‘Mão’ para todo o dinheiro

MCA, o novo ‘entreposto’ financeiro de João Lourenço

Análise. Apesar das várias centenas de milhões de dólares e euros envolvidas, o Presidente da República não impõe ao grupo luso a obrigação de subcontratar pequenas ou médias empresas nacionais, expediente por via do qual se poderia oxigenar empresas locais e mitigar o desemprego.

MCA, o novo ‘entreposto’ financeiro de João Lourenço

Há pouco mais de uma semana, o site espanhol SuperYacht associou um luxuoso iate, acabado de adquirir pelo grupo empresário português Manuel Couto Alves (MCA), ao Presidente João Lourenço e sua família. 
O luxuoso iate, avaliado em 25 milhões de dólares, está atracado na cidade balnear de Marbella, um dos mais disputados destinos turísticos espanhóis e para onde a família presidencial angolana se desloca com frequência. 
Segundo descrição do SuperYacht, a luxuosa embarcação tem capacidade para 10 passageiros e sete tripulantes. É o topo de gama na sua categoria.  
Não haveria nenhuma surpresa se as revelações do SuperYacht coincidirem totalmente com a verdade. 

Mesmo não tendo entrado em Angola pela sua “mão”, ou de qualquer dos seus mais próximos colaboradores, o grupo MCA tem sido, sob o Governo de João Lourenço, um dos principais beneficiários da contratação simplificada, uma excepção que o Presidente da República, ao longo dos seus sete anos de mandato, transformou em regra da contratação pública. 
Autorizada ainda por José Eduardo dos Santos, o grupo MCA teve a sua primeira grande empreitada pública em Setembro de 2017, exactamente no mês em que João Lourenço assumiu as rédeas do país. 
Integrado num consórcio que contemplava, também, a empresa chinesa Qingjian Group, o grupo MCA ganhou a preferência do Governo para a empreitada de construção de 1.750 habitações sociais e infra-estruturas internas para realojamento nas cidades do Lobito e Catumbela, na província de Benguela. Por essa adjudicação, as duas empresas embolsaram 239,7 milhões de dólares. O consórcio foi contemplado com uma segunda empreitada, que consistia na estabilização e regeneração das áreas de risco nas encostas entre o Lobito e Catumbela. O custo da obra foi de 143,1 milhões de dólares. Foi, ainda, às duas empresas que o Governo recorreu para a construção da macrodrenagem nas mesmas duas cidades, com custos de 124,6 milhões de dólares.  
Pelas três empreitadas, o consórcio MCA/Qingjian Group abocanhou 430 milhões de dólares.    
Desde então, o grupo MCA transformou-se num dos principais destinatários dos concursos de contratação simplificada. 
Através do Despacho nº. 179/19, de 23 de Outubro, o Presidente João Lourenço aprovou um acordo de financiamento com o banco holandês ING Bank, no valor de 580 milhões de dólares, para a construção de centrais fotovoltaicas no leste do país. O beneficiário dessa empreitada, que se constituiu no maior volume de obras atribuído a uma empresa por contração simplificada, foi o grupo MCA.  
No dia 15 de Agosto de 2020, apenas três anos depois de chegar ao poder, Rafael Marques escrevia no seu portal Maka Angola que nos “últimos três anos, sob mandato de João Lourenço, foram adjudicadas obras públicas por contratação simplificada (sem concurso público) num valor global de cerca de 2,5 mil milhões de dólares. Destacam-se duas empresas às quais foi adjudicado o maior volume de obras por essa via. Trata-se da Omatapalo Construções e Engenharia, S.A., com um total de 423,2 milhões de dólares, e a Mota-Engil Angola, com um total de 331,7 milhões de dólares”. 
No entanto, alertava o investigador, o “principal beneficiário do recurso à contratação simplificada poderá ser o Grupo Manuel Couto Alves (MCA)”.  
