ANGOLA GROWING
SAPALO ANTÓNIO, POLÍTICO E ECONOMISTA

“MPLA é um partido que tem muito dinheiro roubado do cofre do Estado”

Defende que, se no passado, se tivesse optado por um “escrutínio maior” às pessoas politicamente expostas evitar-se-iam muitas das coisas que estão a ser combatidas agora. É favorável à revisão da Constituição ainda que a única razão seja acabar com a indicação pelo Presidente da República dos títulares dos órgãos de justiça e da PGR. Reprova as alianças no combate à corrupção e dá nota positiva à DNIAP. 

“MPLA é um partido que tem muito dinheiro roubado do cofre do Estado”
Mário Mujetes

Qual é a perspetiva que tem para 2020 em termos económicos? 

Poderá ser o resultado das políticas e estratégicas adoptadas em 2019. Vão viver-se as consequências, que poderão ser positivas ou negativas, das políticas de 2019. Do ponto de vista económico e financeiro, a situação poderá agravar-se ou manter-se porque as medidas tributárias que foram adoptadas são inadequadas para a alavancagem da economia. O Governo aumentou e diversificou a base tributária. 

Não se impunha, face à necessidade de outras fontes de receitas? 

Daí que digo que são medidas inadequadas e, até certo ponto, selváticas, porque a vida de qual- quer país depende da economia e, quando falamos em economia, as empresas estão em primeiro lugar. Esta necessidade de o Governo obter dinheiro fez com que tomasse estas medidas com consequências graves sobre as empresas. Muitas já fecharam e outras vão fechando. As que estão a resistir estão em situação crítica, há aumento de desemprego. A médio e longo prazos, o encerramento dessas empresas vai provocar a falta de receita para o próprio Estado. Se hoje aumentou e diversificou os impos- tos para ter dinheiro, a médio e longo prazos, estas medidas irão fazer ricochete contra o próprio Governo. Vai baixar o consumo, as reservas do Estado vão diminuir, a moeda vai perder cada vez mais o seu valor e criar-se- -ia uma situação mais difícil até para o próprio Governo. 

E quais seriam as alternativas? 

O Governo tem de ter uma missão e uma visão. A primeira mis- são deve ser a de tornar o país auto-sustentável. Deve apostar nas políticas e medidas que fortificam, que promovam a economia nacional. Passa necessária e obrigatoriamente pela minimização da base tributária. A diminuição dos impostos estimula as empresas e fomenta o surgimento de novas iniciativas empresariais. 

Além disso, que outras situações? 

Outra questão é o problema das políticas cambiais. O governo destruiu a economia e o rendimento das pessoas com más políticas cambiais. Foi tomando medidas administrativas, aumentando a taxa de câmbio, que é um determinante do aumento da inflação. São medidas que o Governo não deveria tomar. 

“MPLA é um partido que tem muito dinheiro roubado do cofre do Estado”

O BNA justifica a política cambial adoptada com a necessidade de proteger as reservas internacionais. Não é aceitável? 

Não é. As reservas liquidas não dependem da produção da inflação. Do ponto de vista das teorias económicas e financeiras, a inflação é benéfica para o Governo, nunca visa proteger as divisas e quem assim alega não é economista. São teorias que já estão em desuso; que o Governo, quando tem necessidade de dinheiro, deve produzir inflação. Se, de um lado, o Governo produz inflação como fonte de dinheiro, o contrário é absolutamente verdadeiro. O que é que eu quero dizer? À medida que o Governo vai produzindo inflação, vai ao mesmo tempo produzindo desgraça para a própria sociedade. A inflação vai destruindo a economia, a sociedade e as empresas. Com estas medi- das, o Governo está a criar condições para a sua própria destruição no futuro. 

Como assim? 

O que é que faz cair os governos nos países democráticos, em que os poderes dependem do voto? É a crítica situação social e isto resume-se no aumento dos impos- tos, da taxa de câmbio e na escassez de serviços. 

E acredita que, continuando a actual situação económica, o MPLA em 2022 ganhe as eleições? Em condições normais, onde a democracia é plena, onde o poder não depende de manobras fraudulentas, mas sim do voto consciente de cada cidadão, neste momento Angola não teria um governo chamado MPLA. E, se continuar assim, nas próximas eleições, não teríamos um governo chamado MPLA. Estou a falar de países em que o poder é determinado pelo voto livre e consciente do votante, como eleitor. Porque nós, aqui, apenas votamos. Angola ainda está numa situação de apenas votar e não de eleger. Só consideramos o voto eleitor quando o voto determina na mudança política de governação, mas, quando o voto é apenas para formalidade, então este não é um voto eleitor. Em condições normais, este ano o MPLA não vai conseguir ganhar em muitos municípios nas eleições autárquicas e será um prelúdio do seu afastamento em 2022. 

