CUI AIMIN, EMBAIXADOR DA CHINA EM ANGOLA

“Há um novo modelo de cooperação bilateral”

Na primeira visita oficial de João Lourenço à China, o embaixador chinês em Angola garante que vão ser assinados novos acordos, mas com um novo modelo de cooperação em que só serão financiados os projectos viáveis. Cui Aimin tem dúvidas sobre a dívida angolana à China, garante que as empresas chinesas apresentam trabalhos de qualidade, que cumprem sempre os acordos e abre portas a mais cooperação, sem ser meramente económica.

 

“Há um novo modelo  de cooperação bilateral”

Que expectativa tem com a visita do Presidente João Lourenço à China?

Temos registado um rápido desenvolvimento nas relações China/Angola, nos últimos anos. Tivemos visitas frequentes entre os líderes dos dois países que serviram para dar vigor às relações. A visita do Presidente João Lourenço é um evento muito importante. Vai ser a primeira visita de Estado à China, e estamos confiantes de que os dois líderes vão abordar, numa perspectiva estratégica, assuntos de longo prazo das relações entre ambos os países e acordar novas metas para a cooperação bilateral. Os temas serão muito amplos e de carácter estratégico que abarca a economia, intercâmbio entre povos, incluindo posições das duas partes em questões internacionais.

O que será discutido na cooperação económica?

A cooperação económica e comercial será um importante tema a ser discutido. A direcção para desenvolver esta cooperação é a transformação, melhoria e eficácia. Isto quer dizer que, futuramente, não vamos ficar só pela construção de infra-estruturas, também vamos focar-nos no desenvolvimento de outras indústrias. A ênfase desta cooperação vai ser a elevação da capacidade de desenvolvimento autónomo de Angola. Estas são as nossas expectativas.

Confirma a negociação de um novo empréstimo no valor de 11 mil milhões de dólares?

As delegações dos dois governos estão a trabalhar na negociação de um financiamento, mas não tenho conhecimento deste valor. O valor vai ser conhecido durante a visita. Estamos confiantes no futuro e no potencial da economia angolana. E a China vai continuar a dar apoio ao desenvolvimento económico de Angola.

Há dúvidas em relação ao valor solicitado apenas ou que Angola consiga o financiamento?

Há possibilidade de concessão de novo crédito a Angola. Este valor é certamente maior do que os países parceiros normais conseguem dar a Angola. Mas não tenho conhecimento do número exacto porque está sempre em actualização. Depois da visita, a colaboração de investimento e financiamento bilateral vai continuar e não vai parar. Os acordos que vão ser assinados, nesta visita, são amplos não só na área de investimentos e financiamentos. O governo da China poderá fazer doações como instalações e vagas para formação e bolsas de estudos. Além da cooperação económica e comercial, queremos ampliar a cooperação na agricultura e indústria. Queremos negociar com Angola a criação de fazendas, fábricas de processamento, logística, etc.

Há muitas empresas chinesas interessadas nesses sectores?

É grande o número de empresas chinesas em Angola. Após o lançamento da estratégia de diversificação da economia, muitos empresários chineses apostaram em áreas como agricultura e indústria. Alguns já construíram várias fazendas e fábricas. As empresas chinesas já marcaram o primeiro passo e estão a desempenhar um papel positivo. Atráves desta visita do Presidente da República, as duas partes conseguiram chegar a acordo, ao concertarem políticas para promover o desenvolvimento e financiamento, que será muito benéfico para as empresas chinesas e em participar mais profundamente na diversificação da economia de Angola.

Há alguma situação ainda por acordar e que poderia levar a China a não libertar o pacote financeiro?

Embora não possa dizer quais os acordos bilaterais para alguns projectos, posso garantir que haverá resultados satisfatórios para as duas partes. Angola está numa situação um pouco difícil, devido à situação económica e alguns países levantarem algumas reservas quanto ao desempenho da economia, mas a China mantém a confiança na economia angolana. Vamos implementar o conceito defendido pelo presidente Xi Jinping: “verdade, afinidade, sinceridade” e colocar a amizade em primeiro lugar. A China vai continuar a dar o seu apoio a Angola. Seguimos sempre os princípios de não fazer cinco coisas destacadas no FOFAC, pelo presidente Xi Jinping, de não interferir nos assuntos internos dos países africanos, não colocar pré-condição política na cooperação económica, entre outros, e vamos promover estes princípios na relação com Angola.

