ANGOLA GROWING

“O DIA DA INFÂMIA”

28 Oct. 2020 V E Editorial

Este é um número de excepção. Raras vezes um jornal de economia ignorou os seus temas clássicos para defender, na capa, expressamente a liberdade de imprensa. E, de forma extensiva, a liberdade de expressão. Hoje, temos razões de sobra para isso. Deter jornalistas porque se encontravam a cobrir uma manifestação é intolerável. Ainda que por algumas horas, como foi o caso dos profissionais da TV Zimbo e da Agência France Press. Mantê-los mais de 50 horas enclausurados em celas é mais do que uma aberração, é criminoso. Foi o que a Polícia fez aos profissionais da Rádio Essencial e do Valor Económico. Os jornalistas Suely de Melo e Carlos Tomé, o fotógrafo Santos Samuesseca e o motorista Leonardo Faustino ficaram detidos entre as 10 horas de sábado (24) e às 15 horas de segunda (26). Ficaram enclausurados nas esquadras da Polícia, como criminosos, depois de terem sido agredidos no momento da detenção. Acabaram, entretanto, libertados sem qualquer acusação. Sem qualquer medida de coação. Nada lhes foi dito além de algumas perguntas do Ministério Público sobre o que se teria passado.

O que está em causa, portanto, não é um crime qualquer. E não é apenas um atentando expresso à liberdade de imprensa e de expressão que, alegadamente, passaram a ser bandeiras do pretenso novo poder. O que está em causa é uma grosseira violação de princípios e de direitos fundamentais, incluindo o direito à vida. É a reafirmação da selvajaria que legitima o livre-arbítrio do poder do Estado e eleva-o às fronteiras da ditadura. O 24 de Outubro de 2020 é assim, para o jornalismo e para o país, mais um “dia da infâmia”. Se, no passado, a arbitrariedade e a violência contra jornalistas foi genericamente justificada com pretextos fabricados, o poder dá agora uma mensagem mais descarada: se lhe der na gana, prende jornalistas, enclausura-os pelo tempo que quiser e manda-os para casa sem qualquer explicação. Simples assim. Basta que o queira. Sem pretextos.

Mas essa barbárie não poderia ficar sem um resposta adequada. E essa resposta é a reafirmação do comprometimento com os valores e os princípios do jornalismo, como refere o comunicado das direcções do jornal Valor Económico e da Rádio Essencial (ver página 9). Por muito expressa que seja a ameaça à integridade física e à liberdade dos nossos profissionais, a verdade é que não sabemos fazer jornalismo de outra forma. Por muito visíveis que sejam os sinais de ataques direccionados e de tratamentos discriminatórios dos nossos meios, o certo é que não podemos estar no jornalismo de outra forma. A nossa história é a nossa melhor testemunha.