Entre o formal e o informal
COMÉRCIO. Nas zonas semi-urbanas de Luanda, cresce o número de jovens a vender café na rua. Quem vende garante que dá para viver “honestamente” e os consumidores elogiam a qualidade do produto. Pelo meio, no entanto, há questões “legais” que alguns ignoram.
Nos últimos tempos, sobretudo nas zonas semi-urbanas de Luanda, quem não consegue tomar o café em casa não precisa de recorrer a um bar ou a um restaurante. Basta ‘dar um toque’ às dezenas de jovens que enchem as paragens de táxis, vendendo café e leite produzidos pela Nestlé. Teresa Maloua, de 19 anos, vende café na rua há cerca de três meses. Natural de Camabatela, Kwanza-Norte, a jovem abandonou a escola no ano passado, quando ainda frequentava a 7.ª classe. Residente em Luanda há seis anos, Teresa Maloua entrou em 2016 desesperada por encontrar um emprego, já que a avó, com quem vive no Golf 2, não consegue dinheiro para lhe pagar a escola. Por isso, quando surgiu a proposta de vender café para uma senhora que reside no Camama, Teresa Maloua não pensou duas vezes.
Periodicamente, a jovem recebe uma caixa com 12 caixinhas, contendo, cada uma, 24 pacotes de café da Nestlé, além de copos descartáveis e um colete de alumínio com uma barra ligeiramente descaída para frente, onde coloca a jarra térmica com água. Levanta-se às cinco da manhã e sai, a pé, do Golf 2 até à paragem de táxis da ex-rotunda do Camama. Neste local, vende cada copo de café a 100 kwanzas. A venda de todas as 12 caixinhas, que duram mais de uma semana, resulta em 28. 800 kwanzas. Deste valor, dez mil são para Teresa Maloua, enquanto a dona do negócio fica com o resto. Para compensar o “pouco” dinheiro que recebe da chefe, em paralelo com o café, Teresa Maloua compra todas as semanas dez pacotinhos do leite ‘cowbel’ e vende-os para os clientes que pedem que lhes sirva um galão, ou seja, café com leite, que custa 200 kwanzas. “O problema é que o dinheiro atrasa muito, às vezes, não recebo dez mil [kwanzas] por cada caixa, e tenho de esperar mais de um mês para receber 30 mil”, diz a jovem, que revela ter já um dinheiro guardado para, nos próximos tempos, abrir o seu negócio.
Enquanto Teresa Maloua planeia começar o próprio negócio, António Manuel já sente os benefícios de vender café por conta própria. Aos 25 anos, o jovem ‘factura’, diariamente, cinco a sete mil kwanzas, dependendo do clima – nos dias com temperaturas mais baixas, a venda dispara. “Quando o sol sai mais cedo, vendo mesmo muito pouco”, explica o jovem, que revela que o “segredo” para uma “boa venda” passa por acordar muito cedo. Para manter o negócio, António Manuel compra, todas as semanas, uma caixa de café (contendo 12 caixinhas com 24 pacotes), que custa 5.800 kwanzas. Adquire, igualmente, 100 copos descartáveis. Tudo nas lojas não ligadas à Nestlé. Com a ajuda de um serralheiro, obteve um colete de alumino, onde coloca a jarra térmica com a água que usa na venda do café. “Trabalho honestamente e não tenho que prestar contas a ninguém, apesar de algumas pessoas me olharem com ignorância”, refere, lamentando igualmente o facto de não estar a estudar há “muito tempo” – parou na 4.ª classe.
PROJECTO PILOTO
Embora António Manuel entenda que trabalha “honestamente”, uma fonte da Nestlé revelou ao VALOR que existem “alguns jovens que fazem este negócio de forma ilegal”. Segundo esta fonte, a venda de café na rua surgiu há cerca de quatro anos, na sequência do projecto ‘Wyowbu’, que pretendia, entre outros aspectos, fomentar o “espírito do empreendedorismo”. Através do ‘Wyowbu’, os clientes assinavam um ‘contrato’ que consistia na compra de cinco ou mais caixas de café e duas caixas de copos descartáveis (cada uma contendo dois mil copos), num valor que oscila entre os 37 e os 46 mil kwanzas. Como brinde, a Nestlé dava jarras térmicas, coletes com o timbre da empresa, bonés e outros acessórios. O material entregue, num ‘kit’, servia para dez pessoas no mínimo. “A partir daí, qualquer um podia começar a venda de café, de forma higiénica e organizada, tornando-se assim num revendedor oficial, embora os lucros daí decorrentes não chegassem à empresa”, explica, desincentivando os jovens que “insistem em vender anarquicamente”, prejudicando a “imagem” da empresa.
Os apelos deste funcionário da Nestlé, no entanto, são ignorados por Benvinda Pedro, que, há cerca de sete meses, se tornou consumidora assídua do café vendido por Manuel António. Aos 45 anos, Benvinda Pedro trabalha numa das farmácias do Camama e, todos os dias, pontualmente às oito da manhã, toma um copo de café da rua. Visivelmente satisfeita, garante que, ao tomar este café, nunca teve nenhum problema no estômago, apesar de “muita gente” olhar para os meninos com preconceito devido à poeira que trazem no corpo. “Só o cheiro deste café já dá um bom aspecto dentro da farmácia. É um bom aroma mesmo”, revela Benvinda Pedro, que já não precisa de sair do trabalho para tomar o café, já que os vendedores vão ao seu encontro.
PRODUÇÃO BAIXA DE CAFÉ
Grande parte do café que Angola consome é importado. No entanto, há à venda café colhido em Angola, que tem de passar pela torrefação feita em Portugal. Angola chegou a ser o terceiro maior produtor mundial, mas em 1975, a guerra provocou uma redução drástica. Hoje, são sobretudo os pequenos agricultores, em 10 províncias, que alimentam a produção. Tal como antes, as zonas de maior cultivo encontram-se no Uíge, Zaire, Bengo e Kwanza-Norte. Mas também há agricultores no Kwanza-Sul, Benguela, Huambo e Bié. Ao todo, é produzido numa área de 18 mil hectares. Metade do café produzido no país serve o consumo interno. A outra metade é exportada para Europa, América e Asia, que depois são transformados e regressam, de novo, a Angola. Em 2015, cerca de 50 mil produtores inscritos, de que 98% representavam explorações agrícolas familiares e os restantes 2% explorações agrícolas empresariais.
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