ANGOLA GROWING
FONSECA LOPES MARTINS ‘WOCHAY’, EMPRESÁRIO E GENERAL

“Não há investimentos para futuras gerações”

Depois de ‘compulsivamente’ ter sido ‘empurrado’ para a reforma, decidiu investir. Fonseca Lopes Martins aconselha o Governo a combater “seriamente a corrupção” sob pena de perder credibilidade. Garante ter alcançado o sucesso sozinho, sem usar o nome ou a patente. Critica quem está rico hoje, “em vez de esticar a mão para ajudar os outros a pular, também procura empurrá-los ainda mais para baixo”.

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Quando começou a vida empresarial?

Fui aconselhado por um português. Disse-me que quem quisesse ter futuro risonho em Angola devia apostar na exploração e transformação de inertes. Abracei o conselho no final dos anos 1990. Legalizei uma parcela nas Palmeirinhas (para a exploração de areia), a burgaleira no Panguila, uma pedreira que funcionou numa antiga infra-estrutura da extinta Ecocampo, mas actualmente ocupada por uma fábrica de cimento.

Perdeu a pedreira?

Exactamente. Fui expulso por pessoas às quais não me quero referir para não ferir sensibilidades. Daí tive de encontrar outras saídas para a exploração de areia no Panguila e instalei-me nos escombros de uma antiga fábrica de detergentes destruída pela guerra. O meu objectivo não era ocupar apenas a infra-estrutura, mas sim a exploração de areia que se inicia em 2000. Quatro anos depois, evoluímos e decidimos ‘atacar’ o imóvel começando pela sua legalização através da Direcção Nacional de Habitação. Uma equipa técnica fez o levantamento e aplicou-nos uma renda de 700 dólares mensais. O Estado também cobrava em dólares. Reabilitámos o imóvel ao mesmo tempo que dava ‘corpo’ à Flomar, minha empresa de exploração de inertes que tem igualmente uma componente agrícola. Também criei a Satos, para o fabrico de materiais de construção civil e para a indústria, mas está paralisada há cerca de quatro anos.

Porquê?

Por incapacidade financeira, abri o negócio da Satos a um parceiro espanhol que entrou com os equipamentos. Chegámos a produzir moageiras, charruas, enxadas, chapas de zinco e casas contentorizadas algumas das quais vendidas à Bromangol. A produção estava assegurada pelo sócio espanhol enquanto me envolvia na criação do consórcio ‘Comandante Loy’ de apoio aos antigos combatentes e veteranos da pátria. Infelizmente, o sócio espanhol não prestava contas, nem honrou pagamentos devidos ao Estado incluindo rendas. Acabou por colidir com outros intervenientes e por fim venderam-se as acções. Então, passei a ser o único sócio da Satos. Só que a ‘Habitação’, que nunca se interessou por isso, me notificou para o ressarcimento das rendas em atraso e não teve sequer em conta que gastámos ‘rios’ de dinheiro para reabilitar o escombro.

Mas vai ter de pagar ao Estado?

Temos sim ‘makas’ com as rendas, somos angolanos e vamos procurar resolver. Temos igualmente o problema de 50 trabalhadores dispensados, mas que poderão voltar logo que retome a produção.

Quanto é que investiram?

São despesas na ordem de dois a três milhões de dólares. Naturalmente, teríamos retorno assegurado se esse ‘monstro adormecido’ estivesse a trabalhar. Mas não, actualmente por falta de matéria-prima.

Os equipamentos não estão quantificados?

Podemos estimá-los em mais de 50 milhões de dólares. A Satos é uma fábrica com uma enorme capacidade de produção que, em pleno funcionamento, pode reduzir o recurso às importações. Infelizmente, está parada desde 2014 por falta de divisas para importar apenas chapas e alguns sobresselentes, porque o resto podemos encontrar no mercado local.

Deve ir aos bancos em busca de financiamento?

As ‘portas’ estão sempre fechadas. É que você não tem como avançar se não tiver portas abertas na banca. É muito difícil entrar por ser um circuito muito fechado. Também nunca fomos acarinhados pelo Governo. Aliás, as autoridades da província do Bengo ignoram a fábrica, quando, na verdade, aqui temos uma indústria metalomecânica única na província que pode ter uma palavra na diversificação da economia.

Não acha que este seria o momento ideal para pôr a funcionar a fábrica?

A entrada de chineses prejudicou a produção nacional e nós não fugimos à regra. Com a crise financeira, o que produzimos a um determinado preço, os chineses baixam. Logo, não conseguimos competir. Esta é a realidade e basta dizer que a maior parte das fábricas de bloco de angolanos desapareceu. Os chineses ocuparam esse mercado.

Sente-se desmotivado por isso?

É preciso proteger os nacionais. O Governo deve valorizar os nacionais como filhos de casa. Fora desse quadro, não temos hipóteses. Sabe que os chineses que cá entraram têm apoio do seu governo e dos bancos. Aqui é o contrário, fazemos um projecto, levamos à banca e fica ‘engavetado’ sem resposta.

O seu nome não abre ‘portas’ a exemplo de outros ‘maquizards’ hoje transformados em grandes empresários?