A cooperação resultante dos primeiros financiamentos está marcada por críticas por supostos incumprimentos. As obras realizadas à luz do financiamento deveriam, até certa percentagem, ser adjudicadas a empresas angolanas, mas não é o que acontecia. A situação vai ser diferente?

As empresas chinesas sempre cumprem com os acordos. Assim que forem fechados pelos dois governos os novos acordos, as empresas chinesas vão implementá-los. Conforme a experiência, é muito difícil, no mundo, uma empresa chinesa não cumprir um acordo legítimo. Antes de começar algum projecto, as condições já tinham sido acertadas com antecedência. Há aqui rumores e invenções irresponsáveis. De facto, se existisse alguma violação de acordos, o Governo de Angola já teria reclamado e, até ao momento, não recebemos qualquer queixa de Angola.

Confirma a existência de um novo paradigma no financiamento a Angola?

Há um novo modelo de cooperação. Antigamente era assim: os dois governos fechavam um pacote de financiamento e o Governo angolano seleccionava os projectos com as empresas chinesas. Agora, temos um novo mecanismo que é liderado pelos dois governos. Vão avaliar e decidir os projectos um a um, conforme a viabilidade. Assim que um projecto for considerado viável, será implementado. Aqueles que não têm condições serão devolvidos para aperfeiçoamento. Há três vantagens. Primeiro, permite aos dois governos fazerem uma avaliação mais profunda de cada projecto. Segundo, queremos focar mais em projectos que ajudem a criar o desenvolvimento autónomo de Angola e, em último lugar, o modelo é favorável para melhorar a estrutura de investimento e financiamento e proporcionar mais serviços e bem-estar ao povo.

Há alguma razão concreta para esta mudança?

Três razões. Primeiro, estamos numa nova fase da cooperação económica e temos necessidades diferentes. Segundo, este novo modelo ajuda a aproveitar melhor o financiamento e eleva a eficácia. E, terceiro, como Angola está numa situação difícil, alguns projectos que seriam aprovados, mas que tenham menos urgência, terão de esperar por um momento mais oportuno para não pesar muito nas finanças públicas. Agora vamos focar mais nas prioridades.

Projectos, como os da centralidade do Kilamba, poderão ser financiados?

O financiamento de nova centralidade vai ser discutido e avaliado pelas duas partes. Isto não só depende da vontade de Angola, mas também da avaliação da parte chinesa. Queremos focar-nos em projectos que ajudem a criar capacidade autónoma. Além disso, vamos continuar a apoiar a construção de infra-estruturas como casas e estradas.

As obras do novo aeroporto internacional de Luanda têm merecido críticas, tanto pelo atraso como por suposta má qualidade. Tem acompanhado as obras?

No princípio, esta obra foi entregue a uma empresa que o governo da China não conhecia. Actualmente é feita por uma empresa chinesa. As partes envolvidas ainda não chegaram a um acordo em certos aspectos, por exemplo, a estrutura financeira. Em relação à qualidade de algumas obras, a maioria delas, aqui em Angola e em África, é aplaudida. Se consultar as pessoas no Quénia e no Congo-Brazzaville, darão respostas positivas. Se a maioria das obras não tivesse qualidade, não conseguiríamos sobreviver até agora. As empreitadas chinesas em Angola são todas fiscalizadas por empresas especializadas. Essas empresas não são chinesas, são europeias ou americanas conforme a prática internacional. As obras que passaram pela supervisão têm boa qualidade.

Qual é o valor actualizado da dívida de Angola para com a China?

