ANGOLA GROWING
MATEUS PADOCA CALADO, CHEFE DE DEPARTAMENTO NA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UAN

“Existe uma resistência à mudança em quase todas as empresas”

COMPUTAÇÃO. Docente da Universidade Agostinho Neto (UAN) entende que a classe empresarial tem noção dos ganhos que pode ter de investir nos criadores e inventores, mas admite haver ainda muito caminho a ser feito. E afirma que a crise é uma “boa oportunidade” para se apostar na inovação.

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Em 2017, Angola foi outra vez premiada na feira de inventores da Alemanha. O que tem sido feito com estes projectos?

Alguns dos projectos do Departamento de Ciências da Computação da UAN estão a ser utilizados na UAN, como um interpretador de algoritmos, com resultados muito positivos, ou ainda o sistema integrado de gestão dos exames de acesso no período das candidaturas. Posso também salientar o ‘software’ Zwela, que traduz português para línguas nacionais e reproduz a pronúncia das palavras e que foi produzido com o apoio da Sistec. Existem também projectos que estão a ser implementados noutras instituições e organismos públicos. Seria útil que os outros projectos também estivessem em uso. No entanto, isso não depende apenas dos inventores e criadores, mas de outras entidades ou departamentos ministeriais ligados a estas temáticas e ao empreendedorismo.

Estes constantes prémios têm colocado o país na agenda de investidores e indústrias internacionais?

O foco deve ser o investimento nacional. Temos de apostar, cada vez mais, nos projectos que desenvolvemos e que têm qualidade. Se aguardarmos pelo investimento internacional, estaremos a perder oportunidades de desenvolvimento. Perdoem a imodéstia, mas temos recursos, capacidade e competências. Não há pretexto para não se concretizarem os projectos com valor e interesse para Angola.

Criou o ‘Sistema de Apoio Ao Serviço Nacional de Saúde’. É um projecto que está a ser utilizado?

Não ficou engavetado. Foi desenvolvido com o objectivo de auxiliar a obtenção de informação sobre os serviços de saúde disponíveis. Entretanto, evoluiu para outro, denominado ‘SIEMA’ que, além da vertente informativa, pode ser usado por utentes em situação de emergência médica. Temos um outro sistema, o ‘Mwonowaha’, que teve um reconhecimento internacional, recebendo uma medalha de prata, em 2017. Acrescenta um componente para a gestão de bancos de doadores de sangue e informação sobre medicamentos e farmácias. Este tipo de sistemas é uma das utilizações das TIC que tem recebido mais atenção na comunidade científica nos últimos anos.

A sociedade angolana e os agentes económicos compreendem melhor a importância da informática?

A economia mundial é baseada na informação e os agentes económicos compreendem isso. No entanto, não basta compreender a importância. Será necessário planear e efectivar essa noção em aplicações e tecnologias concretas e utilizadas nas empresas. Tem de ser feita uma utilização adequada dos recursos das TIC, utilizando sistemas, ferramentas e outros meios que dêem aos agentes económicos um diferencial competitivo. Isto não quer necessariamente dizer que seja obrigatório fazer grandes investimentos financeiros dentro das empresas, mas é indispensável ter uma visão abrangente e um objectivo estratégico, colocando a tecnologia ao serviço da empresa e não o contrário.

A classe empresarial tem noção dos ganhos que pode ter a investir em invenções e criações?

A noção existe, mas a um nível mais abstracto. Ainda existe trabalho a ser feito, mas, à medida que o país for diversificando a economia, é indispensável que as empresas se afirmem no mercado de formas distintas, agreguem valor e apresentem produtos e serviços inovadores. A classe empresarial tem a oportunidade de desempenhar um papel importante na criação e apoio a núcleos de empreendedorismo que unam empresários, gestores, universidades e laboratórios de investigação.

Já vai havendo muitas iniciativas empreendedoras com recurso às TIC. Está satisfeito com o nível ou poderia existir mais?

Não são tantas quanto as que podem e devem existir. O país carece de profissionais na área das TIC, apesar de todo o esforço e aumento na quantidade de jovens formados. Podemos ter iniciativas com impacto em inúmeros sectores da sociedade e da economia. A crise é favorável à aposta no talento e na criatividade e no sucesso dos novos empreendedores.

Como avalia a coabitação em Angola entre sociedade industrial e as TIC?

Não tem sido fácil porque a mudança de paradigma gera receios e frustrações. Os receios geram-se, essencialmente, porque as pessoas podem julgar que vão perder o posto de trabalho, quer por inadaptação à tecnologia e à mudança, quer por extinção do posto de trabalho. Existe uma resistência à mudança, observável em quase todas as empresas e instituições, só que já não existe outra opção a não ser evoluir. Esta necessidade obriga a um processo de aprendizagem contínua e à responsabilização individual. As lideranças têm um papel fundamental na criação de uma visão e cultura de inovação e mudança.

O maior contacto com as TIC é, em princípio, uma garantia de um futuro melhor?

O interesse dos jovens possibilita a existência de mais candidatos a cursos destas áreas e que se possam seleccionar os melhores. Uma preocupação que temos é o interesse particularmente das raparigas pelas TIC, um aspecto que necessita de ser trabalhado em conjunto com várias estruturas. Não podemos confundir interesse e contacto com as TIC com o uso das redes sociais e da internet. De facto, a utilização das TIC por parte dos jovens é facilitadora de maior à vontade, maior predisposição para aceitar estas tecnologias num contexto profissional e menor resistência à mudança. Estes factores aumentarão o ritmo a que os sistemas serão implementados e também a produtividade.

PERFIL

Mateus Padoca Calado é professor auxiliar na UAN e investigador no BioSystems & Integrative Sciences Institute da Universidade de Lisboa. É doutorado em Informática pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É docente na Faculdade de Ciências da UAN desde 2008 e docente convidado na Faculdade de Economia da mesma Universidade desde 2010.