ANGOLA GROWING
Maria José, vice-presidente da Anavi

“O lobby do comércio prejudica a avicultura nacional”

Defende que os produtores nacionais não estão em condições de concorrer com os produtores africanos de ovo e frango, enquanto o país não for auto-suficiente na produção de ração. Vice-presidente da Associação Nacional de Avicultores de Angola, Maria José revela que os produtores de ovo têm dificuldade em adquirir o pouco milho produzido em Angola porque os produtores preferem transformar em fuba para exportar.   

 

“O lobby do comércio prejudica a avicultura nacional”
D.R

A Assembleia aprovou, recentemente, a resolução que aprova a ratificação da Zona Africana de Comércio Livre. Como é que o sector avícola se prepara para os desafios que essa abertura impõe? 

Primeiramente, é preciso notar que há desvantagens, já que ainda não temos uma economia estável. Se, de alguma forma, o Governo está a lutar para aumentar a produção local e diminuir as importações, não sei se, nesta fase, já seria vantajoso para nós a Zona Africana de Comércio Livre. Vai facilitar-nos na aquisição de matéria-prima.

Somos um país com  grande potencial agrícola e avícola que não está a ser explorado e não sei se será vantajoso, porque o comércio em Angola tem um lobby muito forte. Estou nesta actividade há quase 17 anos e o problema tem sido sempre o forte lobby dos importadores que prejudica, e muito, o trabalho do produtor. Trazem ovo, carne e frango.

Mas, com abertura do mercado africano, os produtores nacionais também têm a possibilidade de ir em busca de novos mercados. Ou reconhece não haver essa capacidade? 

Uma boa parte destes importadores vem dos países de África, como Zimbábue e África do Sul. No mercado em que operamos, só a carne de frango é que está a vir da América Latina e de outras partes do mundo. O ovo, a grande maioria, vem da África do Sul. Se conseguirmos explorar o potencial que temos, sim, conseguiríamos exportar para mercados como o da República do Congo, que é um bom mercado. Sei que, no passado, já exportámos para países da região, mas muitos dos associados estão bastante cépticos com esta abertura.

Está a dizer que, numa primeira fase, os produtos nacionais correm o risco de perder o mercado de ovos?

Sobretudo de ovos, sim, porque, ultimamente, os ovos já estão mesmo a vir da África do Sul.

E o que justifica a aposta no ovo da África do Sul. É mais barato?

É mais barato porque o custo de produção lá é mais baixo. Em Angola, é muito alto.

A abertura do mercado vai concorrer para baixar o custo de importação da matéria-prima, o que poderá também baixar o custo de produção em Angola. Não?

Temos mesmo de produzir os insumos cá como faz a África do Sul e o Zimbábue. O milho e a soja. Não temos esta produção internamente. Existem alguns produtores, mas preferem vender no mercado do Congo.

O milho é transformado em fuba e vendido no Congo. O sector avícola quase que não abarca nada. Temos de ser auto-suficientes na produção de grãos como o milho e a soja. Depois podemos importar os outros insumos, aproveitando a Zona Africana de Comércio Livre.

“O lobby do comércio prejudica a avicultura nacional”

Receia que haja falências de produtores nacionais em consequência da abertura do mercado?

Há este risco. Como disse, para a fase inicial, corremos um grande risco por causa do lobby dos importadores. O Estado tem estado a criar condições para que estes produtores passem a comprar aos produtores nacionais, mas eles sempre conseguem contornar.

O que há de capacidade instalada e de produção efectiva no país?

Fizemos um levantamento há três anos e, em 2017, cerca de 70% da nossa capacidade instalada já estava ociosa. Hoje, acho que quase ninguém está a produzir porque todos os dias temos produtores a desistirem porque o nosso Governo não enxerga o micro e pequeno produtor. É um Governo que olha mais para o macro, mas estes pequenos e médios é que ajudam a fomentar a economia. O grande gargalo destes produtores é a ração, porque temos capacidade instalada. Eu, por exemplo, tenho a fazenda a produzir 30% da capacidade. Tenho a capacidade para ter 130 mil aves, mas só tenho 40 mil.

E quais são os números do mercado?

Não tenho o número exacto em mente, mas a capacidade instalada, com o investimento feito no âmbito do Angola Investe, é de cerca de quatro milhões de ovos por dia, mas estaremos a produzir perto de 700 mil ovos por dia. Em 2017, produzimos um documento e mandámos para o Executivo. Nunca mais conseguimos reunir com produtores porque eles esperavam algo mais depois do levantamento. Naturalmente, eles estão desmoralizados e nós não temos moral para voltar a sentar com eles porque não conseguimos ainda resolver.

Há o risco de a Anavi acabar?

Estamos a fazer de tudo para ver se conseguimos resolver o problema dos nossos associados. Estamos a tentar montar algum consórcio com empresas que estão a produzir para ver se conseguimos a ração. O objectivo é ver se conseguimos produzir milho e soja, ver se conseguimos aliar-nos a alguns produtores de milho e soja. Procurámos algumas empresas, mas o preço a que vendem não é compatível.

E, certamente, o produtor do milho prefere exportar para o Congo por causa da garantia de divisas?

Claro. E, muitas vezes, o que fazem os importadores dos insumos? Importamos insumos com as divisas dadas pelo Governo, estes insumos vêm para Angola, produzem milho, transformam em fuba e vão vender para o Congo. Essa é a realidade que encontrámos, depois de andarmos pelo país. Há milho, mas não vemos esta produção. Assim nunca vamos conseguir baixar o custo de produção do ovo.

Qual é o custo de produção em Angola?

Nós fazemos a conta por alto. Hoje, se tiver de vender uma caixa de ovos pelo preço de produção, teria de vender a 23 mil kwanzas. Se dividir por 370 ovos, terá o custo.

Está a dizer que estão a vender abaixo do custo de produção…

Estamos a vender abaixo do custo, estamos a ter prejuízos. Há dias em que os preços sobem e noutros baixam, mas estamos a ter prejuízos. Estamos numa atitude de sobrevivência porque também não podemos estar a chorar constantemente ao Estado, temos de encontrar uma solução. A nível da associação, estamos a dar voltas para encontrar soluções e apresentar ao Executivo. Mas sabemos qual é o problema, temos de ser auto-suficientes na produção do milho.

Perfil

Maria José tem 50 anos e é administradora das fazendas Avinova Empreendimentos Agrícolas e Terras Verdes, Empreendimentos Agrícolas desde 2005, ano de fundação das mesmas. Formada em Economia, é vice-presidente da Associação Nacional dos Avicultores, ANAVI, desde 2015