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GESTÃO DO PORTO DO LOBITO ABRE ‘GUERRA’ INTERNACIONAL

Grupo filipino contesta resultado e acusa chineses de “manipulação”

CONTRATAÇÃO PÚBLICA. Concurso para a gestão do terminal do Porto do Lobito pode acabar nos tribunais. Em apenas três meses, Comissão de Avaliação atribuiu e retirou a gestão ao grupo ICTS. Filipinos acusam o concorrente chinês, o grupo CITIC/SPG, de ter “manipulado” os resultados e de apresentar uma proposta “irrealista” que coloca investimentos do Estado em causa.

Grupo filipino contesta resultado e acusa chineses  de “manipulação”
D.R

A empresa International Container Terminal Services (ICTS) prepara-se para contestar, ameaçando “recorrer a todos os meios legais até às últimas instâncias”, o resultado do concurso público que atribui a gestão do Terminal Polivalente do Porto Comercial do Lobito ao consórcio chinês Citic/Shandong Port Group.

Os termos e os argumentos da contestação seguiram por carta, datada de 13 de Janeiro, enviada à Empresa Portuária do Lobito e assinada pelo chefe regional do grupo para África, Médio Oriente e Europa, Hans-OleMadsen. Na contestação, a que o Valor Económico teve acesso, o grupo ICTS, representado em mais de 30 países e com sede em Manila, nas Filipinas, acusa a concorrência chinesa, o consórcio China International Trust Investment Corporation (CITIC) e Shandon Port Group de ter feito uma “tentativa deliberada de manipular o sistema de pontuação de propostas”, durante o concurso público.

No centro da contestação está a alteração da proposta avançada pelo grupo estatal chinês, concorrente do grupo filipino. Na primeira fase da candidatura à gestão do porto, o grupo liderado pela CITIC propôs-se fazer um investimento no terminal do Lobito de 600 mil dólares. No entanto, na fase seguinte e depois de saber os resultados, alterou os valores propostos. ‘Saltou’ dos 600 mil dólares para uma previsão de investimento de 2,8 milhões de dólares, sem justificar a discrepância de valores ou explicar que tipo de investimentos estará disposto a fazer.

A alteração foi decisiva para modificar o resultado do concurso. No primeiro relatório, o grupo filipino surgiu em primeiro lugar, com 16,8 valores (em 20), derrotando a proposta chinesa que se quedou pelos 11,1. Mas, na segunda fase, o grupo CITIC venceu o concurso com uma nota de 18,2, contra 17,7 atribuída à ICTS. 

Nesta fase derradeira, o grupo chinês acrescentou a intenção de liderar a gestão do terminal de cargas, destinado a suportar o transporte de minerais. E é aqui que reside a maior contestação. O grupo filipino lembra que o concorrente chinês pretende utilizar também esse terminal destinado aos minerais, o que não está previsto no caderno de encargos do porto do Lobito, sublinhando que o concurso se destina apenas à gestão do terminal de carga geral.

Na contestação, a concorrente ICTS chama a atenção da Comissão de Avaliação do Concurso (CAC) para o que classifica de “um vertiginoso incremento”. Fonte ligada à ICTS vai mais longe e adjectiva a mudança da proposta como “infantil” e “uma manobra”, sugerindo que essa alteração foi unicamente provocada por ter percebido que a proposta filipina “tinha mais consistência”. A empresa questiona, à CAC, os critérios, afirmando que a “viabilidade da proposta financeira do CITIC/SPG é altamente irrealista”, porque “o plano de negócios não apresenta alterações ou melhorias materiais”.

MUDANÇAS EM TRÊS MESES

O entendimento da CAC foi outro ao atribuir uma nota superior ao grupo chinês. No entanto, a comissão chegou a ter um outro parecer. Quando foi divulgado o resultado do concurso, em Novembro do ano passado, rapidamente o consórcio chinês, entretanto derrotado, se apressou a contestar. Na resposta, a Comissão de Avaliação respondeu que “nada teria de alterar nas classificações”, garantindo, ao Valor Económico, que “atribuiu as notas com base na metodologia que constava no programa do concurso”.

Quase três meses depois, inverte as notas, mas mantém as mesmas justificações. Ou seja, servem para explicar dois resultados diferentes com o denominador comum de “terem respeitado os critérios do concurso público. Fonte da comissão remete as explicações para os relatórios assinados pelos seus membros e lembra que o grupo filipino tem “um fórum próprio para recorrer”.

