ANGOLA GROWING
HUGO MOUTINHO, CEO DO RETALHO DO NOBLE GROUP

“Não fomos buscar uma oportunidade na dificuldade do Kero ou do Candando”

Perspectiva a alteração no modelo de retalho com os formatos de proximidade a ganharem quota de mercado, e coloca o Kero como o concorrente mais directo da Angomart no formato supermercado, apesar de reconhecer a liderança da Shoprite. Em relação ao ano que termina, revela que a situação económica obrigou à alteração profunda de alguns planos.

“Não fomos buscar  uma oportunidade na dificuldade do Kero ou do Candando”

A inauguração da 22ª loja AngoMart a fechar o ano é sinal de um balanço positivo? 

Angomart é a loja número 22, mas abrimos duas lojas, na verdade. A Angomarte e a Dukan, que é a loja número 31. A Dukan iniciou há menos tempo, durante a covid-19. É uma loja de moda e acessórios, que funciona também muito bem. Quanto ao balanço do ano, começamos inicialmente com muita ambição e essa ambição veio de 2022, que foi bom para o mercado de forma geral. Em Março de 2023, houve uma reunião organizada pelo Banco Nacional de Angola, com uma perspectiva de como seria a flutuação do câmbio, a economia do país, com uma visão de um ano e de três anos. Então, investimos e planeámos o ano de 2023 dessa forma. Só que, em Maio e Junho, apareceu um cenário completamente diferente, que nos deixou um pouquinho abalados. 


Refere-se à desvalorização cambial?

Precisamente. Aliás, já no final de 2022, começou uma pequena desvalorização que fez com que, nas commodities e nos artigos da cesta básica, houvesse um bocadinho de ‘over stock’, porque todos tinham planeado um Natal muito forte. Todavia não o foi por causa da desvalorização, houve contração do consumo. No início deste ano, após o escoamento do ‘over stock’ de 2022, a perspectiva estava boa e continuámos a apostar, continuámos com o nosso plano de expansão. Depois veio a desvalorização que fez com que, novamente, tivéssemos que conter muito o consumo. O consumidor voltou um pouquinho mais para o informal, quando meia parte dos retalhistas tinha investido muito em lojas novas. Nos últimos dois anos, o número de supermercados mais do que duplicou e a tendência vai ser a mesma, com novos formatos a aparecerem. Quer dizer que toda Angola, na parte do retalho, está a preparar-se para a formalização do negócio. Só que, em 2023, a partir de Maio e Junho, houve muito mais consumidores a irem para o informal. Resultado: o ‘bolo’ ficou muito mais pequeno e há muito mais operadores. Então, temos de nos readaptar. 


A alteração da conjuntura levou à alteração do vosso plano inicial? 

Completamente. Pelo menos para o Noble Group, todo o nosso plano de expansão ficou congelado. Até final de Junho, continuávamos a abrir lojas, mas depois abrandamos. A loja do Rocha Pinto, que abrimos a 13 de Dezembro, foi construída de raíz, mas toda a nossa expansão, com base em arrendamento de espaços comerciais, ficou em standby.

O que é que estava previsto e o que é que foi concretizado? 

Basicamente, abrimos metade das lojas que estavam previstas. Eram cerca de 10 lojas e abrimos cinco, porque algumas já estavam planeadas no início do ano. Todas as que estavam para o segundo semestre ficaram em standby. Temos vários formatos de negócios na Noble Group. Temos formatos grossistas e retalhos e, como sentimos que em algumas zonas, mais do que as outras, o cliente voltou para o segmento mais informal um pouquinho mais grossista, tentando abastecer os artigos básicos, com um preço mais competitivo, então transformamos duas lojas de AngoMart para Nossa Casa, que é o nosso formato grossista, estando uma loja em Cacuaco e outra no Zango. Temos essa vantagem, podemos jogar com os dois formatos, então não precisamos fechar lojas, passamos de um formato para o outro. E essas zonas, no momento, não estão preparadas para continuar com o formato AngoMart. No contexto actual, era mais relevante continuar com o formato Nossa Casa, sendo o que prevemos também para 2024.


Como é que funcionam os vários formatos? A Nossa Casa é essencialmente grossista, a AngoMart retalhista e há ainda a Banga... 

