PAULO MURIAS, EMPRESÁRIO

“Moçâmedes tem todas as condições para ser a capital do vinho em Angola”

O empresário e ex-basquetebolista garante que, se dependesse dos bancos, teria desistido do projecto da produção do vinho, cujo lançamento foi feito na semana passada. Acredita que Moçâmedes tem todas as condições para ser a capital do vinho em Angola. Detentor de 50% da Universidade Lusíada, defende que o Estado deveria subsidiar os estudantes das instituições privadas em vez de investir nas universidades públicas.

“Moçâmedes  tem todas as condições para ser a capital do vinho em Angola”

O que o motivou a investir na produção de vinho?

Foi um investimento que fiz há cerca de 20 anos. Adquiri uma fazenda no Namibe e, a partir daí, identifiquei as culturas que já tinham alguma tradição naquela zona. Aquela região foi a única, em Angola, no tempo colonial, em que se fazia vinha e oliveira. Acontece que, nessa altura, o Salazar só permitia que se fizessem uvas e azeitonas de mesa com medo da concorrência com a metrópole porque a vinha lá em baixo (Namibe) dá duas vezes ao ano, enquanto, nos climas frios, só uma vez. Comecei primeiro pelas oliveiras, mas até hoje ainda não consegui. Tenho lá 14 mil pés, o que não é pouco, mas ainda não consegui que produzissem. Na zona, ainda há algumas oliveiras antigas que também tiveram um abaixamento forte da produção. Ainda não compreendemos bem este fenómeno, estamos a tentar identificar para tentar corrigir. 

E a aposta na vinha?

Como as oliveiras não deram, fui para a segunda cultura, que é a vinha. Foi um sucesso. Para além de dar duas vezes por ano, acabou por ter características muito especiais que, mais à frente, deu um vinho especial, único, ‘sui generis’. Ao decidir apostar na vinha, fui buscar, primeiro, a tecnologia sul-africana para montar os postes e os arames através dos quais a vinha ia crescer e apostei na tecnologia portuguesa para fazer o vinho.

Porquê?

Porque fiz um estudo e a população, a cada 10 vinhos que compra, oito são portugueses. Ou seja, estamos habituados ao sabor dos vinhos portugueses, ponto final! Por sugestão do engenheiro agrónomo, mandei vir quatro castas. Fizemos isso há oito anos e, ao fim de quatro, começa a haver uma certa produção, estamos a falar de 2018. A partir de 2019, começámos a aproveitar as uvas, a pisar e a meter nos depósitos. A primeira colheita é da segunda vindima, de 2019. Em 2020, já tivemos uma boa colheita e, em 2021, também. O vinho esteve em depósito, diz-se que esteve a estagiar, durante dois anos. E, entretanto, por causa da covid-19, o enólogo, que é português, esteve dois anos sem pôr aqui os pés, veio agora e fez as misturas finais e começámos a engarrafar. Ainda não temos enólogos angolanos nem sei quando é que teremos. Talvez só quando a produção alargar é que vamos começar a investir nesta área.

Está satisfeito com o resultado?

A opinião é interessante. O enólogo explicou que as uvas absorvem os sabores que estão à volta. Temos dois rios, o Bero e o Girau. Temos o deserto, o clima mediterrâneo e a corrente fria de Benguela. Ele diz que a conjugação destes factores deu num vinho muito especial, diz que sabe a Angola, sabe àquela região. Diz que, se quiser beber um bom vinho português, vai ao Douro; um bom vinho francês, vai a Bordeaux, e um bom vinho angolano, encontramos aí características que são únicas.

E, enquanto apreciador, qual é a sua opinião?

Não sou um perito. Fui o capitão da primeira selecção de Angola de basquetebol. Depois fui médico da selecção de basquete durante 25 anos e, como atleta, pouco bebia. Quando comecei a meter-me neste projecto, já tinha 50 anos e foi nesta altura que comecei a apreciar. Digamos que não sou a pessoa aconselhada para se pronunciar. O enólogo, como é ele que faz o vinho, tem de dizer bem, mas tenho ouvido opinião de várias pessoas e todas dizem que é um vinho de qualidade média e média alta.

