Óscar Silva, vice-presidente da ANIMA

“Não somos tão ricos assim em florestas produtivas”

ENTREVISTA. Empresário e vice-presidente da Associação Nacional dos Industriais e Madeireiros de Angola (ANIMA) defende que haja investimento na plantação de florestas com objectivos industriais. Acredita que o novo pacote legislativo vai afugentar do negócio grande parte dos estrangeiros que apostaram na madeira para apenas fazer face à crise das divisas e alerta que a riqueza de Angola, em madeira, poderá não ser tão elevada como se pensa.

Grande Entrevista VE 119

Que avaliação faz do estado das empresas, considerando as incertezas sobre a abertura do ano florestal?

A avaliação é negativa. As empresas estão paralisadas há seis meses e, como consequência, estão a atravessar uma crise terrível. A maior parte está a ser obrigada a suspender os trabalhadores, umas fecharam completamente. É um cenário que traz problemas graves às empresas, principalmente na relação com os financiadores e também com os clientes, porque há contratos que não foram cumpridos, o que é sempre negativo. As empresas angolanas já eram exportadoras, tinham criado uma boa imagem e só por isso exportavam, porque os mercados de destino são muito exigentes. Esta boa imagem perdeu-se completamente. É preciso voltar a conquistar essa confiança.

O que a associação tem feito para melhorar a relação dos associados com os vários parceiros?

Temos estado em contacto permanente com o Ministério da Agricultura e Florestas, consideramo-nos parceiros activos. Fomos, por exemplo, participantes do novo pacote legislativo. Junto dos bancos, temos apoiado os nossos associados para que a banca compreenda a situação, que é de força maior. É necessário que os prazos de reembolso sejam dilatados de forma a que se permita a sobrevivência das empresas. Junto dos clientes, temos feito tudo para que compreendam esta situação, mas, como sabe, a distância, às vezes, é inimiga da compreensão.

A Ásia, sobretudo a China, é o maior destino da madeira angolana. É verdade?

É, de facto, verdade, a partir de 2015. A crise financeira permitiu a entrada de indivíduos estranhos ao sector que, com muito capital, alteraram o quadro que se mantinha. Incidindo, essencialmente, sobre uma espécie de madeira existente no Leste de Angola, muito procurada nesse mercado. Mas, antes disto, o principal mercado das empresas nacionais era a Europa e um bocado a Ásia e, no caso, a China. As exigências para exportar para a Europa são grandes. Se as empresas cumpriam, quer dizer que não estava tudo mal.

Os florestais sempre se focaram apenas na exportação, ignorando as necessidades do mercado local?

A capacidade de produção da indústria nacional já implementada é suficiente para abastecer o mercado local, mas há uma margem grande para a exportação. O mercado nacional não absorve mais de 40% da produção da primeira transformação. A indústria da carpintaria, ligada à construção, e mesmo a da marcenaria, são perfeitamente abastecidas pela produção nacional. O problema é que a madeira maciça, proveniente da floresta natural, é um produto caro. Há aplicações na construção civil que não dão para usar a madeira maciça, tornariam as obras mais caras. Por isso é que a construção civil ainda importa muito material ligado à madeira como portas prensadas, aros que são feitos com placas prensadas que têm origem na floresta de outros países.

Há margem para novos negócios abastecidos pela madeira maciça?

Ainda há muita coisa por ser feita. Por exemplo, investimentos em fábricas de contraplacados e de laminado decorativo em algumas províncias com espécies florestais próprias para este fim. São a melhor forma de utilização racional da floresta natural.

Em algumas ocasiões, o senhor defendeu o investimento em plantação de florestas industriais. Continua a defender isso?

Este é um outro nicho de mercado. O negócio florestal, para ser forte e participar de forma intensiva na economia nacional (não só importando divisas, mas também resolvendo parte do problema do emprego e, consequentemente, da pobreza), tem de entrar na plantação florestal para fornecer matéria-prima à indústria de prensados e assim poder fazer fábricas de móveis ou mesmo voltar à produção da celulose. Nós, em Angola, ainda não estamos metidos neste negócio. Ainda não há o objectivo de plantar para a indústria, pode haver algumas intenções, plantam-se alguns eucaliptos, mas não existe um objectivo concreto de plantar para a indústria nacional.