Sugiro consultar o Ministério das Finanças. A China é dos maiores credores de Angola e, até ao momento, a parte angolana paga regularmente a dívida. A China não tem preocupação da amortização da dívida. Fora da linha de crédito chinesa, algumas empresas chinesas assinaram acordos com o Governo onde existe uma situação de atraso, mas, repito, não fazem parte da linha de crédito. Esta dívida é controlável e não é justo exagerar à volta desta questão. A dívida será resolvida ao longo do desenvolvimento. É importante para um país controlar o nível da dívida, as obras e o ambiente geral económico. A dívida externa de Angola é praticamente sustentável e estável.

Ainda não houve necessidade se renegociar o pagamento da dívida de Angola para a China?

Esta negociação depende da análise dos departamentos ministeriais competentes. Até ao momento, não aconteceu. Para ter uma opinião mais correcta sobre a dívida, recomendo fazer o estudo sobre as dívidas no mundo, na América, Europa sobre estrutura e o tamanho para ter uma visão real.

O petróleo vai continuar a ser a moeda de troca na relação económica entre os dois países?

O petróleo é uma fonte de receitas de Angola para pagar dívida, mas Angola não paga dívidas directamente com petróleo. Aquí existe um equívoco para a maioria das pessoas. Se tiver outras fontes para pagar, pode usar. Os dois governos devem avaliar a diversificação das formas de pagamento. Pessoalmente, aguardo com grande expectativa uma cooperação mais ampla, incluindo uma maneira mais diversificada de pagamento que ajude a reduzir a pressão para as duas partes.

O valor é fixo ou é ajustável à variação do preço do barril do petróleo?

Isto depende do mercado internacional. Não depende da China e também não é uma condição preferencial. Qualquer produto internacionalizado tem um preço internacional que é público e, neste aspecto, calcula-se em dólares. Algumas pessoas acreditam que Angola, ao vender petróleo à China, ganha. Quero esclarecer que pagamos o preço internacional, não há um ganho unilateral. O petróleo adquirido não vai directamente para a China, é transferido por um intermediário de uma empresa de um terceiro país, que é uma prática normal internacional.

“Queremos fazer a liquidação com o renminbi”

O embaixador confirma a informação, segundo a qual o Governo angolano usou a linha de crédito para pagar salários e a China não terá gostado?

Não conheço este assunto. A nossa posição é que se deve respeitar sempre os acordos assinados entre as partes. Um desvio do contrato deve ser criticado. Quando Angola solicita empréstimos, sempre entrega relatórios que devem corresponder aos acordos firmados entre partes. Penso que não é uma notícia verdadeira.

O que falta para o Banco da China começar a operar em Angola?

É um assunto muito complexo. Depende do ambiente e das políticas locais. O Banco da China já começou a tratar de alguns negócios.

Confirma a existência de um plano da China para passar a usar o yuan como moeda de pagamento nas compras do petróleo em Angola?

Isto é uma questão técnica. Se as partes tiverem vontade, vão abordar este tema. Agora, como a China usa o renminbi e Angola usa o kwanza, conforme prática normal, o petróleo é sempre liquidado em dólares, é uma transacção um pouco complicada. Aguardamos com expectativa que, no futuro, dentro do quadro legal, possamos verificar esta transacção.

A China tem um acordo para o uso do yuan nas transacções comerciais com a Nigéria. É um plano que também está previsto para Angola?

Se as duas partes consentirem, Angola pode ser um destes países. Já assinámos este tipo de acordo com mais de 30 países. Com o tamanho e a contribuição da economia da China no mundo, o renminbi torna-se, cada vez mais, uma moeda de pagamento importante. Queremos fazer a liquidação com o renminbi nas trocas comerciais.

Uma das apostas do Governo é o combate à corrupção. Que experiências a China pode partilhar com Angola?

A corrupção é uma dor de cabeça para qualquer país. Nos últimos anos, temos adoptado muitas medidas para combater o fenómeno que tiveram êxitos reconhecidos em todo o mundo. Alguma experiência nossa pode ser objecto de estudo para países em desenvolvimento. Temos uma experiência a partilhar. Primeiro, foi o reforço da liderança do Partido Comunista da China, a melhoria da constituição do partido e melhor divulgação com determinação aos membros e à sociedade para as políticas de combate à corrupção. O segundo ponto foi o aperfeiçoamento do mecanismo do regime para combater a corrupção. Tomámos várias medidas e são muito rigorosas. Para garantir que as pessoas não sejam corruptas, é importante aperfeiçoar o regime para impor limites às pessoas. O terceiro ponto passa por ter uma boa supervisão no tratamento dos casos. Temos o comité de disciplina a funcionar em muitas estruturas do partido. Além de aplaudirmos a supervisão das pessoas e da sociedade. Abrimos vários sites para denúncias. Em resumo, o primeiro passo é a educação. Segundo, leis mais rigorosas e, em último, uma melhor supervisão.

