Marcha da inflação indicia novo debate sobre hiperinflação
AUDITORIA. Redução da inflação homóloga no ano passado colocou fim ao desentendimento entre auditoras do sector financeiro e BNA que recusava rótulo de economia hiperinflacionada. No entanto, a manter-se a tendência dos primeiros quatro meses de 2020, o desentendimento pode voltar.
A tendência crescente da inflação homóloga registada nos primeiros meses indicia a possibilidade de, no final do ano, se registar um novo ciclo de inflação acumulada anual próximo ou superior a 100%, marca que define as economias hiperinflacionadas, depois de, no ano passado, se registar o fim de um ciclo semelhante iniciado em 2015.
2020 abriu com uma variação homóloga de 0,02 pp, passando, depois, para 0,64 pp em Fevereiro e 1,48 pp em Março, enquanto, em Abril, passou para 2,71 pp com 20,14%. A tendência crescente contrasta com o mesmo período em 2019, em que Abril, por exemplo, viu a inflação baixar para 17,43%, uma melhoria de quadro em comparação a 21,32% registados em 2018. A tendência manteve-se até ao final de 2019, tendo a inflação homóloga baixado de 18,21% para 17,06%.
A redução colocou um fim no desentendimento que se registava entre o Banco Nacional de Angola e Abanc, por um lado, e a as empresas de auditoria, por outro, em relação ao entendimento sobre economias hiperinflacionadas. As auditoras entendiam que Angola constava de entre as economias hiperinflacionadas, classificação atribuída a países cuja inflação acumulada dos últimos três anos é igual ou superior a 100%.
Depois de, nos anos anteriores, assinarem os relatórios e contas dos bancos com reservas por não verem respeitadas as regras definidas para as economias hiperinflacionadas, as auditoras KPMG, E.Y e PWC confirmaram a saída da economia de Angola da lista das hiperinflacionadas conforme o parecer das mesmas nos relatórios e contas dos bancos BMA, BAI e BFA, respectivamente.
“Com referência ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2019, considerando que o indicador de inflação acumulada para os anos de 2017, 2018 e 2019 é inferior a 100%, e dado que não ocorreram outros efeitos significativos adversos, é possível considerar que Angola deixa de ser considerada uma economia em hiperinflação em 2019”, escreve a KPMG no relatório do BMA.
Por sua vez, a E.Y salienta que, no relatório do BAI, “a tendência de descida observada na taxa de inflação permite suportar um entendimento de que a moeda funcional das demonstrações financeiras do Banco (BAI), no corrente exercício, não corresponde à moeda de uma economia hiperinflacionada”.
Posição semelhante manifesta a PWC, que, entre outros, audita as contas do BFA e do BNI, salientando, no relatório do BFA, que Angola já não é “considerada uma economia hiperinflacionária com referência a 30 de Junho de 2019”.
As auditoras, no entanto, mantêm reservas por as instituições bancárias não reajustarem os relatórios referentes aos anos anteriores. “O banco não procedeu aos ajustamentos que seriam necessários, atendendo àquela premissa e de acordo com as disposições previstas naquela norma, nomeadamente a aplicação com referência aos exercícios de 2017 e 2018, período abrangido pela hiperinflação, com o respectivo impacto nos saldos de abertura, para o corrente período”, escreveu, por exemplo, a KPMG no relatório e contas do BMA.
Entretanto, o BNA e a Abanc nunca admitiram que a economia de Angola se enquadrava no estatuto de hiperinflacionária. E, em Dezembro de 2018, a Abanc considerou que não se encontravam “reunidas as condições que justificassem a aplicação da Norma Internacional de Contabilidade NIC 29 (IAS 29) – Relato Financeiro em Economias Hiperinflacionárias para o exercício que termina a 31 de Dezembro de 2018”.
O braço de ferro entre o BNA, a Abanc e as auditoras que se defendem com a rigidez das normas quanto ao estatuto de economia hiperinflacionária pode regressar se se mantiver a tendência de aumento de inflação, quadro apontado como mais do que provável no cenário de crise económica e efeitos da pandemia que assolam a economia nacional.
“Temos de conviver com a inflação”
O economista Galvão Branco é de opinião que, neste momento, é imperioso “conviver com esta situação, não de hiperinflação, mas de inflação acima daquilo que era o desejável”, justificando-se com a necessidade de “se injectar bastante liquidez no mercado para poder promover o consumo que, naturalmente, gera tensões inflacionistas”.
“Mas são necessárias neste momento porque, com o confinamento, o consumo começa a diminuir porque o rendimento das famílias e das empresas foi afectado. Era preciso injectar liquidez na forma de crédito, que é o que está a acontecer, e na forma de criação de moeda. E, quando se cria moeda no vazio, isso gera inflação”, explicou.
Galvão Branco acrescentou que, neste momento, não é possível “o Estado adoptar mecanismos de controlo da inflação”.
“A nossa inflação está alta, tínhamos previsto dois dígitos, é verdade, mas cerca de 15% e, neste momento, já está nos 25%. Isto tem impactos negativos ao nível do rendimento das famílias, mas não há alternativa.”
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