NUNCA SE FOI TÃO LONGE

08 Dec. 2020 V E Editorial

“Qualquer análise exaustiva que leve em conta os desafios da consolidação da democracia chega necessariamente à conclusão de que Angola precisa, com urgência, de uma reforma do seu sistema político-partidário. Porque, mesmo levando em conta as questões formais, quando um político como Chivukuvuku não consegue criar partido em Angola, o problema não está em Chivukuvuku, está no sistema. E um primeiro passo para o desmantelamento do sistema seria a revisão da lei que obriga à apresentação de números mínimos de assinaturas para a formação de um partido político. No contexto da democracia angolana, esta é uma revisão urgente e necessária porque, pelos vistos, o expediente das assinaturas poderá sempre ser um esquema de fácil recurso para a inviabilização de projectos indesejados. Basta que quem tem a batuta na mão assim o decida.

Eventualmente, levantar-se-á o risco de ‘partidecos’ nascerem aos cogumelos, mas este é um receio capaz de ser reduzido a falso problema, se partirmos de uma ideia de reforma mais completa. Por exemplo, um dos caminhos para se evitar a disseminação de partidecos seria o aperto radical das formas de apoio financeiro do Estado aos partidos políticos, incluindo nos processos eleitorais. Ficaria, desde logo, afastada a ideia de que fazer partido seria caminho fácil para acesso aos dinheiros públicos. Há realidades consolidadas que poderiam servir de inspiração, como a dos Estados Unidos, em que, para se ter dinheiro público em eleições, é preciso garantir um mínimo de recursos através de determinadas fontes privadas. E, se no limite, se mantivesse o risco de surgirem partidecos, compensaria o ganho de se ter Chivukuvukus na disputa séria pelo poder. Porque, sim, o país e a política precisam de Chivukuvukus viabilizados”. Este é um trecho de um Editorial publicado em Julho deste ano, aquando do terceiro chumbo do PRA-JA pelo Tribunal Constitucional. Mais de quatro meses depois, tudo se mantém intacto. O projecto político de Abel Chivukuvuku é chumbado de forma definitiva e as questões essenciais não alteram uma vírgula. A inviabilização do PRA-JA e do seu líder, no fundo, é mais um exemplo de que não é a falta de diálogo a explicação da crise social e da crispação política vigente. O problema é a notória ausência de vontade política para a aceleração de uma verdadeira e profunda reforma do Estado. E este é, desde já, um dado que vale a pena ser registado: desde a abertura ao multipartidarismo, o regime nunca foi tão longe na manipulação das instituições para inviabilizar um opositor político relevante.