O que está a fazer para elevar a cooperação cultural em comparação com relação a económica?

Falta muito no intercâmbio cultural. Na realidade, o povo angolano conhece muito pouco a cultura chinesa e o povo chinês, a cultura angolana, embora tenham negócios. Já temos em Angola o Instituto Confúcio que ensina a língua chinesa. Tivemos recentemente um ciclo de cinema chinês, vamos organizar uma exposição de fotos ainda este ano. No futuro, pensamos aumentar as bolsas de estudo para que jovens angolanos possam conhecer melhor a China. Possivelmente, vai construir-se um centro cultural, que depende da disposição das partes. Uma relação de equilíbrio em todas as áreas económicas e culturais ajuda a ter uma relação a longo prazo.

Qual é número de chineses em Angola?

Já foi mais expressivo, mas ficou reduzido devido à crise económica. Muitos voltaram para a China. O número ainda é grande e está estimado entre 50 e 60 mil. Estamos a favor da estratégia da diversificação económica que já conseguiu algum êxito. Para atrair o investimento estrangeiro, precisamos de políticas presenciais, ambiente estável e um melhor serviço governamental. Um país não pode só atrair a China e os chineses, tem de criar um ambiente geral para todos os países.

“Queremos que os EUA abandonem a hegemonia comercial”

Como vê a guerra comercial entre a China e os EUA?

É uma dor de cabeça para o mundo inteiro, porque a China e os EUA são duas grandes potências comerciais. As trocas comerciais entre os dois países já ultrapassaram os 500 mil milhões de dólares. O pretexto da guerra é o ‘superavit’ da China em relação aos EUA. O presidente Trump acha que este ‘superavit’ é muito elevado, mas este assunto envolve vários factores. As duas partes têm diferendos sobre o próprio ‘superavit’, para identificar os produtos que vão da China. É um pouco difícil, porque primeiro passam por um terceiro país para chegar à América. Hoje o mundo é uma cadeia produtiva total. Quer a China, quer a America só são parte desta batalha. Os EUA prestam demasiada atenção ao ‘superavit’ da China. Além disso, é importante lembrar que os EUA impõem alguns limites para exportar produtos de alta tecnologia. Somos um país em desenvolvimento, temos, principalmente, os produtos processados primários que não têm alto valor, mas ainda registamos um elevado ‘superavit’. A China está sempre disposta a reduzir este ‘superavit’, comprando por exemplo produto à América, como de tecnologia para aviões. Outro aspecto está relacionado com o sistema de cotação em dólares e a baixa poupança da população norte-americana. Posso dizer que alguns produtos são fabricados na China, mas as empresas são norte-americanas e o ‘superavit’ é calculado como se fosse da China.

Qual é a solução?

Após várias negociações, ainda não se conseguiu um resultado satisfatório. Esperamos que o presidente Trump abandone o proteccionismo e o unilateralismo e adopte as regras definidas pela Organização Mundial do Comércio para não influenciar negativamente outros países. Actualmente, as trocas comerciais entre os dois países já não ocupam um peso muito grande na economia chinesa, que agora privilegia mais o consumo interno, que ocupa dois terços do PIB total. Esta fricção vai influenciar a China, mas esta influência não é grande. A fricção não vai alterar as nossas relações comerciais nem o rumo comercial, nem vai causar grande prejuízo à economia chinesa nem a relação com os países africanos. Queremos uma negociação amigável e queremos que os EUA abandonem a hegemonia comercial e abracem a globalização económica. A China não é o único país insatisfeito com a situação. Há muitos países europeus, como a Alemanha e a França que têm o mesmo sentimento.