Primeiro, a Banga não tem nada a ver connosco, é uma marca que não pertence ao Noble Group. A Noble Group está presente aqui há 21 anos e tem dois ramos de negócio. Um, que é a parte do retalho e trading, e outro que é a indústria. Na parte da indústria, temos capacidade instalada em vários tipos de negócios, quer seja bebidas alcoólicas, cosméticos e produção de tudo que é papelão de embalagens de mercadorias. Temos indústria de bolachas e de bebidas não alcoólicas. A nossa indústria é forte em termos de investimeanto, em termos de capacidade, e seguimos os padrões internacionais mais exigentes. Recentemente, a Compal, por exemplo, deixou de exportar de Portugal para Angola e está a produzir localmente connosco. No retalho, temos quatro modelos de negócios. Um, são lojas que se chamam Noble, que estão presentes nas praças, no mercado informal, para abastecer nos bairros. Estamos com esse negócio presente em 17 províncias. Temos o modelo Nossa Casa, que são supermercados grossistas, mas pequenos. Venda essencialmente à caixa. Depois o modelo AngoMart, que é o modelo 100% retalho, e finalmente o Dukan, que é o modelo de modas e acessórios, isso é, não alimentar. 


A AngoMart e a Dukan são as duas marcas mais... 

São as marcas de retalho mais formal, então têm muito mais comunicação e marketing. Temos 31 lojas da Dukan e 22 AngoMart, totalizando 53 lojas. No total, temos 120 pontos de venda. Ou seja, todo o resto são grossistas, quer seja pelo modelo Nossa Casa ou pelo modelo Noble. E o volume de negócio global desta parte a retalho está em linha com o que podemos analisar do país. Quer dizer, 80% continua a ser venda a grosso para revenda e 20% a retalho formalizado e a nossa repartição de venda não foge muito disso, entre a parte grossista e a parte retalhista.


E qual é a explicação para que a Dukan que é marca mais nova tenha mais lojas que a AngoMart? 

Nasceu durante a covid-19, aprendemos muito e aprendemos com os erros, experimentamos e adaptamo-nos. É um modelo de negócio que foi lançado em 2019, e, no início, fizemos como fizemos os negócios todos: tentamos pôr em todo lado e só depois voltamos a sentar. Percebemos os erros, fechámos alguns pontos de venda e repensamos o modelo de negócio. Decidimos que deve ser uma marca separada, não pode ser uma loja que encontramos dentro das lojas AngoMart. Tem de ser uma marca por si só. É uma marca que já está em 10 províncias, temos muito boa aceitação, porque conseguimos definir bem o modelo de negócio. Temos a marca também no Congo e temos a ambição de, em 2024, começar a expandir para outros países.


Esta ambição é apenas para a Dukan ou também para a AngoMart? 

A AngoMart, no momento, não vai ter um plano de expansão para fora do país, e também não vamos ter um grande plano de expansão para dentro de Angola. A nossa ambição é consolidar o nosso modelo de negócio, a nossa gama, criar uma melhor experiência de compra para o nosso consumidor, e isso passa por dois ou três pontos. Primeiro, tivemos, nos últimos dois anos, uma forte expansão da AngoMart, agora o que é importante é cuidar do nosso cliente, proporcionando sempre uma boa experiência. Nos inquéritos que fizemos, somos muito atentos à opinião do consumidor, para nos adaptarmos, e estes reconhecem em nós o serviço, a qualidade, a experiência de compra, o espaço qualitativo. Mas, por outra, algumas pessoas começam a ter medo de entrar nas nossas lojas, pensam que os preços vão ser caros porque as lojas estão com um conceito bastante premium. Por isso é que iniciámos, e está a ter uma boa adesão, uma campanha em que escolhemos cem artigos e garantimos o melhor preço do mercado. E esses artigos não são só de cesta básica, são artigos que achamos que fazem parte dos artigos básicos para os consumidores. Por exemplo, o guardanapo não faz parte da cesta básica, mas faz parte dos artigos essenciais que o consumidor vai comprar no cabaz mensal. Esse é um dos pontos onde nos focamos. Um outro ponto é o facto de ter mais serviço dentro da loja. A AngomArt como retalho nasceu há dois anos e meio. Quando começamos, em 2014, era semi-grossista, não estava bem claro. Decidimos, há dois anos e com a loja do Talatona, que foi uma das primeiras, transformar completamente o conceito 100% retalho. Agora o consumidor quer mais e nós temos de proporcionar mais. 