Acredita na realização das eleições autárquicas este ano? 

Como um angolano democrático e federalista, defendo que Angola deveria começar com as eleições municipais em 1975 e 1976, mas quero ter fé que este ano vamos ter eleições municipais. Angola fala das autarquias graças ao PRS e a mim mesmo. No MPLA e em qualquer outro partido, não há ninguém que pode discutir comigo sobre as autarquias por- que, em 2010, se o PRS não estivesse na Assembleia e se eu não fosse presidente do grupo par- lamentar, hoje ninguém estaria a falar das autarquias. O MPLA não deve falar das autarquias. Na comissão constitucional, não aceitou as autarquias municipais. Foi esforço do PRS para conseguir- mos inserir na Constituição as eleições e, mesmo assim, o MPLA encontrou o artifício, que é o gradualismo. 

Como avalia o processo de combate à corrupção?

O MPLA, como pessoa abstratas, e os seus membros, têm mais dinheiro que o Estado angolano. Este dinheiro foi roubado de Angola. Agora pergunto se este partido vai mudar... 

Mas o Presidente apresenta-se como estando a apostar nesse combate...
Combater a corrupção contra quem? O que é que significa corrupção? É preciso percebermos que há corrupção activa e a passiva. E é preciso particularizar bem, vamos falar de roubo e não de corrupção. Vou utilizar a palavra roubo. Alguém pressionou o MPLA a roubar? Não. Então quem rouba é gatuno. Quando estamos a falar de roubo é quando há violência e o roubo da riqueza angolana pelo MPLA e seus militantes foi uma violência, porque provocou morte de muita gente. O próprio MPLA reconheceu o erro e agora dá sinais de pretender combater. Um gatuno não se combate a si mesmo. 

Que avaliação que faz dos resultados até ao momentos?

Não há nenhum resultado. Quando um gatuno rouba e é apanhado mostra-se o objecto do roubo. Se, no momento, não for apanhado em flagrante delito, mas se for provado que de facto roubou o que é que ele faz? Restitui. Alguém viu o dinheiro restituído? João Lourenço não pode andar atrás de um cidadão militante do MPLA que roubou sob insinuação do próprio MPLA, porque o MPLA é um partido que tem muito dinheiro roubado do cofre do Estado. 

É uma acusação... 

Não estou a acusar, estou a afirmar. Os militantes aprenderam a roubar com o MPLA. Nós, por norma, temos o autor moral e o autor material. Os militantes são autores materiais e o MPLA é o autor moral e material. O João Lourenço ou os nossos tribunais tinham que combater primeiro o autor moral e material para dar melhor exemplo e depois associar os autores materiais. 

Mas tem de se começar por algum sítio. A prisão de Augusto Tomás e a decisão do tribunal de arrestar o património de Isabel dos Santos não se podem considerar sinais? 

Quando estudamos estatística e fazemos cálculos, temos os parâmetros. De 0 a 95 é significativo e de 0 a 5 é insignificante. O que é que eu quero dizer? A amostra das pessoas implicadas é muito pequena num universo desta população de militantes do MPLA que destruíram o país tanto do ponto de vista política, social e económico e financeiro. É insignificante. Essas acções são paliativas, é apenas um show que visa rebuscar a confiança e a credibilidade que o MPLA vai perdendo. Vou dar um exemplo: a nível dos municípios, durante anos e anos, muitos roubaram; a nível das províncias muitos roubaram; a nível dos ministérios muitos roubaram. É só Isabel dos Santos ou família José Eduardo dos Santos? É só o Tomás? 

Há quem entenda como um começo...

Não estou a dizer que os bens da Isabel não poderiam ser arresta- dos, mas que estas duas pessoas, no universo de militantes do MPLA que a seu nível roubaram, é irrelevante. O próprio João Lourenço não está em condições de implicar o MPLA no roubo. Esta é uma acção estratégica que visa rebranquear a imagem do MPLA. Este combate à corrupção só tem esta missão porque o dia que houver uma verdadeira justiça... O que está a acontecer é a injustiça contra a justiça. Tinha de ser abrangente e o João Lourenço não está em condições de implicar todos, porque a implicação de todos no processo de roubo de erário implica o fim do MPLA. 

Se se fizer um paralelismo, considerando o que disse e o que aconteceu com a Isabel dos San- tos, está a dizer que o património do MPLA também deve ser arrestado? 

Certo. 