Se não existir esse objectivo, vamos continuar a importar todos os móveis?

O país vai sempre importar porque fazemos parte de um mundo global, mas também porque a cama de madeira maciça, por exemplo, é mais cara do que a feita com placa de madeira prensada e a população geral não tem acesso aos produtos de madeira maciça. Antigamente, tínhamos uma fábrica de contraplacado, mas nem mesmo o contraplacado serve para fazer tudo. Mas também já não temos esta fábrica. O que precisamos é entrar no negócio da floresta plantada para podermos produzir as placas para fazer as mobílias. A madeira natural dá para as carpintarias e, mesmo assim, são mais caras do que as feitas com madeira prensada.

A associação tem levado esta preocupação ao Governo?

Temos dado a conhecer e sabemos que o Executivo tem esta ideia, mas ainda não é um objectivo fundamental. O que a ANIMA gostaria é que o Executivo a tivesse como objectivo imediato, porque só assim se pode pensar em desenvolver a indústria.

Como a associação se defende da acusação de que não investem quase nada na reflorestação?

A associação não se revê nesta acusação, porque a exploração florestal é feita 90% em florestas naturais. Desde que ela seja uma exploração sustentável como exige a lei, a recuperação da floresta natural, é normal e natural. O que o novo regulamento impõe, e nós concordamos, é que os empresários florestais têm o dever de plantar espécies junto das suas explorações e em quantidade correspondente ao seu abate. É uma medida que vem ajudar a reflorestar as zonas degradadas. Mas são coisas diferentes, porque reflorestar é uma coisa e plantar para a indústria é outra.

A ANIMA revê-se totalmente no pacote legislativo que foi aprovado?

Plenamente, porque também contribuiu muito com o seu saber para esta nova legislação e considera que é fundamental para que se evitem, no futuro, os problemas que aconteceram. O discurso da associação, muitas vezes, parece excessivamente proteccionista e está contra novos operadores, sobretudo estrangeiros… É completamente errada essa leitura. Somos apologistas de que o sector florestal é uma riqueza dos angolanos e tem de ser bem gerida porque a floresta natural tem de ser explorada com sustentabilidade. Todos os empresários que quiserem entrar, desde que cumpram as leis, podem associar-se a empresas nacionais e participar. Não somos contra ninguém, mas a favor da lei porque se nós, nacionais, temos de cumpri-la não permitimos que outros não a cumpram.

O negócio da exploração não será orientado pela lei do investimento privado que retira a obrigatoriedade das parcerias com nacionais?

A lei das florestas e o seu regulamento não permitem que estrangeiros explorem sozinhos.

Quanto é que os empresários florestais investiram nos últimos anos?

Nos últimos 10 anos, as empresas nacionais fizeram muitos investimentos porque a exigência do mercado obrigou. Houve investimentos muito grandes, estamos a falar de dezenas e dezenas de milhões de dólares. Em cada província, existem duas ou três empresas altamente organizadas, bem apetrechadas tecnicamente, com competência, e até a nível dos recursos humanos foram feitos grandes investimentos. É preciso conhecer melhor a transformação da madeira e não se conhece.

Porquê?

Porque este sector está instalado junto das zonas de exploração. É preciso visitá-lo, conhecê-lo e ver a sua importância na comunidade para que se lhe dê o valor que merece. Bem regulado, vai ser um grande sector de exportação porque existem condições técnicas para que as empresas exportem em quantidade e qualidade. No novo pacote legislativo, houve preocupação do Executivo em melhor regular a exportação para evitar fugas e para permitir que as divisas entrem nos bancos. Quem vai exportar, por exemplo, tem de apresentar a carta de crédito do comprador, além do mais, e o que é mais importante para mim, é que existe uma tabela de preços obrigatória. Ninguém pode exportar uma espécie de madeira a um preço inferior ao que estiver na tabela.