A AngoMart já foi dos supermercados mais procurados devido essencialmente aos preços baixos. Foi propositado? Foi uma espécie de ‘dumping’ para conquistar mercado? 

A leitura tem a ver com a forma como passamos a mensagem ao consumidor. Nós renomeamos as lojas. Talvez tenhamos o parque de lojas mais recente, mais adaptado à evolução do mercado. Quer dizer, uma experiência de compra top, mas com preços baixos. Os nossos preços são competitivos, respondem à necessidade do consumidor. 


Como é que faz a gestão desse binómio: qualidade alta e preços baixos? 

A resposta é muito simples: por exemplo, em 2024, vamos ter padaria em cada ponto de venda. O cliente poderá comprar pão feito no local. Estamos quase prontos nas lojas todas, em Janeiro em 100% das lojas vai ser assim. Oitenta  artigos produzidos no local, pelas nossas equipas. Isso requer qualidade. Somos como as outras empresas todas, somos inspecionados. Então, se alguma coisa não estivermos a fazer bem, coloca pressão em nós. A partir de Janeiro, também vamos iniciar, quase nas lojas todas, restauração. Também requer qualidade, é assim que queremos mostrar ao cliente o nosso nível de exigência para com a qualidade e a segurança alimentar, é mostrar mesmo que estamos a fazer, abrir o jogo completo. Essa é a primeira parte da resposta. A segunda parte da resposta tem muito a ver com o grupo. Estamos aqui para servir as comunidades, não estamos aqui para curto prazo. Basta visitar as nossas industrias. Queremos ser a preferência do nosso consumidor. Queremos adaptar-nos ao consumidor. Infelizmente, o poder de compra do consumidor baixou. Poderíamos dizer vamos subir os preços, mas não. Uma parte da margem, estamos nós a assumir, porque, de outra forma, não conseguimos manter o preço competitivo para o consumidor vir e querer que a AngoMart seja preferência. 


O investimento feito na expansão e apetrechamento na AngoMart não foi impulsionado pela crise, por exemplo, do Kero no sentido de aproveitar o espaço deixado por este operador? 

Não! Foi uma decisão de querer definir muito bem, a Nossa Casa como um formato grossista, a AngoMart como um formato retalhista. Foi longe das dificuldades que teve o Kero. Vemos os nossos concorrentes com muita humildade, há espaço para todos. Claro que o Kero tem um grande trabalho pela frente porque tem de recriar a marca e repô-la no coração do consumidor. Estão a fazer um trabalho, estão a fazer um caminho e nós respeitamos. Não fomos buscar uma oportunidade na dificuldade do Kero ou do Candando. O nosso lema era “tudo para todos, todos os dias”. Quando abrimos a loja do Talatona, abrimos com um padrão de qualidade muito alto, numa zona premium. Quatro ou cinco meses depois abrimos, no mesmo formato, a loja do Zango III, isso para responder exactamente a nossa promessa, que era trazer “tudo para todos, todos os dias”. Agora, essa mensagem, oficialmente hoje, muda para “somos família”, porque em 2024 vamos iniciar um cartão de fidelidade para os nossos clientes. 


Este ano, foram acusados de vender produtos expirados na AngoMart... 

A garantia é a evolução dos nossos clientes, essa é que a nossa melhor garantia. No formato de negócio formal, pode haver esse tido de prática, mas, a existir, não vai viver muito tempo nesse mercado. O consumidor quer preço baixo, mas quer qualidade elevada e requisitos muito exigentes. Temos de responder a isso. A formalidade no mercado não combina com esse tipo de prática. Não estou satisfeito com o que aconteceu em 2023. O consumidor voltou muito mais para a informalidade e aí não posso dizer o que se passa. No sector formal, há regras que são definidas, há padrões definidos pelo Governo para a qualidade e segurança alimentar. 


Ainda este ano, houve denúncias de sumos com datas vencidas na Future Group. Como é que o consumidor pode ter a garantia de que isso não volta a acontecer? 