Em alta no Governo de João Lourenço, em Junho de 2021 o grupo luso foi contemplado com um contrato de mais de mil milhões de  euros (exactamente de 1,027 mil milhões) para obras públicas do projecto de engenharia, fornecimento, supervisão, construção e teste de sistemas híbridos de geração fotovoltaica com sistema de armazenamento de baterias de ião-lítio e a expansão da rede eléctrica com novas redes de distribuição, num total de 60 comunas, nas províncias de Malanje, Bié, Moxico, Lunda-Norte e Lunda-Sul. O consórcio beneficiário da bilionária contratação simplificada foi constituído pelas empresas MCA Deutschland (braço alemão do grupo MCA), GMBH e pelo próprio MCA Vias, S.A.  
Na sua edição de quarta-feira, 14 deste mês de Agosto, o diário luso ‘Negócios’ escreveu que duas empresas portuguesas têm conquistado relevância no consulado de João Lourenço. São elas a Mota-Engil, envolvida na reabilitação do corredor ferroviário do Lobito, e o grupo MCA, que actualmente tem a seu cargo a construção de 48 minirredes solares, um projecto avaliado em 1,3 mil milhões de euros. 
Segundo o portal Club-K, o grupo luso também está envolvido no Parque Fotovoltaico do Luena, um projeto que inclui a instalação de 44 mil painéis solares para fornecer energia limpa a mais de 55 mil pessoas, com um investimento de 37 milhões de euros. Além disso, o grupo participa na construção e reconstrução de estradas que ligam o interior de Angola à República do Congo e à Zâmbia, melhorando a acessibilidade e mobilidade de pessoas e bens. 
Quinta-feira,  22 de Agosto, o ‘Novo Jornal’ noticiou que o Grupo MCA foi contratado para levar água potável a 50 localidades do Moxico, Lunda- Norte, Lunda-Sul e Malanje. “Empreitada para a construção de sistemas de abastecimento de água a 50 localidades das províncias do Moxico, Lunda-Norte, Lunda-Sul e Malanje, que vai permitir o acesso à água potável a 1.1 milhões de angolanos, vai custar 870 milhões de euros e está a cargo do grupo MCA.”  
No despacho do Presidente da República, é autorizada a inscrição do projecto no Programa de Investimento Público do OGE de 2024, devendo o Ministério das Finanças assegurar os recursos financeiros necessários à implementação destes contratos. 
Numa entrevista colectiva que deu a 9 de Junho de 2022 a 12 meios de comunicação social, o Presidente João Lourenço disse isso: “Eu também tenho filhos e não vou entregar [obras] a nenhum dos meus filhos”.  
O Presidente João Lourenço pode não “entregar” directamente obras aos seus filhos. Mas, entrega-os ao grupo MCA, o que vem a dar no mesmo. 
Pelo menos, o luxo iate ancorada em Marbella, apesar de registado pelo português Manuel Alves Couto, tudo indica que tem como beneficiária final a família presidencial. 
O Grupo MCA é a principal patrocinadora de uma fundação liderada por Jéssica Lorena Dias, a primogénita do casal presidencial, o que ajuda a esbater a distância entre um e outro. 
Com a empreitada que lhe foi adjudicada no dia 22, o grupo MCA pode ter já ultrapassado, na gestão de João Lourenço, uma facturação de 4 mil milhões de dólares. A quantidade de contratos e o volume de dinheiro atribuídos ao grupo MCA torna quase impossível dissociá-lo do  
Presidente da República, não sendo de todo disparatado inferir que o grupo luso é hoje um dos “entrepostos” empresariais do chefe de Estado angolano. À semelhança do que sucede com outras bem conhecidas empresas, que, no consulado de João Lourenço, saltaram da obscuridade para o estrelato. 
Há um denominador comum a todas as contratações simplificadas que beneficiam o grupo MCA: apesar das várias centenas de milhões de dólares e euros envolvidas, o Presidente da República não impõe ao grupo luso a obrigação de subcontratar pequenas ou médias empresas angolanas, expediente por via do qual se poderia oxigenar empresas locais e mitigar o desemprego.