Como estão a preparar-se para a concorrência, sobretudo do produto importado?

Ainda não posso olhar para a concorrência porque, para já, somos os únicos e tem alguma qualidade. Sei que o Higino Carneiro produz, mas parece que já parou. Também ouvi falar que há uma produção muito grande no Porto Amboim, mas vieram-me com números totalmente desfasados da realidade. Agora entendo melhor e não acredito que os números correspondam à realidade. De qualquer maneira, sou a favor de que a competitividade aumente a qualidade. Inclusive, com o apoio do governador e de um banco, estamos a trabalhar no sentido de dar formação a pequenos produtores aí à volta que estejam interessados a produzir vinha, de maneira a alargamos a quantidade de vinho produzido naquela região, porque acho que Moçâmedes pode ser a capital do vinho, não em quantidade, porque é deserto e não tem grandes áreas para se apostar, mas em qualidade. É a melhor região de Angola. Entregámos a comercialização a uma empresa que já tem alguma experiencia na distribuição de vinhos. A nossa função será vender à porta da fábrica.

Eu referia-me à concorrência com o vinho importado…

Para nos situarmos ao nível do preço, estivemos a ver os vinhos de qualidade média e média alta e vamos posicionarmo-nos aí. Achamos que temos esta qualidade. Não sei bem qual será o preço, mas trocámos ideias com o comercial porque também não queremos que o nosso vinho seja vendido a preço nem muito baixo nem muito alto, porque, se não, vamos ter dificuldades em escoar, embora pense que teremos dificuldades em responder às encomendas. Já temos muitas e só vamos começar a comercializar dentro de duas ou três semanas.

Voltando às oliveiras, já têm indícios das razões para a produção não pegar?

Temos. A oliveira exige frio, que não há lá em baixo e que não há em Angola. Tem de ter, pelo menos, um mês em que a temperatura não vai acima dos 20 graus e, ao mesmo tempo, exige um clima mediterrâneo. As oliveiras são típicas da África do Norte e da Europa do Sul. Itália, Portugal e Espanha e, em África, a Argélia e a Tunísia são os maiores produtores. E como há lá oliveiras que no tempo colonial, de facto, davam, a nossa dúvida é saber desde que eles trouxeram as primeiras oliveiras quanto tempo é que demorou a adaptação. Trouxemos um olivicultor e o pensamento dele é esse. Qual é o tempo que as oliveiras demorarão a adaptar-se a este clima? Vão ter de se adaptar. Não morreram, estão bem e com bom aspecto só que não dá frutos. Os meus filhos sugerem que arranquemos para colocar outra coisa, mas tenho dito que vamos aguardar, porque se deu em outros tempos, porque é que não há-de dar? Vamos aguardar, investir, melhorar a terra em termos de riqueza orgânica.

Têm outras culturas na fazenda?

Só nos dedicamos a isso. Vamos agora alargar a área. Actualmente, temos 20 hectares de uva para vinho e temos 4 hectares de uva de mesa, que é muito boa, veio da África do Sul. Para vinho, vamos passar de 20 para 24 hectares por causa também da mão-de-obra, aquelas pessoas já têm oito anos de experiência e você não forma grupos de um dia para o outro. Ainda temos uma área de crescimento razoável, mas queremos crescer de forma sustentável.

Já ouvi e li algumas coisas que levantam dúvidas sobre o sucesso do vinho produzido em Angola por suposta falta de condições climáticas para a produção da vinha.

