E aí, claro, cabe tudo: a dança de cadeiras, o regresso dos que nunca foram, a instabilidade governativa, a incapacidade de governação, a castração dos processos democráticos, a pessoalização das instituições, a intolerância ao pensamento crítico, a radicalização do discurso ante o receio da derrota, a fabricação de antipatriotas e de inimigos do Estado, enfim, a privatização e o aprisionamento do Estado.
É esta a questão de fundo: não é um problema do João ou da Joana. O MPLA está velho. E, sem um choque de realidade, não se renova.
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