Não é uma questão de voltar ou não voltar a acontecer, isso não acontece. Sabe qual é o poder das redes sociais... Podem danificar a imagem de uma empresa ou de qualquer marca, de um dia para o outro. E isso, felizmente, requer alguns controlos. Já abrimos completamente o jogo e deixamos as entidades que foram fiscalizar fazer o seu trabalho para confirmar que estava tudo em ordem. Sobre o risco, de um lado nós temos responsabilidade, mas, quando esse tipo de informação vem, tem de ter fundamentos. Quando não tem fundamentos, danifica a imagem de uma marca de forma grátis, e isso é muito grave. 


Então, o que é que esteve de errado? Aquelas imagens eram verdadeiras…

Já expliquei. Denúncias que prejudicam de uma forma grátis, sem fundamentos a imagem de uma empresa. É só isso. Mas o que aconteceu connosco também aconteceu com outros, e depois as entidades que vão fiscalizar fazem o seu papel. 


A nossa escolha em entrevistar a liderança da AngoMart para a última entrevista do ano baseou-se na ideia de terem sido a marca que mais exopandiu, mas pelo nos apresentou, parece que não foi bem assim…

A leitura que fez, se for nos últimos dois anos, com certeza que sim. 

Não foi o caso específico de 2023.

A evolução da economia e do câmbio fez com que outros formatos começassem a nascer. Temos concorrentes que também não ficam parados e o mercado tem de se adaptar. A situação vai muito mais pela informalidade, muitos mais pela proximidade. Tudo custa: combustível mais caro, táxis caros, tudo custa mais caro. Então, as lojas de proximidade que conseguem oferecer alguns artigos da cesta básica, no momento, podem ter mais destaques. Vai ser uma tendência para muitos anos? Não sei! Depende muito da evolução do país. Como temos 10 mil referências na loja, conseguimos observar rapidamente a alteração na tendência dos consumidores. Começam a privilegiar muito mais o preço do que a marca. É bom para Angola. A verdade é que o consumidor concentrou as compras nos artigos essenciais. Então, em 2024, vão ser as lojas de muito mais proximidade que vão oferecer artigos básicos, mesmo nos artigos essenciais.


Além da impossibilidade alteração do programa de inaugurações de lojas que outras mexidas foram forçados a fazer pela situação cambial. Têm, por exemplo, atrasos nos pagamentos a fornecedores?

Felizmente, cumprimos com os nossos compromissos. A verdade é que o impacto principal é para o consumidor final. O segundo impacto é para os empresários que estão aqui presentes, já há muitos anos. Para o consumidor final, os preços subiram de duas formas. Nos artigos importados, estão indexados ao dólares e, nos artigos locais, têm sempre uma componente importada, porque não são 100% locais. O terceiro impacto em termo de preço são algumas decisões de cancelamento ou de restrição de algumas licenças de importação de alguns artigos, quando a capacidade local não está ainda bem instalada. 

Depois há uma certa demanda e, se eu não consigo importar esses artigos, tenho de comprar localmente. Mas localmente não dá para abastecer o mercado e o preço sobe. Mesmo alguns artigos locais acabaram por subir muito mais, por causa desse tipo de decisões. Na parte da indústria, é o mesmo. Quando se tem um artigo que precisa de uma parte de matéria-prima importada, e essa mesma matéria-prima não dá para importar mais, tem de comprar localmente. É o que acontece com as bolachas, batatas fritas, em que, por exemplo, o óleo de palma era importado, o que serve de base para esses artigos. Deve comprar-se localmente e, se não há oferta o suficiente, o preço sobe. Podemos dizer que devemos sair da dependência do dólar. Quer para a produção local quer para os produtos importados, continuamos a depender muito desse câmbio. Portanto, cada vez que houver uma desvalorização, haverá sempre impacto na evolução do preço. Vai ser igual daqui a dois anos, cinco anos? talvez não! Mas para o timing de cortar ou impedir a importação de algumas matérias-primas, de restringir as licenças, é um pouco cedo. 


Estas medidas protecionistas também servem também para controlar a saída de divisas de forma desordenada e, em alguns caso, por uma questão de segurança alimentar. Concorda com estas preocupações?

Numa questão de tirar dólar é que, se comes fora, tens que pagar em moeda forte, não tem como. 