Tenho pena que o enólogo não esteja aqui. Ele melhor que ninguém poderia desmentir-lhe isso. Aliás, a qualidade do vinho desmente. Vou fazer-vos chegar uma garrafa. Arranjem alguém com experiência e façam uma prova à cega para ver se ele consegue distinguir. Já fizemos provas a cega com pessoas que vendem vinhos portugueses, só no fim é que souberam que era angolano, ficaram espantados. Estamos muito animados em termos de qualidade, o problema é a quantidade. Vou tentar estimular aqueles que têm fazendas ao lado a produzirem as uvas e fornecerem para a nossa adega, ou seja, funcionarmos como uma cooperativa. É isso que vamos tentar fazer para aquilo que é um sonho. Moçâmedes tem todas as condições para ser a capital do vinho em Angola, não tenho dúvida nenhuma, além de ser uma zona turística. Podemos, por exemplo, fazer aquilo que se faz na África do Sul e em Portugal, que é o enoturismo, é um sonho. Daqui a 20 anos, podemos ter aí uma região vinícola de peso. Seria de grande importância para a economia local. Agora tenho também de fazer as minhas queixas, que são importantes, contar a minha experiência. 

Quais são as queixas?

Apoios, zero. Minto. O actual governador tem dado todo o apoio dentro das suas limitações, nas autorizações e etc. Impecável. Agora, as estruturas que nos deviam apoiar e financiar as economias, que são os bancos, deram-me bailes de tal maneira que eu desisti. Fiz tudo com fundos próprios. Se não tivesse a universidade…. Fiz tudo com fundos próprios dos lucros da universidade. Estou à frente da Lusíada. Foram estes lucros que me permitiram fazer este investimento e a teimosia. Houve alturas em que estive quase a desistir, sobretudo quando as oliveiras começaram a não dar. Mas depois decidi que ficaria apenas como hobby.

Bateu à porta de quantos bancos?

Concorri ao Prodesi com dois projectos, zero. Vi ao meu lado pessoas cujos projectos foram aprovados, mas vai lá ver os resultados… Não conheço nenhum do Prodesi naquela região que tenha vingado. Portanto, contactei quatro bancos. Houve um que me disse “sim”, mas eram juros tão elevados. Ia suicidar-me, o projecto ia morrer se eu tivesse recebido. O Prodesi tem a vantagem que os juros são bastante mais baixos.

Mas o Prodesi tem limitação nos produtos e o vinho não está entre produtos abrangidos…

Sim, o vinho não está.

Portanto, foi por isso que não foi aceite…

Pode ser, mas também acho que devem entender as características de cada uma das regiões. Por exemplo, eu sei que o Prodesi deu apoio aos caranguejos, também não faz parte da lista de produtos. Acho que deve haver uma adaptação aos produtos que mais se produzem e característicos para cada região mesmo que não façam parte desta lista. Tem de se abrir uma excepção como se abriu aos caranguejos. Não estou a criticar, pelo contrário. Tenho pena é que não tenham feito o mesmo com o vinho.

Mas…

Deixe-me contar-lhe outra que acho também muito importante. Sobre apoios do Ministério da Agricultura. Importei os postos da África do Sul, são de madeira. Os produtos agrícolas têm taxas muito baixas, quando chegaram os postos, taxaram-me 50%. Protestei, contestei, disseram-me que não está previsto na pauta aduaneira e que a madeira é taxa de 50%. É a falta de sensibilidade para apoiar as empresas nacionais. Tenho esta experiência que acho paradigmática, bem ilustrativa da falta de flexibilidade das estruturas estatais. Isto associado à falta de apoio da parte dos bancos… Para a linha de montagem, também recorri a um banco, levei um baile enorme. Foi o comité central deste banco visitar. Apenas pedi uma linha de montagem de baixa tecnologia que custava na ordem de 80 mil euros, levei um baile de três meses. Enquanto estiveram lá, tudo óptimo, fartaram-se de beber vinho, chegaram aqui já não me atendiam o telefone. Pode ser que com outros não tenha sido assim, mas esta é a minha experiência. É uma crítica no sentido de as instituições bancárias mudarem os critérios se, de facto, querem apoiar o crescimento dos empresários.

Não terá batido à porta de bancos sem perfil de financiar, por exemplo, a agro-indústria?

