NELO PAIM, PRODUTOR MUSICAL E INSTRUMENTISTA

“O estúdio não é fácil, chega uma altura que cansa”

MÚSICA. Aos 15 anos, Nelo Paim produziu profissionalmente a primeira música ‘Issawa’ que fez parte do álbum ‘Kanbuengo’ do irmão Eduardo Paim. Afastado das lides musicais por questão de saúde, pretende regressar em três ou quatro meses, mas de maneira menos intensiva.

 

Quem é Nelo Paim?

É artista que adora palco e estúdio que passava boa parte do tempo fora de casa, por causa da profissão. Mas que hoje, pela saúde, abdicou dos estúdios por tempo indeterminado.

Como surge a experiência de cantar com Eduardo Paim e Lara?

Não sou propriamente cantor. Já tentei essa experiência de cantar. Gravámos um álbum ‘Kanela’, em 1995/1996, que fiz com o meu irmão Eduardo e a moçambicana Lara. ‘Kanela’ é a junção de Kambuengo, Nelo e Lara. Sou instrumentista.

Porque não deu continuidade como cantor?

Cantar não é o meu foco. Já sou instrumentista e produtor! Deus não dá muitas coisas a uma só pessoa. Preferi ficar mesmo como produtor.

Uma nota para Eduardo Paim...

Quando falo dele, normalmente me emociono. Falar dele é como Deus no Céu e Eduardo na terra. É o mesmo que falar de uma árvore sem falar da raiz. E ele é a raiz daquilo que sou.

Que avaliação faz da produção musical?

A produção musical está no bom caminho. A concorrência aumentou, temos bons produtores, os novos talentos estão a vir com boas ideias. E quando a concorrência aumenta, a qualidade melhora. E hoje já se consegue ir a um sítio e ouvir 98% de música angolana.

E a música acústica também merece essa apreciação?

Acústica é a tal coisa. Temos bons músicos e estúdios. Há estúdios que estão a trabalhar muito bem, que também melhoraram em termos de apetrechamento. Às vezes, não basta ter máquinas de última geração. É necessário investir no homem. Por vezes, somos obrigados a recorrer a outro mercado lá fora, para misturar e outros acabamentos. Porque não temos essa qualidade internamente. Estamos a começar, mas o resultado final ainda não é o satisfatório.

Qual é o tempo para atingir à média de qualidade exigida?

Repito sempre é preciso investir no homem. E isso passa pela formação. Temos de frequentar cursos. Temos a África do Sul, Portugal, entre outros países, que dão formações neste sentido.

Toca vários instrumentos, com qual deles se sente mais confortável?

Meu instrumento é o piano. Embora também domine outros como guitarra, percussão e bateria. Aliás o meu primeiro instrumento foi a bateria, aprendi a tocar com oito anos. Depois mudei para percussão e, mais tarde, Simone Mansini ensinou-me a tocar guitarra e teclado. Comecei a tocar quando Eduardo me levou a Portugal para viver lá, pois precisava de estar mais a vontade.

Que instrumento gostava de tocar?

Mas lá para o fim da carreira gostava de tocar o saxofone.

Vive da produção musical?

Em Angola, já é possível viver da música. Eu só vivo da música, não é que não saiba fazer outras coisas. Já também organizamos o nosso certame.

Que produções marcaram a sua carreira? Porquê?

Todas, no geral, me deram muito prazer. Mas, a que mais marcou foi a do Euclides da Lomba, do álbum ‘Livre Serás’, porque foi a primeira produção em que tive de assumir vários papéis. Não só de instrumentista, produtor, até mesmo de técnico de som, fiz captação e inclusive misturas de algumas músicas. Já fiz centenas de produções. Trabalhei com Paulo Flores, Yola Semedo Ricardo Lenvo, Don Kikas, Daniel Nascimento, Puto Português, Tito Paris (Cabo-Verde), Tânia Saint Val (Antilhas), entre outros artistas.

A nova roupagem que as músicas antigas estão a ter são bem-feitas?

Acabo por elogiar os jovens que têm estado a fazer esse trabalho, porque o que é nacional é bom. Se é para melhorar, que seja com o que é nosso. Mas é preciso não esquecer a paternidade das coisas, vamos respeitar os direitos do autor. Porém os artistas devem estar bem organizados. Registando as músicas na Sadia - Sociedade Angolana do Direito de Autor e na UNAC – União Nacional dos Artistas e Compositores.

A história da música ‘Ngueve’ é ficção ou realidade?

Tem tanto realidade como ficção. Há alguns anos, tempo de conflitos armado, recebemos a notícia de que um primo tinha falecido, mas não houve funeral, porque não vimos o corpo. No entanto, ele deixa a mulher. Mas, passado algum tempo, alguém vem dizer que ele se encontrava na Zâmbia. Foi que pedi ao Matias Damásio que escrevesse uma música semelhante à história do meu primo. Foi que surgiu a ‘Ngueve’.

E com a ‘De Maria para Mary’, cantada pelo Puto Português?

É coisa que acontece todos os dias. Pedi ao Puto Português que musicasse sem falar mal das mulheres claro, mas tocando na nova tendência das cirurgias plásticas.

Onde busca inspiração para compor as músicas?

As minhas músicas são o reflexo do quotidiano. Procuro trazer sempre o quotidiano. Qualquer história que me comove transformo em música.

A paragem que dá tem que ver com o seu estado de saúde?

O estúdio não é fácil, chega uma altura que cansa. Sempre envolve muito tempo de estúdio, já cheguei a ficar mais de 24 horas em estúdio. Recentemente tive paragem cardíaca. Foi o momento que me apercebi que não estava sozinho e que mais do que trabalhar, precisava de cuidar mais de mim. Era hipertenso e não sabia. Estou a fazer trabalhos muito leves que não roubam muito tempo de estúdio. Quem sabe dentro de mais três a quatro meses regresso ao trabalho.

PERFIL

Manuel Prado Fernandes da Silva, 40 anos, conhecido por Nelo Paim, natural de Luanda, casado e com seis filhos. Tem Eduardo Paim como mestre, mas o seu ídolo é Paulo Flores. Admira Yuri da Cunha, Yola Semedo, Matias Damásio, Anselmo Ralph, entre outros artistas. Tem gravado o álbum ‘Liberdade’. Já produziu os álbuns ‘Desejo Malandro’, ‘Livre Serás’ e ‘Recado num Semba’, de Euclides da Lomba, entre outros.