O que se passa é que, muitas vezes, o importador vai importar mercadoria de 20, mas transfere 40…

O problema não é a taxa de importação, não é a licença, o problema é o controlo da importação. Se alguém compra 100, tem de receber 100, ponto! Somos a favor desse tipo de controlo, porque depois entram no mercado produtos importados que acabam por ficar muito mais competitivos do que o produzido localmente por causa de algumas técnicas.

O grupo também tem investimentos na indústria. Hoje, como olha para a concorrência com os produtos importados, por exemplo, o caso da bolacha e dos sumos que também já são produzidos aqui. Como é que olha para essa concorrência?

Os sumos são uns bons exemplos. Houve um trabalho que foi feito de forma faseada, levou algum tempo. Na verdade, as bebidas, no geral, sejam alcoólicas ou não alcoólicas. A maior parte agora é produzida localmente. Veja o caso da Compal. Como a taxa de importação é grande, decidiu produzir aqui. Em Angola, temos uma grande oportunidade à frente, porque temos capacidade industrial e muito dos grupos internacionais agora são muito mais sensíveis ao impacto do carbono, o que os obriga a produzir localmente. Então eles vão localmente produzir nas indústrias que respondem aos requisitos. A Compal, por exemplo, produz na Future Group, com requisitos e padrões de qualidade muito elevados. Isso permite diminuir para eles o impacto do carbono, trazer o produto mais perto do consumidor. Há muitas mais que vão fazer isso. Portanto, se apoiarmos bem a indústria local, temos uma grande capacidade para produzir muitas mais marcas internacionais e talvez, a partir de Angola, exortar para outros países da SADC.


E há esse apoio? 

Penso que 2024 vai ser o ano em que o Governo vai comunicar muito sobre o ‘Feito em Angola’. Achamos muito bem e apoiamos isso. O importante é que temos de pensar, primeiro, no Feito em Angola e, segundo, no consumidor final. O consumidor final precisa ter um produto de qualidade com um preço muito acessível. É ali onde dizemos, sim, é preciso proteger o aparelho industrial, mas também garantir a competitividade dessa indústria, face ao mercado. Se pararmos uma licença de importação, quando tem uma empresa que tem capacidade instalada, o resultado é que tem uma situação de monopólio. Se tem uma situação de monopólio, o consumidor final nunca se vai beneficiar. Acho que o timing que foi feito para as bebidas foi um bom tempo, faseado, não foi uma decisão unilateral feita em um mês. Hoje não faz muito sentido importar bebidas. Se alguém quiser consumir um produto internacional, vai poder comprar, mas a um preço muito mais caro. São nichos de mercado, podemos deixar, nunca vai afectar a indústria instalada. É esse exemplo que deveria ser duplicado para os outros negócios. Hoje tomamos decisões, cujo  timing é um pouco radical. Entendo que o Governo tenha problemas de divisas, que tenha reservas limitadas, é verdade. Agora, há um impacto no consumo


Já há problemas com os stocks? 

Já temos. Vamos dar o exemplo do óleo. Não há óleo para abastecer o mercado como deve ser. Compara o óleo entre o preço de hoje e o preço de Março e é um artigo básico para o consumidor.  Limitamos a importação do óleo, mas não há capacidade instalada, no momento, no país para abastecer o mercado. Limita-se a importação de arroz, quando não há capacidade industrial suficiente instalada no país. A fuba funciona mais ou menos. Em muitas das indústrias, sim, haverá a capacidade instalada. Daqui a um ou dois anos, vai haver competitividade, o preço vai baixar, mas o timing é a muito curto prazo. Cortar agora e o consumidor só vai se beneficiar daqui há dois anos. Mas, em um ano ou mais, vai continuar a sofrer com os preços um pouco inflacionados.


A manterem-se essas limitações, como é que olha para 2024?

Primeiro, a oferta de variedade no mercado, de forma geral e no retalho em particular, vai baixar, porque não vai haver possibilidade de importar uma lista bastante alargada de artigos. A oferta vai ficar muito mais nivelada por baixo, no retalho formal. No informal já trabalham muito mais com artigos básicos. É por isso que nos devemos readaptar. Uns vão mais para a proximidade de venda à unidade com artigos básicos. Outros vão, como nós, para formatos onde vamos desenvolver muito mais o serviço, como a carne fresca, restauração, padaria, tudo produzindo localmente. É o nosso caminho para 2024. 


Não há o risco de fecharem lojas? 