Quando fiz este pedido foi já com este Presidente que tinha determinado que as prioridades deveriam ser a agro-indústria. Era o iniciador da indústria do vinho, devia ser apoiado. E mais: eles provaram o vinho, gostaram imenso, mostrei-lhe os depósitos cheios de vinho que era uma garantia para empréstimo.

Ou seja, não se colocava então a questão da falta de garantia que, muitas vezes, é o discurso usado pela banca para justificar o baixo financiamento ao empresariado?

Eles viram o vinho que eu tinha como garantia, no valor de aproximadamente um milhão de dólares. Mais: este banco tem relações comigo ao nível da universidade, é um dos bancos que recebe as propinas dos alunos e que me conhece perfeitamente. Tenho imóveis que poderia dar como garantia. Na minha opinião, foi apenas falta de funcionalidade do próprio banco, e os bancos não podem tratar assim os clientes. Felizmente, eu tive capacidade para, por mim próprio, avançar, mas há muitas empresas que morrem por estes comportamentos e, em simultâneo, nós vemos que os bancos ajudam empresas que vão à falência e são a maioria. Era um projecto que nunca poderia transformar-se em crédito malparado e, ainda por cima, uma conta irrisória (80 mil euros). Os bancos têm de mudar e os ministérios. O Ministério da Agricultura com essas posturas de falta de sensibilidade… Claro que agora que o ministro esteve lá com o Presidente, é capaz de me abrir as portas, mas é já no fim quando eu já não preciso. Para termos um tecido empresarial forte, os bancos são essenciais, os ministérios são essenciais.

Em suma, está a sugerir que difícil ser empresário em Angola?

Pela minha experiência, muito.

Mas deu-se bem na educação…

Tive sorte porque fui o primeiro. A primeira universidade privada a ser autorizada foi a Lusíada. Ou seja, foi a Católica, mas só começa a funcionar quando a Lusíada apareceu, dois ou três meses depois, mas a licença deles é mais antiga. A situação era completamente diferente, era o primeiro, mas também arranjei tudo por minha conta. Consegui alugar umas instalações à Casa Americana. Depois aquilo começou a dar dinheiro, comprámos a Casa Americana. Não foram precisos grandes investimentos nem grandes ajudas. Foi uma oportunidade que eu soube aproveitar e desenvolver com baixos custos iniciais. Com o vinho é diferente, exige outros apoios e outro tipo de sensibilidade.

Entretanto, o ensino universitário passou por alguns momentos difíceis…

Continuamos, a realidade é esta. Tínhamos uma realidade financeira muito saudável em 2014 e, quando o preço do petróleo começa a descer, diminuíram os números. Porquê? Ou os pais que pagavam as propinas ficaram desempregados. Ou os próprios estudantes trabalhadores ficaram desempregados. Ou porque as empresas que davam bolsas deixaram de poder financiar. O nosso número de alunos reduziu bastante e vimo-nos aflitos com a agravante da pandemia. Ficámos um ano parados, sem receber propinas e as universidades só vivem das propinas. Há outro aspecto: as nossas propinas que, em 2014, correspondiam a 300 dólares, hoje, na maioria dessas universidades, são 60 dólares. Vamos ser realistas: qual é a universidade ao nível do mundo que consegue sustentar-se com 60 dólares. Apenas conseguimos sustentarmo-nos, mas, para fazer investimentos que seriam necessários, não temos capacidade, nem nós, nem nenhuma universidade. Nós até não somos dos piores em termos de números de alunos e consistência. Se temos estas dificuldades, as outras universidades? Estas outras universidades fizeram investimentos altíssimos em estruturas, edifícios e etc. Como podem rentabilizar isso com propinas a 60 dólares? Você não encontra em parte nenhuma do mundo propinas a 60 dólares. Depois falam porque formam mal. Como é que podemos melhorar se não temos capacidade financeira?

E qual seria a solução?

