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O DESPREZO DA HUMANIDADE E O FRACASSO DA INTELIGÊNCIA

02 Mar. 2022 V E Editorial

É uma afirmação garantidamente consensual. Seja quais forem os argumentos que a suportem, uma guerra é sempre uma guerra; uma guerra é a legitimação da barbárie, por isso deve ser contestada. Todavia, a obrigação moral de condenação de uma guerra não pode levar à omissão colectiva do raciocínio sobre as suas causas de fundo. Afinal, tal como também é lugar-comum afirmar-se, a guerra é genericamente consequência do falhanço da política. Mais ao detalhe, é o desprezo da humanidade e o fracasso da inteligência; é o triunfo do egoísmo e da arrogância.

O DESPREZO DA HUMANIDADE E O FRACASSO DA INTELIGÊNCIA

Assim com as invasões norte-americanas, francesas e inglesas em África e na Ásia, o caso do conflito que opõe a Rússia à Ucrânia não introduz excepção à regra. Como faz questão de lembrar um dos intelectuais públicos mais respeitados do nosso tempo, qualquer indivíduo esclarecido na liderança da Rússia tem de ter a Ucrânia como uma preocupação central, no quesito da segurança. Particularmente, a partir do momento em que a Ucrânia expõe ambições de tornar-se membro pleno de um bloco militar que tem justamente na agenda o desmantelamento da Rússia. Isto não quer dizer obviamente que Noam Chomsky apoie a invasão russa. Mas, em nome da honestidade intelectual, sente-se na obrigação de questionar a prevalecente narrativa ocidental, ao recordar ao mundo que a guerra de hoje radica em conflitos mais complexos. Ou, em termos mais precisos e recentes, segundo Chomsky, tem raízes na manutenção e expansão da NATO, quando o seu par soviético (o Pacto de Varsóvia) desapareceu há mais de 30 anos.

Chomsky até poderia ter recuado um pouco mais se quisesse. Para situar o problema pelo menos no momento em que norte-americanos e soviéticos não permitiram que as Nações Unidas passassem a ser o centro de gravidade de gestão da Nova Ordem Mundial, precisamente com a criação da NATO, em 1949, e o Pacto de Varsóvia, em 1955. Mas, é claro, a omissão deste detalhe pelo linguista americano é perfeitamente compreensível. Porque, independente do período para o qual se remetem as raízes do conflito, a questão central se mantém: no limite do raciocínio, esta guerra é uma consequência de tudo e não uma causa de nada.

Dito isto, não nos podemos esquecer do que acontece em África. Aliás, a União Africana que se levanta para condenar a Rússia não pode ser levada a sério, pela aversão crónica que tem ao espelho. É esse medo de olhar para si própria que a mantém surda, calada e muda, quando muitos dos seus próprios ‘líderes’ continuam insistentemente a conduzir os países para zonas de conflito. Ora com fraudes eleitorais; ora com golpes constitucionais; ora com o silenciamento da oposição, dos críticos e da imprensa independente; ora com a partidarização das instituições; ora com a roubalheira da riqueza pública; ora com tudo e mais alguma coisa. Enfim...