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Entreposto Aduaneiro com dívida de 20 milhões USD

DISTRIBUIÇÃO. Inaugurado pelo Presidente da República, em 2002, o Entreposto aduaneiro de Angola foi criado, entre outros, com objectivo de garantir estabilidade de preços, através da oferta regular de produtos de primeira necessidade. Mas o presidente do conselho de administração da empresa, Jofre Van-dúnem, Entreposto está ainda por cumprir o seu papel, situação agravada com a crise económica financeira que levou à acumulação de dívidas acima dos 20 milhões de dólares.

Como têm evoluído as importações do Entreposto nos últimos dois anos?

No nosso mix (conjunto) de produtos, normalmente, temos arroz, açúcar, fubas, feijão, óleo, farinha de trigo e outros componentes da cesta básica. Em 2015, o nosso mix correspondeu a 31% em açúcar, 26% em arroz, 13% em fubas, 8% em feijão, 8% em óleo, 8% em farinha de trigo e 3% em outros produtos, como massas alimentares. Ainda em 2015, fizemos um total de 109 embargues, que corresponderam a 41 mil toneladas de mercadorias diversas. Temos três portos, de Luanda, do Lobito e do Namibe, além de outras ligações. Para Luanda foram 53%, 20% para Lobito e 26% para o Namibe. No primeiro quadrimestre de 2016, nós só conseguimos fazer chegar ao país 12 mil toneladas de mercadorias, das quais 9.600 toneladas de farinha de trigo e 2.400 toneladas em mix, fundamentalmente óleo alimentar. Mas também comprámos produtos no mercado interno, como fubas e açúcar.

As importações estão em forte queda, portanto...

Claro, de forma muito acentuada. Por exemplo, só para o segundo semestre de 2016, prevíamos uma importação na ordem dos 175 milhões de dólares, mas acredito que, se chegarmos a 30 milhõe, vai ser muito.

Então o Entreposto não está a cumprir o objectivo de estabilizar os preços de produtos da cesta básica?

Para o Entreposto influenciar os preços tinham de ter uma escala que neste momento não tem. O entreposto tinha de ter uma escala mínima de 12 a 15% das necessidades do país. Com menos dessa escala, dificilmente poderemos cumprir o nosso papel de intervenção. Temos acompahado o aumento dos preços de alguns produtos alimentares, que já subiram na ordem dos 200%, de 2015 a 2016. Além da falta de divisas para importação, também está implícito o comportamento de alguns grossistas e armazenistas no que respeita à retenção de bens em armazéns para propiciar a subida de preços e aumentar as suas margens de lucro. São os especuladores.

Qual é o lucro anual do EAA?

O Entreposto Aduaneiro de Angola, nestes últimos dois anos, não tem tido margem de lucros, antes pelo contrário, só tem tido prejuízos. Caso continuemos a ter dificuldades ou não consigamos ter a escala suficiente, como qualquer empresa, vamos ter de reduzir custos. E, infelizmente, um dos itens afectados é a redução dos trabalhadores. Temos 350 funcionários, incluindo os órgãos sociais. 39 trabalhadores eventuais e dois colaboradores, em missão de serviços aos domingos. Tenho fé que não vamos chegar a esse ponto. Até porque, nesta altura, despedir cem trabalhadores tem consequências para a sociedade... Mas, devo dizer também que o Entreposto não tem, como objectivo, o lucro. O nosso objectivo é manter a estabilidade dos preços. Como não somos uma empresa orçamentada, temos de cobrir os nossos custos por meio dos nossos resultados. Não devemos ter prejuízos para não afectar o Orçamento Geral do Estado.

E como define o registo de vendas do EAA?

Os produtos, quando chegam aqui ,são de venda rápida, dado que há uma escassez no mercado e face à continuidade da procura. A procura é maior e a oferta é cada vez menor. Temos a preocupação social de contribuir para estabilização dos preços. Por exemplo, o rácio, margem bruta e venda, normalmente não ultrapassa os 15%. A empresa também não faz repercutir, no seu exercício, a totalidade dos efeitos da desvalorização que o kwanza tem sofrido ao longo destes tempos face ao dólar. A política é fazer os ajustamentos necessários de forma paulatina para não provocar oscilações bruscas dos preços. Em 2015, a empresa atingiu 5,8 mil milhões de kwanzas em vendas, o correspondente a 55 mil toneladas de mercadorias, entre as importadas e mais os produtos de stocks do ano anterior. Cinco mil milhões de kwanzas não representa nada face aos nossos custos fixos, e isto torna difícil a situação da empresa.

Quais são os custos operacionais do Entreposto?

Os custos operacionais são elevados. Para se ter uma pequena ideia, os nossos custos com o pessoal andam acima de 90% da margem de lucros. Quer dizer que se eu ganhar 100, 90 vão para os custos com pessoal, sobrando apenas 10 para todas as outras actividades da empresa. Por exemplo, temos cinco máquinas porta-contentores. Cada máquina custa um milhão de dólares. Um pneu custa um milhão de kwanzas. Temos uma frota de cerca de 20 camiões. Trabalhamos com geradores. Portanto, além da manutenção, temos os custos com os combustíveis...

Diria que o EAA está em decadência?

Para que o Entreposto cumpra o seu papel, que deverá ser um papel de gestor da reserva estratégica do Estado, de forma a poder, através lei da oferta e da procura, manter estabilidade dos preços do mercado, tem de ter uma escala mínima, sem a qual não poderá influenciar o mercado. Como não conseguimos atingir essa escala, temos problemas.

Como é que lidam com a concorrência?