É certo acusar apenas os estrangeiros, que passaram a investir no negócio nos últimos anos, de se aproveitarem da fragilidade das leis ou os nacionais antigos também foram aproveitando?

Sempre fomos obrigados a pôr as divisas resultantes das exportações nos bancos nacionais e sempre fizemos isso. Quem desmontou tudo isso foram estes que chegaram em 2016 e 2017.

Qual foi o resultado das exportações antes deste período?

Não é muito fácil adiantar porque a associação não controlou estes aspectos, mas, com a anarquia, entrou menos, mas exportou-se muito mais em 2016 e 2017. Basta ver o resultado do trabalho exemplar que o Executivo fez na apreensão da madeira ilegal. Foram milhares de contentores que não cumpriam normas, eram explorados ilegalmente e nenhuma das nossas empresas está envolvida nestes problemas.

O novo pacote legislativo vai terminar com esta situação?

Vai terminar, porque o Ministério da Agricultura está muito empenhado em fazer cumprir a nova lei e o regulamento e também a nova política de entreposto aduaneiro. Nenhuma madeira poderá sair sem passar por um entreposto aduaneiro devidamente controlado pelas autoridades, além de que, para se obter o processo para a exportação, a empresa tem de, primeiro apresentar a carta de crédito do cliente. Se houver a aplicação rigorosa, a situação vai ser debelada. Mas temos consciência de que são sectores difíceis de controlar. Aliás estamos completamente parados, mas os garimpeiros continuam, é só ver que recentemente 12 chineses foram detidos porque continuavam a cortar.

Qual é o cenário que prevê com a entrada e o cumprimento da lei? Estas pessoas vão optar pela legalização e fazer parcerias com empresas angolanas ou vão continuar a explorar ilegalmente?

São dois cenários que pensamos que vão acontecer. Grande parte vai desistir do negócio porque só estavam nele para conseguir dólares, mas como os mecanismos vão obrigar a que os dólares entrem no país não lhes interessará. Mas vai restar uma parte que se vai associar aos nacionais, mas terá de ser aprovada pelo Ministério da Agricultura.

A invasão da actividade motivou a revisão da lei e a sua organização. Concorda?

Se não houvesse esta situação, estaríamos numa fase de normalidade porque este pacote legislativo já estava em estudo e a normalidade seria a introdução gradual e não haveria estas paralisações.

Qual é o investimento mínimo para exploração florestal?

São necessários dois tractores, mais um carregador e mais dois camiões. São necessários dois milhões de dólares.

A recuperação do investimento é fácil?

Com a experiência de um homem que já está há muito tempo no negócio, diria que é preciso muito cuidado. O negócio da madeira é tão difícil como o das minas porque a sua exploração é muito difícil, o investimento inicial é alto e o retorno não é imediato. Primeiro, porque é uma actividade sazonal; não há seguros, ainda corremos alguns riscos como os incêndios e temos um problema de confrontação com a população. É complicado, mas se for bem executado, não é que seja mais rentável, nem de perto nem de longe, mas dá para viver.

país tem o ‘know-how’ necessário para fazer face aos desafios da actividade?

O núcleo existente é de empresas com ‘know-how’ acumulado durante décadas. Muitas empresas encerram em si um conhecimento muito importante. Inclusive a formação do posto de trabalho foi feita ao longo destas décadas e hoje temos alguma força de trabalho competente. A par disso, as instituições de ensino já estão a formar engenheiros florestais. Se estas empresas morrerem, morre o ‘know-how’. É preciso olhar para esta actividade com olhos de ver e não olhar para os empresários florestais como os destruidores das florestas. Segundo os dados da FAO, o sector florestal degrada a floresta apenas em 6%, os outros 94% são destruídos pela agricultura intensiva, o reassentamento da população, o desenvolvimento humano e as queimadas.

Antes aceitavam ser tratados como madeireiros, mas agora preferem florestais. Alguma razão em especial?

O madeireiro virou um termo depreciativo porque foi conotado com o banditismo da exploração florestal. Gostaríamos de substituir pelo empresário florestal porque não somos madeireiros no sentido lato da palavra, aqueles que usam a actividade para a sobrevivência. Somos empresas organizadas, que exploram a floresta organizadamente com o objectivo de processamento industrial.