Não admite a possibilidade de o problema estar na liderança que o MPLA teve até então?

Não. Qualquer indivíduo do MPLA, qualquer militante, a todos os níveis, que procura condenar José Eduardo dos Santos, levantar José Eduardo dos Santos como bode expiatório este individuo é um irracional, é um demagogo. Isto não é matéria para perdemos tempo nem discutirmos. O MPLA é gatuno. Vou justificar porque é que defendo que o militante que condena José Eduardo dos San- tos é irracional, pode ser pessoa, mas não é ser humano. O MPLA é uma organização que se rege pelos estatutos, pela Constituição e pela legislação. O estatuto do MPLA diz que a minoria se submete à maioria. Não estou a defender José Eduardo dos San- tos. Quem acompanha o Sapalo sabe que sempre o critiquei e ao MPLA. Falo por uma questão de justiça. José Eduardo dos Santos deveria estar na cadeia, todos eles, incluindo o MPLA. Todo militante que vai contra José Eduardo dos Santos é injusto por isso é que o MPLA é um partido de injustiça. 

Mas admite-se a possibilidade de não passar de teoria a norma estatutária de que a minoria submete-se à maioria? 

Não é só nos estatutos. Na prática também foi assim, nós que não somos do MPLA acompanhámos. Os programas, políticas e medi- das de governação eram defini- dos e aprovados pelo MPLA e o Governo sempre foi o Governo do MPLA. Todos eles saiam em bloco e em corrente a defender a materialização das medidas. José Eduardo dos Santos era apenas o materializador, cumpria e fazia cumprir os estatutos. A responsabilidade máxima é do MPLA. José Eduardo dos Santos é um militante que foi influenciado pelo MPLA. 

Isabel dos Santos deu uma entrevista onde diz que só está na situação em que está por ter sido indicada para a Sonangol com o objectivo de combater a corrupção. Qual é a leitura que faz?

 Estamos a assistir a uma encenação entre o MPLA. Os jovens que têm até 40 e ou 50 anos não conhecem o MPLA. O partido em Angola que teve a pior crise é o MPLA, foi na Zâmbia, quando o Daniel Chipenda ganha a liderança do MPLA. É o que estamos a viver outra vez. Algumas pessoas dizem que o MPLA está coeso, não está. Crises só são aquelas que o MPLA criou nos outros partidos? Agora eles criaram a crise, reconhecem que é crise. Não nos podemos preocupar com essa encenação: falar da Isabel, falar do João Lourenço. Temos de perceber que o MPLA é o male um mal, neste momento, desnecessário. Estão a lutar porque? É por razões políticas? Não. O problema é económico, do dinheiro que roubaram.  

Defende que a emissão da nova moeda visa essencialmente tirar o rosto de José Eduardo dos Santos? 

Esta questão nem é política, mas sim politiquice. 

Como tem estado a acompanhar o dossier das privatizações, considerando que está prevista a privatização de parte da Sonangol? 

Sempre defendi a privatização mas numa perspectiva económica e financeira realista, porque o Estado não pode ter muito peso na economia e o Governo é mau gestor. Mas, quando falamos em privatização, estamos a falar de forma transparente, lícita e cujas empresas são mesmo públicas sem controvérsias, diferente da realidade de Angola ou dessa situação que se pretende. A maioria das empresas que poderão ser privatizadas, os sócios são militantes do MPLA e o próprio MPLA. Questiona-se como é que estas pessoas se tornaram sócios. O MPLA é sócio de muitas empresas. Como é que se tornou sócio? É preciso ser esclarecido antes que o processo de privatização seja efectivado. Ao não acontecer, estaremos em presença de um rebranqueamento de capitais. 

Mas é favorável à privatização da Sonangol?

A Sonangol é uma empresa estratégica, não pode ser privatizada de ânimo leve, porque não é qualquer indivíduo que investe em uma empresa petrolífera. A sua privatização exige cabeças frias. Não basta o Presidente da República decidir. Não, porque ninguém tem confiança no João Lourenço, assim como não tínhamos em José Eduardo dos Santos. Há empresas cuja privatização deve carecer de um estudo profundo. 

Que cartão dá à equipa económica?

Vermelho! Qual é a missão da equipa económica? Em dois anos, as políticas todas tomadas pelo Governo visam de forma negativa o país, a sociedade e o povo. Qual é a missão de governação? É a criação do bem-estar da sociedade. Ninguém pode evocar o tempo de João Lourenço. O Governo é o mesmo. São 45 anos, as pessoas são as mesmas e não há nenhuma palavra económica que a equipa de João Lourença está a falar que a equipa de José Eduardo dos Santos nunca falou.