O estado devia subsidiar como em muitos países. Por exemplo, nos Estados Unidos, a opção é nas escolas privadas e não é por acaso que entre as 10 melhores universidades, oito são americanas e duas são inglesas que também são privadas. Ou seja, o Estado prefere subsidiar o aluno numa escola privada porque lhe fica mais barato do que ser ele a investir e a controlar. É uma atitude inteligente e aqui temos características também para isso. Aqui há uma oposição enorme ao privado mas, por outro lado, ao nível do ensino superior, 60% são privados, representa uma fatia enorme. Tem de haver preocupações em apoiar essas iniciativas, claro que seleccionando, apostar naquelas que têm qualidade.

E ainda temos muitas sem qualidade?

Muitas, não posso pronunciar-me muito porque não posso falar dos meus congéneres. Mas, mesmo os nossos alunos, da Lusíada, no geral, a qualidade está a diminuir porque o ensino primário e secundário, que é essencial, tem professores de péssima qualidade. Professores de péssima qualidade no ensino primário, professores melhorezinhos no ensino secundário. Mas há uma coisa interessante. Andamos à volta dos mil estudantes novos, aparecem sempre uns 10 ou 15 que se destacam. Quando identificamos estes, e se nos apercebemos que eventualmente têm problemas financeiros, oferecemos bolsas. As bolsas não devem ser dadas só por ser amigo, por ser família, tem de ser por mérito e capacidade. Isso é que é um bom investimento por parte do país e da universidade.

E qual é a variação dos números de entradas?

Em 2014, as nossas entradas andavam nos 1.500. Este ano, pela primeira vez, ultrapassamos os mil, mas, de 2014 até ao ano passado, foi sempre a descer. Este foi o primeiro ano que tivemos um crescimento, cerca de 7,5% no primeiro ano. Agora, muitos desses alunos, atendendo às dificuldades, chegam a uma certa altura não têm capacidade financeira e desistem.

Quanto valiam as propinas em 2014 em comparação aos últimos anos?

Cinco ou sete vezes mais em termos de valor real da moeda. Não estou a falar em relação ao kwanza, mas em relação ao dólar, que é que me permite fazer equiparações reais. Agora ganho muito mais kwanzas só que o kwanza, naquela altura, valia cem e agora está quinhentos. Portanto, naquela altura, ganhava mais, além de ter mais alunos. Perdi aí uns 40% dos alunos.

E quais são as taxas de incumprimento das propinas?

Curiosamente, este ano estamos muito bem. Os maiores incumprimentos também são no primeiro ano. No caso dos alunos que estão no segundo, terceiro e quarto anos, as famílias, juntam-se e apoiam para concluírem o curso. Ao nível do primeiro ano, os incumprimentos (alunos cujas matrículas são suspensas por falta de pagamento) andam na ordem dos 10 e/ou 15%, não é muito. Notamos, é um grande abandono escolar no primeiro ano porque preferem abandonar e ir embora a deixar de pagar as propinas ou preferem ir embora porque têm más notas. Esses andam na casa do 30%.

Falou dos países que subsidiam os estudos, mas aqui a tendência é contrária…

O que é mau e depois não temos dinheiro. E os professores universitários estão em greve, depois a estrutura que foi construída não tem manutenção. Mais uma vez, temos de ter sustentabilidade. Agora, querer alargar tudo, mas impedir que os privados entrem em determinados domínios e depois o Estado não tem condições financeiras para suportar, isso dá no que dá. Os professores estão em greve há quase dois meses.

E qual é a sua opinião sobre a greve?

Não conheço bem, mas vejo pelos meus professores. Também exigem, mas eu tenho o cuidado de reunir com eles, explicar que não posso estar a dar salários para além da capacidade que a universidade tem de pagar. Tenho este cuidado, mas mantenho um diálogo permanente com eles como também com os alunos quando reclamam que as propinas estão muito altas.

Está a dizer que está a faltar diálogo?