Que avaliação faz da madeira angolana no contexto internacional?

Temos duas grandes florestas. A tropical e a savana. Tanto numa como noutra, existe madeira nobre, muito procurada no mercado internacional e com grande valor económico. Daí que há este problema todo que temos assistido. No Leste de Angola, existem espécies de grande procura. Mas quem dá valor às madeiras são os mercados. Por exemplo, no asiático procura-se muito por algumas espécies e essas passam a ter um grande valor nestes mercados, mas não quer dizer que tenham o mesmo valor noutros.

Que destino se deve dar à madeira apreendida?

Somos apologistas de que toda a madeira legal deve seguir os seus trâmites normais de legalidade, ser entregue aos proprietários, existe madeira legal e o Ministério da Agricultura já fez esta destrinça. A ilegal passa para o Estado e caberá ao Estado dar o destino que bem entender. Como são madeiras nobres, é um erro total usar para fazer cadeiras escolares, como alguns defendem. Não se devem fazer carteiras escolares com madeiras nobres que têm grande valor no mercado. O Estado deveria criar as condições para exportar e com a as divisas comprar carteiras escolares, fica mais barato. As carteiras são feitas metade com madeira e metade com ferro com placas. Fazer carteiras com madeira maciça é muito caro, usa muita mão de obra e podemos importar cadeiras escolares a preços muito mais baixos. Com a exportação destas madeiras, o Estado pode não só comprar carteiras como investir no apetrechamento dos organismos de inspecção como o IDF (Instituto de Desenvolvimento Florestal).

O IDF precisa de muitos investimentos?

Os fiscais do IDF têm de ter maior capacidade de intervenção, mais meios e um estímulo diferente. Há problemas na progressão das carreiras, estão mal apetrechados, não se conseguem movimentar eficazmente. O Estado tem de olhar melhor e rapidamente para a fiscalização.

Como olha para o futuro da actividade?

É um futuro risonho, é o futuro do nosso país porque não podemos olhar para o sector florestal apenas no âmbito actual. só para a floresta natural, mas a floresta natural não é base de matéria-prima suficiente e necessária para o desenvolvimento do negócio da madeira. Temos de olhar para o negócio da madeira focando na produção para a celulose, para a produção de placas prensadas para o fabrico de mobiliário e para outros. Temos de olhar para esta complementaridade e plantar florestas com o objectivo de matéria-prima diminuindo assim a pressão sobre a floresta natural. As florestas são fontes regulares e contínuas de matéria-prima. Só assim poderemos pensar no grande negócio florestal em Angola e colocar o país no contexto das nações ricas na exploração florestal.

Mas não somos uma nação rica em termos florestais?

Ouvimos, muitas vezes, dizer que somos ricos. Temos uma cobertura florestal de 53 milhões de hectares, mas a floresta explorável é muito menor. Não digo o número para não assustar. Temos de ter cuidado porque não somos tão ricos assim em floresta comercial. Temos boa concentração no Maiombe, em Cabinda, mas é a parte mais pequena de África. Temos núcleos interessantes no Uige, Zaire e Lunda-Norte. Também no Moxico, Kuando-Kubango e parte do Cunene. Ricas em espécies, mas estamos a falar de florestas de savana de um lado cuja densidade de exploração não é assim tão grande. Se for explorada sustentavelmente chega e sobra, mas para termos o desenvolvimento industrial, temos de plantar e urgentemente.

Qual é a percentagem da floresta explorável considerando os 53 milhões de hectares?

É difícil porque o IDF fez um trabalho excelente que é o inventário nacional das florestas que deveria ser tornado público. Vamos aguardar por este inventário porque vai dar uma noção exacta das nossas potencialidades. Avançar um número, seria da nossa experiência porque somos homens da mata, mas é sempre um número que pode ser especulativo. Vamos aguardar.

Mas o estudo do IDF pode concluir que somos sim tão ricos ou mais ricos do que pensamos?

Não acredito, somos ricos, mas não tão ricos.