Não sabemos, mas não é a ideia. Se houver uma nova desvalorização em 2024, os preços vão continuar a subir, não vão baixar. Se nós poderemos fechar algumas lojas? Acabamos de abrir uma e a nossa ideia não é abrir para fechar. 


Para este ano, comparativamente ao ano passado, que variação se verificou no volume de negócios?

Em kwanzas, subimos. Crescemos a venda, ganhamos clientes. Já em dólares foi um ano muito complicado para todos. 


Como analisa a concorrência?

Há três marcas que, tirando a AngoMart, estão no formato de negócio que pode ser interessante em relação à evolução da economia do país: o Arreiou, o Eskebra e a Fresmart que tem também unidades mais pequenas e consegue adaptar-se. Diria que vai ser o formato proximidade que pode ganhar um pouquinho de quota no mercado. No formato supermercado e hipermercado, cá estamos. E pensamos que poderemos ser nós e o Kero, que continua a desenvolver um trabalho… 


Não coloca a Shoprite nesse grupo?

A Shoprite é considerada pelos consumidores como a mãe dos supermercados. Estão aqui instalados, estão presentes e vão continuar a estar presentes. Disso não temos dúvidas, mas vão continuar no terrenos deles, têm os seus consumidores. Há uma coisa interessante com a Shoprite. É talvez o supermercado mais antigo, muito respeitado, é um supermercado bem organizado, mas que não está ainda no coração dos angolanos. É isso que nós sentimos nos inquéritos que são feitos. O motivo eles sabem melhor do que nós. Mas já estão aqui, estão presentes. No momento, podemos considerar que é o líder do mercado e vai continuar a ser o líder do mercado. Mas quem vai continuar a ganhar quota no mercado são os formatos de muita proximidade. 


A ‘Nossa Casa’ não é um concorrente directo das marcas como o Arreiou, a Fresmart?

Não é. A ‘Nossa Casa’ vende a grosso, já essas lojas vendem a retalho. Podemos dizer que são formatos um pouquinho híbridos, mas na verdade são um segmento de puro retalho. Os clientes nessas lojas podem ter uma oferta muito limitada, mas compram por unidade. No Nossa Casa o cliente compra a caixa. 


No sector da indústria, como é que estão preparados para o 2024?

Tanto na indústria quanto no retalho, vai ser um ano de consolidação. Este ano, tínhamos a previsão de abrir uma indústria de pastas de dente da nossa marca Special, para começarmos a produzir localmente. Continua nos planos, a agenda é que alterou um pouquinho em termos de timing. Agora, saber se vai ser em 2024, veremos a evolução da economia. O nosso foco é consolidar, seja no retalho ou na indústria. 


As marcas produzidas pelo o grupo Noble são vendidas, essencialmente, na AngoMart e Nossa Casa, certo?

Nós estamos presentes em quase os segmentos todos. Ou talvez não conheça as marcas todas, produzimos mais de 40 marcas localmente. Se eu vou para as bebidas alcoólicas, a marca Evloc, consegue encontrar em quase todo o lado, não só nos supermercados, mas nos restaurantes, nos bares e outros sítios. Temos nas bebidas alcoólicas cerca de cinco ou seis marcas, que são Beevok, Kira, Escape, Havelock e JackMan´s. Estão presentes em todos segmentos. A Compal, por exemplo, está presente em todos os segmentos e produzidos por nós. Temos a Água Azzurl, está presente em quase os segmentos todos. Temos a marca Bom Dia, que está presente também muitos supermercados. Serve, claramente, para abastecer as lojas AngoMart. 


O Valor Económico denunciou irregularidades nas vossas fábricas, no caso, relacionadas com a falta de contratos de água. De lá para cá, o que é que mudou? A propósito, depois da publicação da matéria, recebemos denúncias a darem conta que o mesmo acontece com a energia, por exemplo...

Você foca muito em coisas do passado, comentários e no ouvir falar. Mas posso garantir que a Future Group é uma indústria que está presente no mercado, é uma indústria séria. Convido-o a visitar quando quiser e faço-lhe uma vista guiada para verem o que querem. Se essa indústria, de uma forma ou de outra, fazia coisas que eram fora dos padrões, não existiria nesse país. É o que posso responder. 


A matéria deste jornal não se baseou em comentários, nós verificamos… 

Esta é a minha resposta, já respondi.