O meu nome é o meu nome. Nem todos gostam de mim. Para muitos, nem sequer querem ouvir falar e, estando longe, então é melhor. O posicionamento de cada angolano conta muito. Estamos num país em que uns saíram do nada e, de repente, viraram alguma coisa. Então uns viraram alguma coisa e outros estão reduzidos à insignificância, portanto, nada representam. Os que viraram alguma coisa não querem sentir o cheiro daqueles que não viraram nada. Estamos nessa luta e há uma equidistância entre aqueles que conseguiram saltar o muro e outros não. Os que saltaram, em vez de esticar a mão para ajudar os outros a pular, também procuram empurrá-los ainda mais para baixo.

Combateu pela pátria nas trincheiras do MPLA e das Forças Armadas…

Se notarmos bem, dizem que os antigos combatentes são apoiados. O Governo tem feito algum esforço, mas ainda não é nada, é zero. ‘Não se pode dar peixe a quem tem mar’. O que o Governo está a fazer é dar peixe em vez de ensinar a pescar. Desta forma, os antigos combatentes tornam-se preguiçosos. Portanto, não há inovação.

E o seu caso?

Deixei de trabalhar para o Estado, saí do partido e das Forças Armadas e, a partir daí, comecei a lutar sozinho. Não me queixo da vida, Deus abençoou-me e, através do meu suor, não digo que sou rico, mas, pelo menos, estou a caminho da classe média.

Caminhando ‘sozinho’ nem sempre chega longe. Teve ou não algum ‘empurrão’, sabendo-se que é general na reforma e sempre teve ‘fortes’ laços de amizade com ‘altas patentes’ e governantes?

Em Angola, pensa-se que todo o general é abastado. Aliás, uma vez, em Portugal, um taxista também queria comparar-me ao general ‘Kopelipa’ e outros, mas, na vida, cada um tem o seu cantinho. Eu não fui contemplado.

Perdeu o ‘comboio’?

Conheço bem o ex-Presidente da República, bem como o general ‘Kopelipa’ e outros. Demo-nos bem, somos amigos da mesma geração, estudámos juntos, muitos dos quais estivemos na mesma trincheira. O problema que se coloca é a tal cooperação. Como é que colegas que estiveram juntos a comer o mesmo bombó com ginguba, de repente, estão do outro lado e você não? Mas, é como já disse, uns ‘pularam o muro’ e outros não e ficámos nessa contingência. Se analisarmos a história do nosso país depois da independência e estudarmos esse fenómeno, fica complicado. Os cientistas angolanos devem fazer pesquisas a esse respeito.

Sente alguma amargura?

Não, sou feliz porque tenho Deus e a minha vida é regida por uma doutrina cristã.

Como olha para a actual governação?

Construímos uma vida em termos de angolanidade em que há uma classe que se situa como alta e outra baixa. Mas a classe média não tem força, formação de qualidade nem poder aquisitivo. O povo ainda não beneficia do bem-estar. Se, nas cidades, há alguns sinais de progresso, no campo não há nada. O campo está abandonado.

O que espera do Presidente João Lourenço?

Se se mantiver o sistema, o país não terá futuro. Espero que o Presidente João Lourenço continue com a coragem de travar algumas coisas. Deve combater a sério a corrupção. Se não o fizer, o que pode ocorrer é o descontentamento geral. A juventude, de tanto cansaço, pode ‘explodir’. Não se pense que todos os que vão às reuniões ou aos comícios estão satisfeitos. A juventude precisa de ser bem cuidada com uma séria educação patriótica. Se o seu filho estiver a andar num Jaguar e o meu nem sequer tem uma trotinete, já se pode imaginar o que pode acontecer. Esse é o grande perigo.

O que deve ser feito?

Primeiro, é preciso pedir desculpas ao povo pelos erros do passado. Precisamos de curar feridas do 27 de Maio. Fomos às matas com o sonho de libertar o povo para que cada um à sua mesa não faltasse um pão. Vemos hoje que o angolano é humilhado dentro do seu próprio país. Um estrangeiro leva-te à polícia por um motivo qualquer e, mesmo tendo razão, você fica e ele vai para casa.

Como vê a corrupção?

É um fenómeno que, em grande parte, vem de fora. Saindo do Benfica pela Via Expressa até Cacuaco vemos chineses com grandes áreas. Como é que conseguiram esses terrenos se não estão cá há 20 anos? Alguém está a emitir documentos.

As cidades, como por exemplo Luanda, mesmo com tantos investimentos, continuam com problemas de energia eléctrica e água…

Isso tem que ver com políticas mal traçadas. ‘Temos de ter cão para acabar com os problemas’. O gato caça e come, mas o cão caça e entrega ao dono que é o povo. É por isso que temos uma diferença fenomenal entre ricos e pobres. Toda esta economia, ou seja, a exploração de petróleo deve visar o cidadão. O Governo faz algum esforço, mas repete-se a história da ‘caça com gato’ que primeiro come depois fica os sobejos. Temos de ter a visão de fazer investimentos a longo prazo, não pensemos como partido, mas sim como Estado. A confusão radica no partido-Estado. Quem governa deve saber que pode haver alternância num horizonte de cinco anos. É preciso governar para um período. Logo, quando se fazem as leis, estas são aprovadas para proteger interesses pessoais, esquecendo que podem virar-se contra nós um dia. O novo Governo deve olhar para esta componente com muita seriedade.

Não está a ser explícito…

O que devíamos fazer, em termos de investimentos, é olhar para futuras gerações. Pensar no que devemos deixar para elas. O que há é muito tímido e ‘cheira a cor partidária’. Acarinhar os jovens com projectos apenas por altura das eleições não faz sentido.