ENTREVISTA A SÉRGIO DÁVILA, EDITOR-EXECUTIVO DO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO

“Não cedemos a pressões”

07 May. 2018 Nelson Rodrigues Gestão

MEDIA. No mês consagrado à liberdade de imprensa, responsável editorial do maior jornal impresso e on-line do Brasil, o Folha de São Paulo, ‘abre o jogo’ ao VALOR e revela como se sobrevive às várias crises, para se tornar numa referência mundial.

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Gestores de imprensa pelo mundo temem que, a curto prazo, faltem recursos financeiros para a sustentabilidade dos jornais. Como o Folha de São Paulo se vê nesse desafio?

O Folha tem hoje basicamente três grandes fontes de facturação. A principal é a publicidade impressa, que ainda é um factor importante na facturação. Em segundo lugar, a assinatura impressa, que também é um factor importante. E o terceiro chamaria ‘outras fontes de receitas’.

É com a publicidade e assinaturas que pagam as despesas operacionais?

O grupo Folha mantém-se por si só. É um grupo formado por mais de uma dezena de empresas. Mas não só. Mantém-se sem nenhum suporte externo. É o segundo maior grupo de media do Brasil, atrás apenas do O Globo.

Qual foi a facturação em 2017?

Não sei o número de cabeça, mas diria que é algo como 60% para a publicidade e 40% com assinaturas.

Quanto gastam com o pessoal?

É difícil dizer, porque a facturação é calculada de forma global. Os números mais recentes da facturação do Folha são 800 milhões de reais por ano mais de 240 milhões de dólares, com várias rubricas de despesas. Não saberia dizer exactamente quanto cada uma custa e de onde vem exactamente esse valor.

Quem são os donos do Folha?

A estrutura do Folha é diferente dos outros jornais. Os accionistas são três irmãos: o Octávio Frias Filho, o Luís Frias e a Cristina Frias. E um deles, o Octávio Frias Filho, é também o director de redacção e o nosso Publisher. Abaixo dele estou eu, o editor-executivo.

Não se sentem pressionados por grupos económicos ou políticos?

Não. É uma regra que está na ‘constituição’ do Folha, no DNA. É apartidário, independente e pluralista. O Folha não se liga a nenhum grupo económico, nem os seus accionistas, e não apoia nenhum partido. O Folha faz crítica a todos os poderes constituídos, económico, político, ou outro poder, o das redes sociais, por exemplo, que é uma questão que temos debatido muito nos últimos dias.

Teriam a mesma postura se não houvesse o que o vosso manual chama de “vigor financeiro como esteio da independência editorial”?

O que esse princípio quer dizer é que se deve manter a separação Igreja-Estado, ou ‘muralha da China’, como dizem os norte-americanos, entre redacção e área comercial. Mantida essa divisão, tanto a redacção consegue desenvolver o seu trabalho com independência – investigar quem quer que seja, publicar ou apurar denúncias sobre qualquer empresa ou Governo – quanto a área comercial consegue fazer o seu trabalho, que é vender anúncios e conteúdos patrocinados. Nunca houve ingerência dessa área com a outra. Elas são completamente independentes e não respondem ao mesmo gestor.

A que riscos estão sujeitos os jornais sem estrutura financeira compacta?

Se a empresa não é sólida, não é independente financeiramente, o editorial acaba ficando prejudicado.

O Folha nunca se viu tentado a ceder?

Pressões externas sempre existiram e vão continuar a existir. Faz parte do jogo. Mas nunca cedemos. Nem a redacção, nem a área comercial. Nem mesmo quando as finanças internas estiveram para baixo.

Quais são as alternativas quando as receitas quedam?

Tivemos um ano de 2016 muito complicado. Fizemos ajuste grande de pessoal, mas não cedemos a nenhuma pressão.

Nunca se viram em conflito com os conteúdos patrocinados?

Não. Quando decidimos criar o departamento de conteúdos patrocinados, que se chama estúdio-folha, ficou sob a responsabilidade do departamento comercial. Não da redacção. Não tenho nenhuma ingerência sobre esse departamento e lá não trabalham jornalistas da Folha.

Ainda assim, é do interesse do jornal.

Mas não é de interesse editorial. Vende conteúdos patrocinados. Aqui faço jornalismo. Uma área não conversa com a outra. Não se faz conteúdos patrocinados para partidos políticos.

A imprensa brasileira foi acusada de fazer cobertura parcial no caso Lula da Silva e Lava-Jato. Concorda?

Não sei se acampanhou uma série de reportagens que publicámos nos últimos 20 dias, sobre os salários e vencimentos dos juízes, numa rubrica chamada ‘auxílio moradia’. Foi o Folha que começou a fazer esse tipo de reportagem. Procuramos ser equilibrados nesse sentido, de que todos os poderes serão alvos de nossas reportagens, desde que haja o que reportar. O mesmo se deu com o governo Temer. O princípio sobre independência, apartidarismo e crítica é inegociável. Não importa quem está no poder, não importa nem qual seja o poder, legislativo, judiciário, ou executivo. É uma posição de independência absoluta. Pelo menos tentamos que seja assim.

Já foram acusados de parcialidade?

Sim, pelos leitores. Como o Folha procura manter uma equidistância entre as diversas forças políticas, o leitor mais identificado com a esquerda vai achar que o jornal persegue a esquerda. O mais identificado com a direita vai achar que o jornal persegue a direita. É uma posição curiosa. Nenhum outro jornal sofre tanto ataque por esse motivo, porque acabamos desagradando a todos os lados.

A lei de imprensa é cumprida?

A lei de imprensa é observada. Mais do que a lei de imprensa, o que é observado no Brasil é a Constituição. Se se sente de alguma maneira atingido pelo que é publicado no jornal, pode recorrer à lei para que tenha o direito de resposta. Se a justiça decidir que foi injustamente acusado, ou não foi ouvido de maneira efectiva, concede direito de resposta e pode publicar nas páginas do jornal. Temos pouquíssimos casos de direito de respostas concedidos, porque é muito raro que tenhamos feito uma reportagem em que não se tenha ouvido o contraditório, ou não se tenha dado espaço para o acusado se defender.

Já viram um jornalista condenado por violação à lei de imprensa?

Houve, sim, jornalistas levados a tribunais. Mas não houve condenação. A Igreja Universal do Reino de Deus, que é uma igreja muito grande e muito ligada a um partido político, tem uma emissora de TV, a Record. Publicámos uma série de reportagens, mostrando a evolução patrimonial da igreja, como passou de uma operação muito pequena, para uma operação multinacional, que factura milhões e milhões de dólares. A repórter foi processada, numa acção em diversos tribunais pelo país. Teve de responder a centenas de processos e foi inocentada em todos os casos. O jornal e a repórter ganharam em todos os processos.

PERFIL

Sérgio Dávila, editor-executivo e representante dos irmãos Frias no Jornal Folha de São Paulo