“Estamos a banalizar a literatura”
É um jovem de ‘mil talentos’. Tem um livro e espera lançar outro em breve. Já esteve no jornalismo. Foi porta-voz da Polícia. Hoje coordena o projecto ‘Ler Angola’ e diz que há “muitos problemas” no mercado editorial nacional.
Jornalista, polícia e escritor. Serão estes os grandes ofícios da sua vida?
Sim. Fiz o curso no Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL). Depois, fui jornalista da Angop, durante três anos. Tive uma passagem pelo ISCED de Luanda, mas o meu sonho era ser jurista. Ingressei na faculdade de Direito e parei ao meio para ir a Portugal. Lá conclui a licenciatura em Ciências Policiais. Em 2003, comecei a trabalhar no ramo como chefe de operações, no Kilamba-Kiaxi.
Quando é que surge a escrita?
Cresci num ambiente de livros. O meu pai levava sempre muitos livros para casa. Não lembro o porquê de ter começado a ler. Fazia-o porque tinha. Não tinha bicicletas nem bola, só livros. Começo a escrever na 8ª classe, mas era coisa de jovem apaixonado, só escrevia poesia. Era para expressar sentimentos. O contacto com a literatura angolana tive-o no IMEL, com as aulas da professora Gabriela Antunes. Tomei contacto com um livro de Luandino Vieira ‘A cidade e a infância’ e foi por aí que começou.
O que significa para si, o romance ‘Pedaços da Vida’?
O livro ‘Pedaços da Vida’, por ter como base uma história real de pessoas que conviveram comigo, foi muito marcante. Lembro-me que, no lançamento, só conseguia chorar.
Sentiu-se satisfeito com as vendas?
Todo o escritor quer ter sucesso comercial. Nunca levantei dinheiro do livro, desde que o deixei nas livrarias. Sou muito reservado, a exposição deixa-me desconfortável. E o aspecto comercial da literatura incomoda-me. Agora que já entrou uma editora, esse trabalho será deles.
E para quando o próximo livro?
Depois de publicar o livro ‘Pedaços da Vida’, escrevi um outro em Lisboa. Foi para gráfica com custos próprios. Quando era para pagar a outra parte para ser publicado, não gostei. O título do livro era ‘Ateia’. Li e achei que o livro não estava bom. E decidi guardá-lo. Mais tarde, surge a oportunidade de entrar num concurso e comecei a reescrever o ‘Ateia’, e, neste processo, acabou por nascer um outro livro intitulado ‘Vidas de Areia’ que vai ser publicado em breve.
Está a coordenar o projecto ‘Ler Angola’. Fale-nos dessa experiência.
É um projecto que muito me orgulha. Está enquadrado num projecto macro, que é o ‘Amo Angola’. Visa resgatar aspectos da nossa identidade. Como a música, dança, culinária e a literatura. E eu estou enquadrado na literatura. O projecto vem para mostrar que Angola é muito mais do que petróleo e diamante. É também cultura. O projecto tem três pilares. Incentivar a escrita, promovendo novos talentos, através de uma espécie de bolsa literária. Os candidatos passam por uma avaliação e, se aprovados, as obras são publicadas pelo GRECIMA (organismo afecto à presidência da República) com custos nossos, e comercializadas a 500 kwanzas. Todos os rendimentos são deles (dos autores). O segundo pilar é reeditar obras de referências, intitulados ‘11 clássicos da literatura’.E também temos 11 clássicos da literatura infantil.
Quais são os critérios de selecção?
As escolhas dos clássicos são feitas por um grupo independente. O GRECIMA escolhe um conjunto de pessoas com conhecimentos literários. O grupo não se conhece. Pedimos que escolham 11 referências, os mais citados são os escolhidos.
Vive-se da literatura em Angola?
O único escritor que vive só da literatura em Angola é o Victor Hugo Mendes. Nem o Pepetela, que é o nosso ‘Nobel’, vive só da literatura. Mas temos escritores lá fora que vivem só da literatura. Nenhum escritor que se queira manter são, na plenitude, pode esperar viver só do livro, vai ficar maluco ou morre de fome. É melhor ter um emprego e escrever.
Como vê a edição de livros?
O mercado editorial angolano tem muitos problemas. Custo de produção, papel, material para impressão... E isso não incentiva a criação de gráficas. Mas também passa pelos leitores. O que faz um livro rodar é o facto de as pessoas o comprarem. Se não compram, não há investimento. E ainda se vende pouco. Por exemplo, Pepetela vende mais livros em Portugal e no Brasil que em Angola. Os leitores são poucos, mas os que existem não lêem literatura angolana. Os escritores também têm de melhorar. O que acontece é que estamos a banalizar a literatura e a dar espaço à mediocridade.
De quem se inspira na literatura?
De Luandino Vieira, Mia Couto e Gabriel Garcia Marquez.
A sua vida está a seguir o percurso que sempre almejou?
Não. Mas ainda bem que não. Apesar de sempre ter pensado ser polícia, esse desvio para o GRECIMA enriquece-me muito como pessoa.
Que situações mais o marcaram enquanto porta-voz da Polícia?
Foram várias. O caso mais marcante foi dos actores no Sambizanga, que acabaram por ser mortos pela polícia. A Polícia errou. O grupo estava a filmar cenas para um filme e usavam armas. Um cidadão passou por lá e fez a denúncia. Os agentes saíram a correr e, quando viram as armas, começaram a disparar.
Esteve na Lunda-Sul como segundo comandante. Como foi por lá?
Foi a primeira vez que estive a viver fora de Luanda. Foi difícil, no início. Fiquei por lá três anos. Por ser um espaço novo e pelo nível de vida. Mas foi também uma oportunidade para perceber outras realidades e entender que Angola é mais do que Luanda.
Porque foi exonerado da Polícia?
Não sei, nunca me foi dito. No politicamente correcto, sempre digo que continuo a ser polícia, à espera de uma colocação. As razões da exoneração hoje não são importantes. No entanto, não posso negar que não exercer o trabalho policial afecta muito. Depois de voltar de Portugal, desenhei a minha carreira na Polícia. E depois da Lunda-Sul, não exerci mais nenhuma função. Doloroso foi não exercer mais nenhum cargo, porque ser exonerado faz parte.
O que mais o incomoda ?
A pobreza. Ver que existem pessoas que sofrem muito. Pessoas que andam quilómetros para ir à escola, para ir trabalhar, zungar. Às vezes me pergunto onde sai essa força.
E o que mais lhe dá prazer ?
A alegria. Gosto muito de kuduro. É a música que mais traduz o angolano. É incrível ver crianças na rua, com fome, sujas, mas riem, brincam e inventam brincadeiras.
PERFIL
Nome completo – Divaldo Martins
Idade – 39
Filhos - 6
Viagem – Roma
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