O CAFUNFO E O PORTO DE LUANDA
1. É de política que tratamos primeiro. O desnorte do MPLA está a aproximar-se de níveis que, estranhamente, vão produzindo sentimentos de comiseração. Mete pena hoje ver o partido que governa o país há mais de 45 anos servir-se do mais raso discurso político para atacar adversários. É perturbador assistir ao MPLA a inscrever oficialmente o racismo e a xenofobia como argumentos do combate político. Mais confrangedor o é se tivermos em conta a sua própria génese.
Nenhum outro partido em Angola germinou com a influência de descendentes directos de estrangeiros, nomeadamente de portugueses, como o MPLA. E hoje, no seu seio, entre governantes e militantes de proa que ocupam cargos estratégicos em todas as instituições do país, abundam descendentes directos de estrangeiros e/ou portadores de pelo menos dupla nacionalidade. A tentativa de oficialização do racismo e de outras práticas afins é, no fundo, das contradições mais graves entre os alicerces fundacionais dos ‘camaradas’. Daí que se torne incompreensível o silêncio comprometedor dos próprios intelectuais do MPLA, muitos dos quais portadores de dupla nacionalidade. Muitos dos quais com mulheres, maridos, filhos, netos e sobrinhos ou descendentes de estrangeiros ou portadores de dupla nacionalidade ou as duas coisas juntas.
O comunicado do partido no poder, na sequência do massacre de Cafunfo, deveria merecer assim o repúdio inequívoco e veemente das mentes esclarecidas no MPLA. Pelo menos na parte que desavergonhadamente incita o ódio contra as lideranças da Oposição, por causa das suas origens. Os intelectuais do MPLA deveriam soltar-se das amarras do medo e da cobardia e demarcar-se da incitação ao racismo e ao ódio, como o partido oficialmente o fez. É tempo de esses intelectuais pararem de fingir que não percebem que a cultura do medo e da cobardia, que perdura no MPLA, é também um sério obstáculo ao progresso dos angolanos, o mesmo que supostamente também almejam. Definitivamente, é tempo de colocarem o país acima do partido e dos seus ‘deuses’. Ainda se vai a tempo.
2. Agora falemos de transparência. Ao contrário do que se pensava, o dossier sobre a entrega do terminal multiusos do Porto de Luanda à empresa DP World não está finalizado. Pelo menos é o que entende uma das empresas vencidas. Ao que o VALOR estampa esta semana, o Governo ignorou duas providências cautelares que deram entrada no Tribunal Supremo a contestar os resultados do concurso público que classificaram a DP World em primeiro lugar. É uma decisão, no mínimo incompreensível.
Afirmar que a segurança jurídica é um factor de atracção do investimento, sobretudo o estrangeiro, é um lugar-comum. Ora, um governo que clama pela entrada de investidores não pode antecipar-se aos tribunais e decidir a favor de uma das partes. Isto só é possível por arrogância pura, por estupidez ou pela certeza antecipada da decisão do juiz. Qualquer das duas primeiras hipóteses é grave, mas a terceira é pior porque esclarece que não existe qualquer segurança jurídica. Demonstra que toda a estrutura jurídica e judicial é ‘fake’ porque funciona ao sabor do Governo.
A contradição e o desnorte não estão apenas no ataque aos adversários políticos.
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