Com a concorrência estamos em pé de igualdade. Eu diria até que, em certos aspectos, há desvantagem. Vou dar um exemplo. Qualquer concorrente privado, se for ao banco pedir um financiamento, paga uma determinada taxa de juros. Já o Entreposto Aduaneiro, se, nas mesmas circunstâncias e lhe for concedida a mesma taxa de juros que o concorrente, ainda tem de agregar mais uma taxa que os outros não são obrigados a pagar. Tem de agregar 1% para o Tribunal de Contas. Então, o EAA parte com 1% de desvantagens em relação a toda concorrência privada. E, com a crise, estamos a funcionar só com financiamentos bancários. Nos últimos dois anos, temos recorrido sistematicamente à banca. O EAA tem também, neste momento, uma dívida pública.

Qual é o valor da dívida?

Está estimada em mais de 20 milhões de dólares. Estamos a discutir com o Executivo. Esperemos que seja liquidada o mais breve possível.

Numa economia de mercado justifica-se a intervenção do Estado a este nível?

Há algumas correntes que dizem que o Entreposto Aduaneiro, à semelhança de outros países, estaria ultrapassado e que o mercado deveria sustentar-se com a iniciativa privada, que faria que se encontrasse os equilíbrios naturais. Mas, do meu ponto de vista, por causa do período que Angola atravessa, justifica-se a existência do Entreposto Aduaneiro. Aliás, o seu papel de intervenção como a única empresa pública do sector do comércio devia ser revisto e reforçado, também com estatuto de entreposto aduaneiro e logístico, como instrumento do próprio Executivo. Quando, no futuro, a auto-sustentação do sector alimentar acontecer, então poderei ter uma opinião diferente desta. O Entreposto, como instrumento do Executivo, serve não só para interferir, pela lei da oferta e procura para a estabilização dos preços, mas também para, em caso de calamidade natural, o Estado intervir, apoiando os sinistrados com alimentação. O Entreposto Aduaneiro é a única empresa que o Estado tem para este efeito em Angola.

Qual é o perfil de cliente do Entreposto Aduaneiro?

Os nossos clientes são, teoricamente, todos os grossistas não-importadores, todos os retalhistas, desde que sejam entidades com situação jurídica e fiscal regularizada perante a lei. Não temos restrições nesse sentido. As vendas são feitas, na sua esmagadora maioria, nas instalações da empresa em Luanda, na estrada de Cacuaco, e nas delegações do Lobito, Namibe e Lubango. Não temos crise de clientela. Assinámos um contrato com a Associação de Indústrias de Panificação de Angola (AIPA) para sermos fornecedores de farinha de trigo e outros ‘inputs’ para a produção de pão.

Quais são as origens dos produtos importados?

Importamos de todos os continentes. Se tivermos a falar de açúcar, importamos principalmente do Brasil, o arroz vem da Tailândia, Vietname ou China. O feijão vem dos Estados Unidos da América e da China. Depois outros produtos que são de origem portuguesa. Importamos a farinha de trigo da Europa, nomeadamente Bélgica, Turquia e Ucrânia. Também importamos alguns produtos da África do Sul, Namíbia e Espanha.

E em termos de produtos nacionais?

No âmbito do incentivo à produção interna, levámos a cabo, em Fevereiro de 2016, um primeiro diagnóstico que levou a que o EAA recomendasse a implementação, com o objectivo de realmente dinamizar a produção nacional, de um modelo de negócio integrado e sustentável, que permita uma comercialização contínua e consistente, onde a empresa desempenhe um papel âncora dirigido à procura. O Entreposto iria garantir aos produtores os insumos e os transportes até a chegada ao consumidor final. Mas para isso são necessárias algumas decisões de tutela e o apoio da banca para projectos de agronegócios. No entanto, o EAA já realizou algumas compras directas a produtores nacionais. Em 2015, as compras atingiram mais ou menos um milhão de dólares, enquanto, em 2016, as compras chegaram a 1,6 milhões de dólares. Para fazermos convénios com as cooperativas e produtores individuais, temos de ter a certeza da quantidade e periodicidade das entregas para podermos fazer um trabalho que possa trazer mais-valia. Nas províncias que percorremos, não encontrámos cooperativas suficientemente organizadas para avançar mais.

 

PERFIL

Nascido, em Luanda, a 23 de Maio de 1949, Joffre Van-Dúnem Júnior licenciou-se em economia, nos anos 70, pela Universidade Agostinho Neto, tendo frequentado vários outros cursos ligados à economia. Na década de 2000, exerceu o cargo de presidente do conselho de administração de várias empresas, públicas e privadas, como Agrinvest, Água de Bom Jesus, Sul Engenharia e Vanan, comércio, indústria e representação. Foi ainda responsável de várias empresas, nos Estados Unidos da América, Cuba e Portugal. Em 2014, foi nomeado PCA o do Entreposto Aduaneiro de Angola.

 

O ENTREPOSTO POR DENTRO

O Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA) é uma empresa do Estado, que surgiu da necessidade de regulamentar os preços e garantir a qualidade e o abastecimento de bens essenciais à população.

O empreendimento foi inaugurado em Outubro de 2002, e está localizado, em Luanda. A inauguração do estabelecimento esteve a cargo do Presidente da República, José Eduardo dos Santos que, na altura, realçou que a unidade surgia para oferecer aos agentes económicos maior eficácia no fornecimento de bens e serviços.

Presidido por Joffre Van-Dúnem, o conselho de administração do Entreposto Aduaneiro de Angola é ainda constituído pelos administradores António Francisco Neto, Florentino Peliganga, Bernardo Mucazo e Mariana da Luz Silva e Santos.

Aquando da sua inauguração, o EAA contava com cerca de 750 comerciantes grossistas, incluindo 34 armazéns localizados ao quilómetro 28, em Luanda. O empreendimento comporta uma área total de 21 mil metros quadrados.