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RAUL ARAÚJO, JURISTA E EX-JUÍZ-CONSELHEIRO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

“Não consigo conceber que se ponham os interesses de um partido acima dos interesses de uma nação”

Defende a despartidarização da administração pública e a institucionalização do concurso público curricular para ascensão a cargos de direcção, acabando assim com os interesses partidários. Em entrevista ao Valor Económico, Raul Araújo lamenta que muitos jovens tenham escolhido a política, para se tornarem ricos. Advogado e professor universitário, ex-juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, escreveu uma carta aberta a alertar para as consequências do concurso público aberto pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, para recrutamento de juízes para o Tribunal Supremo. Não dirigiu a carta para o Presidente da República ou para outros órgãos por receio de que a carta fosse parar a uma gaveta. E está convicto de que o processo põe em causa a seriedade do sistema judicial.

“Não consigo conceber que se ponham os interesses  de um partido acima dos interesses de uma nação”

Já teve alguma reacção à carta aberta que escreveu sobre a ile-galidade do concurso público aberto pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial?

Não, não tive e nem é para ter. A minha preocupação foi chamar a atenção para que os órgãos competentes, que tratam dessa matéria, coloquem o processo dentro dos princípios da legalidade. Porque, repito o que disse, cometeu-se uma ilegalidade e, do que tenho vis-to como réplica, chamemos assim para não entrar na questão dos insultos pessoais, o que não me preocupa, porque sempre que falta argumentos, passa-se para a banalização e para os insultos. O que tenho visto, com frequência, é que se diz que o Conselho Superior da Magistratura Judicial pode ou tem competência para não aplicar a lei, se entender que é inconstitucional. Ora, essa é uma competência exclusiva dos tribunais. Não vale a pena estar aqui a explicar determinadas regras e princípios. Presume-se sempre que as leis são constitucionais até que o tribunal competente a declare como inconstitucional. Ora, o tribunal competente não é o Conselho Superior da Magistratura Judicial. É composto por vários juízes, mas aquele órgão não é um tribunal. É um órgão administrativo. Tribu-nais são o Tribunal Supremo, o Tribunal da Relação e os tribunais de comarca. Portanto, confundir o Conselho Superior da Magistratura Judicial com um tribunal é um erro de base, que nem é admissível sequer a um aluno, do primeiro ano da Faculdade de Direito. Este é a grande questão de fundo relativamente a este processo.

 

Porquê que o Conselho Superior da Magistratura Judicial se recusa a observar as novas regras de concurso público para juízes-conselheiros do Tribunal Supremo?

Não consigo perceber ou prefiro não perceber. Porque é uma fla-grante violação tão primária da lei e não é só falha, esse assunto es-tá a ser discutido há bastante tempo. É um assunto que foi preparado, foi discutido. Quando foi aprovada a primeira lei orgânica dos tribunais, de jurisdição comum, a 2 de Fevereiro de 2015, defini-ram-se critérios para preenchimento das vagas, para o Tribunal da Relação. Em 10 de Fevereiro de 2016, foi aprovada a lei orgânica dos tribunais da relação que definiu igualmente os critérios e a forma de provimento para os cargos, do Tribunal da Relação. Foram mediante concurso público, curricular, seguido de uma acção de formação e, desta forma, fez-se o recrutamento dos juízes-desembargadores dos tribunais de relação. Hoje, todos os juízes do Tribunal da Relação, que estão a funcionar, Lubango, Benguela e Luanda, fizeram concurso público curricular e fizeram uma acção de formação no Instituto de Estudos Judiciários e só depois foram considerados, aprovados e nomeados juízes-desembargadores. Esse é o procedimento normal. E eles eram juízes de primeira instância. Na altura, não havia ainda muitos tribunais de comarca, mas tribunais provinciais. Isto foi, em 2018, se não me engano. Não faz sentido que, em 2022, quando já houve um concurso público para recrutamento de juízes para o Tribunal da Relação, quatro anos depois, haja um concurso público, onde se quer que juízes de primeira instância vão directamente para o Tribunal Supremo.

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