O grupo CITIC contestou as notas do primeiro relatório com o argumento de que “levantavam algumas dúvidas” e que as propostas deveriam ser “reais e não virtuais”, numa indirecta ao concorrente. Por fim, o grupo chinês lembrava o seu “comprometimento com a reconstrução nacional”, sublinhando ter construído a cidade do Kilamba e de ter participado no Planageo e em projectos sociais.

Apesar de ter dado uma nota elevada, no relatório final, ainda assim, a CAC sublinha que o grupo chinês tem o investimento “fortemente condicionado à conclusão das infra-estruturas e à implementação da ligação da rota Logística Oeste ao Porto do Lobito” e que isso “é vital para a viabilidade da concessão, recorrendo à exportação dos produtos de minério” produzidos pela RDC e pela Zâmbia.

Por outro lado, o ICTS assegura, na contestação, que, “ao contrário da proposta do CITIC/SPG, o nosso plano de desenvolvimento estratégico não está fortemente condicionado nem sujeito à realização de outros factores/eventos”. Por fim, sublinha que o grupo está “preparado para entregar e executar imediatamente o plano de desenvolvimento proposto na íntegra”.

Na proposta, alterada em Novembro, o grupo CITIC propõe-se aproveitar as valências deste terminal, mas reduzindo a sua capacidade, dos actuais 230 mil contentores anuais para os 100 mil. O grupo ICTS encontra nesta proposta uma “violação das regras da contratação pública”. Em contrapartida, a ICTS propôs o aumento de capacidade para os 600 mil contentores/ano, com a possibilidade de usar o terminal do porto seco. Esta comparação entra também nas contas do grupo filipino para contestar as notas.

Até ao fecho desta edição, não foi possível ouvir os argumentos do grupo CITIC.

O MAIOR DE ANGOLA

O Porto do Lobito foi um dos investimentos mais fortes de José Eduardo dos Santos, com a intenção de o transformar no maior porto de Angola, com capacidade de movimentar 3,6 milhões de toneladas por ano. Foi inaugurado em Agosto de 2014 e previa a criação de um terminal de carga que permitisse albergar os contentores da rota dos Caminhos-de-Ferro de Benguela. Cálculos, na altura, indicavam que o Estado tinha investido um 1,250 mil milhões de dólares, o que representava 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Só o ano passado, o Governo abriu o concurso público para a gestão deste porto, cujo prazo terminaria a 7 de Dezembro, mas o Ministério dos Transportes decidiu prorrogá-lo por mais 45 dias.

CAIXA

Segunda derrota filipina

Em apenas dois anos, é a segunda vez que o grupo filipino ICTS perde um concurso público de grande envergadura para a gestão de terminais em Angola. Tal como da primeira vez, prepara-se para recorrer aos tribunais e, novamente, contestando as alterações no concurso. Em Dezembro de 2020, a gestão do terminal do Porto de Luanda foi atribuída à DP World, depois de um concurso com reviravoltas. O grupo do Dubai ficou em terceiro lugar, com notas baixas. Depois de ter recorrido, chegou ao primeiro lugar, num processo contestado pelo grupo filipino, argumentando com uma série de irregularidades, entre as quais, a alteração de normas do concurso público. O grupo recorreu aos tribunais, mas perdeu. O Tribunal Supremo deu razão ao Ministério dos Transportes, que validou a decisão da Comissão de Avaliação.

Pela segunda vez, o ICTS vê-se envolvido num concurso, em que chegou a ficar em primeiro e acabou derrotado. De novo, ameaça levar o processo até “à última instância”.

O grupo filipino, com sede nas Filipinas, gere portos desde 1987, em África, Europa, Ásia, Médio Oriente e América. Gere actualmente 34 terminais em 20 países.

O CITIC é um grupo estatal chinês, sob a responsabilidade directa do Ministério das Finanças, com sede em Beijing, e sem experiência na gestão de portos. O seu site oficial destaca que o conglomerado dedica-se a serviços financeiros, construção, recursos energéticos e “outros negócios”. Em Angola, construiu o Kilamba e tem um projecto parado no Futungo, em Luanda, para a construção de uma urbanização.