Sobre o futuro, que quer falar. É um grupo que veio para ficar ou para facturar e sair na primeira oportunidade?

Temos responsabilidade directa de mais de 10 mil famílias. Não devemos esquecer que este grupo está cá há 20 anos. Há muitos grupos que estão aqui há 20 anos, e alguns, muito mais do que isso. Agora vocês podem comparar a presença desses grupos, hoje em dia, no país, vão perceber quem reinvestiu no país e quem não reinvestiu no país. Posso dizer, e vocês vão constatar, a Noble Group é uma empresa que começou no país; fez naqueles anos bom dinheiro como todos fizeram, e esse dinheiro foi investido no país. Hoje temos 4.450 funcionários, empregos directos, e quase o mesmo número de empregos indirectos. Isso é uma grande responsabilidade. Pelo o investimento que fizemos aqui, pela responsabilidade que temos para com comunidade, estamos aqui, eu espero, para 50, 100 anos.


Já falou da possibilidade de internacionalizar a marca Dukan. Com a AngoMart há essa possibilidade?

Não está nos planos. No momento, AngoMart o plano é mesmo a consolidação, e optimizar o aparelho de produção. Optimizar o investimento que fizemos, quer no retalho quer na indústria. Se olharmos para a AngoMart, 75% das lojas é em espaço nosso e 25% é arrendado. 


Falou algumas vezes sobre a fuga do consumidor para o mercado informal. No entanto, aparentemente, o consumidor está a sair da AngoMart, mas também já não vai ao mercado informal, vai a lojas como a Fresmart...

Vão para o informal. Essas lojas de proximidade ganham pela quantidade de lojas que podem ter, mas o comportamento do consumidor evoluiu muito. O consumidor não vai a um supermercado por causa da proximidade, vai por causa do preço. Se tem uma oferta limitada, mas com o preço bom, ele vai. Hoje em dia, restringiu muito o consumo para artigos básico. Mas isso para todas as franjas. 


Esteve na Maxi, no Mercadão Mwangolé e agora está na Angomart. O retalho angolano está muito distante do que é praticado em alguns dos mercados internacionais? 

O Candando e o Kero trouxeram um padrão de qualidade e uma expectativa que, hoje em dia, continua a existir na mente do consumidor, mudaram o paradigma do retalho. Hoje, o consumidor não tem poder de compra que tinha há alguns anos. O salário mínimo deve estar aí a rondar em volta dos 48 mil kwanzas, mas, se compararmos com o salário mínimo de há 10 anos, que era 28 mil kwanzas, com o câmbio de 100, dava 280 dólares. Hoje o salário é de cerca de 50 dólares. O poder de compra baixou drasticamente. Esses supermercados trouxeram uma expectativa muito elevada, uma variedade muito grande, os preços eram os que eram, mas também o poder de compra permitia, mais do que hoje. O paradigma mudou. O poder de compra diminuiu muito, mas o nível de exigência ficou na mente. Isso é bom, porque obriga todos a adaptarem-se.  Muitos que vêm de fora não consideram Angola como um país de África, consideram Angola como um país muito mais estruturado e mais organizado em termos de retalho do que muitos países vizinhos. Acho que isso é algo muito positivo que, talvez, eles trouxeram no início e que hoje os operadores continuam a tentar garantir o que o consumidor exige. O nível de exigência do consumidor angolano é talvez mais mais alto do que a média e achamos muito bom.


A propósito da questão se a AngoMart não aproveitou o espaço deixado pelo Kero, foi essencialmente por esta leituraAfinal a leitura não está totalmente errada, foram inspirados por estas marcas? 

Sinceramente, não fomos inspirados. Essa loja (AngoMarte Talatona) foi construída bem antes das dificuldades do Candando ou do Kero. O problema era interno, a dor de cabeça era mais interna, era saber qual é a nossa agenda. Somos semi-grossistas ou somos retalho? O Nossa Casa tinha o mesmo problema. Então, como um fazia um pouquinho de tudo, decidimos que um seria grossista puro e o outro, retalhista puro. Essas lojas, cuja construção já havia iniciado muitos anos antes, não tinham arrancado só por não se saber exactamente o que se ia fazer com esse tipo de formato. Uma vez que os gêneros foram bem definidos, arrancamos com as lojas.