O que está em causa nas eleições
Isto não é um apelo de voto. É antes uma leitura sintética sobre as razões históricas que explicam o desafio essencial que se coloca nas eleições de 24 de Agosto.
Por responsabilidade própria e não só, o MPLA mantém-se no poder há quase 47 anos. Neste percurso histórico, sujeitou-se a circunstâncias e protagonizou os factos mais relevantes que definiram o país que temos hoje: a opção pelo sovietismo, a proclamação da Independência, o prolongamento da guerra civil, a aclamação da paz, a capitulação da guerrilha de Savimbi, o inapelável desmantelamento da oposição e, finalmente, o início da reconstrução.
A consequência inevitável deste somatório de eventos foi a construção de um poder hegemónico e autocrático que, como se sabe, não se desfaz nem por caridade nem por magia. Ao chegar ao poder, João Lourenço até fez questão de aclarar as eventuais dúvidas. A promessa de um país mais democrático gorou em toda a linha e os três principais eixos de manutenção do poder, nos regimes autocráticos, foram reforçados. O sector da defesa e segurança manteve-se fiel à causa do partido-Estado; a justiça assumiu-se abertamente submissa e a comunicação social do Estado, por pouco, não fez declarações públicas de pertença exclusiva ao partido no poder. É justamente a confiança nesse controlo absoluto do Estado que tem levado reiteradas vezes figuras relevantes do MPLA a aconselharem a oposição a esquecer o poder nas próximas décadas. E, provavelmente sem dar-se conta do paradoxo, esta manifesta ambição de eternizar-se no poder é acompanhada da narrativa da consolidação da democracia e da construção de uma Angola plenamente desenvolvida. Ou seja, sem remorsos, o MPLA idealiza e promete um país plenamente democrático ao longo do tempo, mas sem alternância política.
O problema é que o percurso das sociedades desenvolvidas modernas dita justamente o contrário. Prova que o alcance do desenvolvimento pleno (económico, social, cultural, tecnológico e político) está intrinsecamente associado à instauração de regimes democráticos sólidos, que produzem inevitavelmente a alternância política. É por esta razão que os cidadãos chineses e os das abastadas monarquias do Golfo Pérsico jamais experimentarão o desenvolvimento pleno. Porque, a menos que sejam socorridos por alguma revolução histórica, poderão viver social e economicamente estáveis, contudo estarão sempre substancialmente privados dos seus direitos políticos.
As conclusões são, portanto, óbvias. Vender a narrativa da democracia e do desenvolvimento pleno, sem alternância política, não é apenas contraditório e contranatura, é quase criminoso. E sendo a democracia a condição fundamental para a construção de um desenvolvimento pleno, o debate de fundo sobre a disputa de 24 de Agosto deveria circunscrever-se no que se afirma adiante. Quando um país é governado por quase cinco décadas pelo mesmo partido, cada processo eleitoral é necessariamente uma oportunidade de escolha entre a manutenção da autocracia e a hipótese da transformação democrática. É um processo de decisão entre a certeza no projecto de desenvolvimento parcial e a hipótese pelos caminhos do desenvolvimento pleno. Não somos nós que o afirmamos, é a história que o consagra. Incontestavelmente.
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