Não conheço bem os números, mas percebo que os professores se sintam injustiçados em termos económicos. Não conheço bem as dificuldades do ministério, mas acho que tem de ser realista, só admitir o número de alunos para os quais tem capacidade para ter professores, eventualmente melhorar um bocado os salários dos professores. O que também sei é que há uma certa falta de diálogo. O ministro é um moderador, não é para mandar nem para criticar, está para ajudar e colaborar. Esta é a minha visão daquilo que é um ministro. Como agora, no Desporto, a ministra está toda orgulhosa por causa da lei do doping. Eu pergunto: o que é que o doping representa no nosso país quando temos atletas que passam fome? Temos de nos preocupar com as coisas de base, temos de ser realistas. Um aparelho para controlar o doping custa milhões.

É desnecessária a lei?

Fui director do Centro de Medicina Desportiva durante quase 30 anos. Quando se pensou no primeiro projecto de medicina desportiva, nos anos 1980, lembro-me perfeitamente que se fez um levantamento dos custos e o que foi pensado é que se adquirisse um aparelho que serviria vários países, porque são caríssimos e a tecnologia é muito sofisticada. Isso para dizer que, se não temos capacidade de controlar, vamos fazer uma lei de doping para quê? Para controlarmos, tínhamos de fazer um investimento louco em técnicos, aparelhos, montar a estrutura. Não é que acho que não seja bom, mas não temos de fazer este espalhafato por uma lei do doping quando sabemos que não vamos poder cumprir nem a 5%.

Será uma lei morta?

Para mim, sim. O único laboratório que existe credenciado em África é o da África do Sul. Como é que vão fazer o controlo da aplicação prática daquela lei? Não é realista.

Considera a privatização das infra-estruturas desportivas é uma solução para o problema, sobretudo, dos estádios de futebol construídos para o CAN de 2010?

Talvez seja uma solução a tentar, mas, se eu fosse empresário que quisesse investir nessa área, não quereria ficar com um estádio desses. Não consigo rentabilizar. Nas condições actuais, consegue-se rentabilizar um estádio? Vai ao 11 de Novembro para ver os jogos de futebol, que é a modalidade mais popular, quantas pessoas é que assistem?

Talvez por falta mesmo de alguém com visão mais empresarial, não?

Não digo que não, mas é preciso fazer um bom estudo de mercado.

Estamos em ano de eleições e, segundo o histórico, surgem muitas oportunidades económicas e financeiras...

Sim, este ano é o ano de aproveitar, vão aprovar tudo, mas é mau, porque, em simultâneo, também se endivida e podem fazer apostas e depois o tiro sai pela culatra.

E temos a ‘sorte’ de ter o petróleo a roçar os 100 dólares, não?

Mas e a produção? Vocês só olham para o preço, esquecem-se de que a produção foi para a metade e porque não houve de fazer investimento nestas áreas.  

A diversificação está a acontecer?

Pelos números não. Acho que crescemos no ano passado e vamos crescer este ano, mas tudo a custa do petróleo. Ainda há dois ou quatro dias, estive a ler uma coisa interessante que desconhecia. Como é constituído o PIB da Nigéria. Sabe qual é a percentagem do petróleo no PIB da Nigéria? 8,9%. Fiquei pasmado. Nigéria é o maior produtor e a maior potência africana.

O empresariado está a fazer a sua parte?

É difícil falar dos empresários. De minha parte, persisti, resisti. Os meus filhos até dizem que fui teimoso para conseguir o vinho. A percepção que tenho é que agora se formou um novo grupo, mas continua a ser um círculo restrito que beneficia em detrimento da classe empresarial. 

Perfil

Tem a ‘mania’ de ser o primeiro

De 71 anos, Paulo Múrias está em Angola desde os 4 anos de idade. Foi basquetebolista, tendo sido o primeiro capitão da primeira Selecção Nacional.  “A primeira medalha que caiu aqui foi no Quénia, terceiro lugar”, recorda. Formado em Medicina, foi o primeiro responsável do Centro de Medicina Desportiva. Iniciou o percurso empresarial em 1990 com o projecto da primeira clínica privada do país, a Medigroup. “Depois, estive à frente do primeiro sistema de evacuações de emergência médica, o MRI” e também foi o fundador do primeiro ginásio de fisioterapia do país, o Fisiomed.