DEFENDEM ESPECIALISTAS

Implementação do imposto digital "é urgente"

19 May. 2021 (In) Formalizando

TRIBUTAÇÃO. Dois economistas e um jurista entendem ser tempo de o Estado revolucionar o fisco, com a cobrança de impostos aos negócios no digital. Empreendedores não concordam e alertam para o contexto económico e falta de condições. Em África, há exemplos pioneiros entre os quais o Quénia e o quase vizinho Zimbábue.

Implementação do imposto digital "é urgente"
D.R

Com a transição acelerada do paradigma tradicional para o digital, em parte pela pandemia da covid-19, levantou-se o debate sobre a tributação de vários negócios do novo universo que escapam da fiscalidade dos países e, em Angola, vários especialistas alertam para a “urgência”na concretização de uma “revolução tributária” que defina e delimite as novas formas de riquezas, até agora não regulamentadas.

Para o jurista Elton Adonias, a autoridade tributária deve estar atenta ao “grande avanço” que as empresas digitais têm dado no mercado angolano. “Actualmente, em Angola, a maneira mais fácil de fugir da tributação é criar empresas digitais, por não termos leis que regulem a tributação de empresas digitais. As regras tributárias foram feitas para serem aplicadas às empresas com presença física em Angola. Com o aparecimento de novas tecnologias e modelos empresariais, têm surgido empresas que não têm presença física, mas têm lucros elevados no nosso mercado. Esta lacuna regulamentar tem demonstrado que o sistema tributário angolano está desactualizado”, observa.

Para o jurista, a regulamentação do imposto digital permitirá uma “concorrência equitativa” entre as empresas digitais e tradicionais, porquanto o comércio electrónico gera rendimento que constitui garantia da existência de capacidade contributiva. Pelo que, considera existir injustiça tributária e recomenda reformas urgentes. “O Estado angolano deve fazer uma reforma pontual no sistema tributário das empresas, criando vários critérios, entre os quais, o critério ‘user value creation’, verificação das transacções financeiras, obrigatoriedade informativa, impostos digitais sobre os serviços digitais”, propõe. E avança alguns serviços digitais a serem tributados, como é o caso da publicidade direccionada e actividades de intermediação digital que facilitem a venda de bens e serviços. “Nesta vertente, aplica-se o princípio da tributação nas receitas e a não tributação nos lucros. Mediante este princípio, que é muito recorrente na tributação digital, o Estado angolano pode tributar empresas digitais sem a sua presença física em Angola”, defende.

O economista Alexandre Sérgio Manganda, por sua vez, considera que, antes da implementação, é necessário que o Estado estude as “hipóteses factíveis”, porque, se “não houver um estudo profundo, pode gerar distorções económicas” com impacto negativo na inflação. “Faz sentido pensar numa forma de tributação que quebre paradigmas. O imposto digital seria o reflexo dessa nova era digital aplicada à tributação, que é a forma mais moderna de as empresas conseguirem financiar o Estado”, assinala.

O também fundador e CEO da startup de venda de produtos agrícola, Field Right, defende ser “fundamental” para se manter certa estabilidade na arrecadação tributária, mas adverte ser um processo que demora. “Não é uma coisa que se implemente da noite para o dia, deve ser analisada com cuidado e tem de ser feita de uma maneira bem planeada”, insiste.

Já para o economista Daniel Sapateiro, há dois critérios que podem mudar o paradigma tradicional de tributação: onde e o que tributar. Quanto ao primeiro critério, escreve, deverão estar sujeitas a imposto as empresas digitais que tenham uma presença digital relevante. “Sendo assim consideradas aquelas que excedam, por exemplo, 100 milhões de kwanzas de rendimentos anuais, que tenham celebrado mais de mil contratos empresariais de serviços digitais ou que excedam 10 mil utilizadores”, sugere. No caso do segundo critério (o que tributar), propõe que serão relevantes “os rendimentos criados pela venda de espaço publicitário online, ou os provenientes de plataformas de comércio electrónico ou aqueles que são gerados pela venda de dados dos utilizadores, como são as aplicações para telefones e tablets para um conjunto variado de serviços: entrega de bens alimentares, mercadorias de pequeno porte, serviço de táxi.”

EMPREENDEDORES

DISCORDAM

O empreendedor Daniel Pires, CEO da Tussole, cujos serviços estão 70% no digital, discorda dos especialistas, argumentando que o momento “não é adequado” para a implementação do imposto. “Serviços digitais são a forma mais rápida que a juventude encontrou para se virar na vida hoje, consegue fazer os seus pequenos trabalhos e ajeitar-se. O Governo devia preocupar-se em dar oportunidades a esses jovens, como eu, de crescer, criar estrutura e daí pensar noutras responsabilidades”, defende.

Matias Daniel, também empreendedor digital, considera o momento “inoportuno” pelo facto de não estar reunido um conjunto de condições, que vão desde o “bom sinal de internet à legislação digital”.

Segundo um relatório sobre a evasão fiscal, divulgado pela organização não-governamental britânica Action Aid International, 12 países da África subsariana perdem até 2,3 mil milhões de euros em receitas fiscais do Facebook, Microsoft e Google.

No sentido de contornar a actual realidade, este ano, o Quénia passou a cobrar às empresas digitais, independentemente da sede, 1,5% de impostos, e prevê até ao próximo mês arrecadar 37,8 milhões de euros. O Zimbábue é outro país africano que também optou por esse tipo de imposto.

Embora de forma lenta, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) trabalha num projecto de fiscalidade uniforme, a ser subscrito por 134 países.