Phillipe Alliali, CEO da Sanlam Seguros

“O seguro de vida representa apenas 2% do peso do seguro em Angola, mas 20% em Moçambique e 40% no Gana”

Ambiciona colocar a Sanlam como a número um das seguradoras e não descarta a hipótese de concorrer à privatização da Ensa. Phillipe Alliali destaca o peso da sua empresa no mercado africano e arranja explicações para que Angola, em relação a África, tenha números baixos na contratação de seguros.

“O seguro de vida representa apenas 2% do peso do seguro em Angola, mas 20% em Moçambique e 40% no Gana”

Há quase dois anos que o grupo Sanlam adquiriu a Sanham. Qual é o balanço que se pode fazer deste negócio?

Há muita coisa que mudou nestes dois últimos anos, sobretudo os números, melhoraram principalmente no último ano, de 2019 para 2020. Houve um crescimento de cerca de 24%. Melhoraram muito, estávamos a ter algumas perdas, mas agora estamos com resultados positivos. Mas o importante foi a reestruturação da empresa. Primeiro, houve um aumento do capital social. Fizemos por iniciativa própria porque achámos que havia necessidade de fazer este aumento. Fizemos o ano passado e o no ano antepassado. Também houve a entrada de novos accionistas nacionais. E também houve a entrada de novos membros na administração da empresa, elevou-se para sete, dos quais dois são independentes.  

O que representam estas alterações?

Também internamente houve uma transformação na nossa forma de organização. Anteriormente, tínhamos uma direcção técnica, uma comercial e hoje estamos constituídos em unidades de negócios. Temos uma unidade de negócios do 'ramo vida', a de 'automóveis' e seguros de massa: a de  'saúde' a de 'riscos de empresas corporativas'. Esta é uma mudança importante. Cada uma destas unidades é como se fosse uma empresa porque cada uma delas tem um responsável máximo, equipas de subscrição do produto e a equipa comercial. Cada uma consegue comunicar-se com o grupo que também está distribuído desta mesma forma para ter o apoio directo e conseguirmos dar resposta ao mercado.

A informação tornada pública, por altura da aquisição, dava conta de que dois grupos sul-africanos, entre os quais a Sanlam, teriam 90% da então Sanham. Confirma esta informação e qual é a nova estrutura com a entrada de novos accionistas?

A informação que tinha dos 90% não corresponde à verdade, até porque inicialmente a lei não permitia que algum accionista estrangeiro tivesse mais do que 49%. Na altura, o antigo dono tinha apenas 49%. Com a venda da GA para a Sanham, conseguiu-se aumentar para 70% e os 30% pertenciam aos accionistas locais. Não mudou a estrutura, continua a ser 70% por 30%. O que alterou foram os accionistas dos 30%. Saiu alguém que esteve na empresa desde o princípio, pessoas que tinham participação, mas não eram activamente envolvidas no negócio e entraram accionistas com maior envolvimento no negócio. Os accionistas que faziam parte da empresa tinham o seu dinheiro, puseram na empresa, mas não tinham uma participação activa. A empresa, quando foi criada, era pequena com escritório na marginal e passados estes anos valorizou-se. Interessava-lhes, agora, tirar algum lucro dos investimentos que fizeram e então venderam as acções. Resumindo, temos um grupo internacional, um grande grupo, somos o número 1 das instituições financeiras não bancárias em África. Estamos na Índia, Malásia, EUA. Somos um grupo internacional, mas maioritariamente africano. Estamos em 33 países africanos. Somos os únicos. Por exemplo, os outros grupos, como a Total e a BP, são internacionais, mas espalhados pelos outros continentes, não têm uma presença tão grande em África. Somos africanos e cada vez mais queremos ser mais angolanos. Há dois anos, havia outra direcção, liderada por um português e com a entrada do grupo na empresa há uma grande transformação. Com a maturidade do grupo, também conseguimos transmitir a mensagem que crescemos.

“O seguro de vida representa apenas 2% do peso do seguro em Angola, mas 20% em Moçambique e 40% no Gana”

Liderar o mercado segurador nacional num curto espaço de tempo é o objectivo?

O objectivo de qualquer empresa é ser o número um, mesmo aquele que é o último também almeja ser o número um. Há dez anos, não éramos o número dois, devíamos ser o três ou o quatro e hoje somos a seguradora número dois. No grupo, existe uma estratégia e o objectivo, em qualquer país, é ser o número um, dois ou três, estar no 'top 3'. O nosso objectivo não é em relação a números, mas prestar melhor serviço aos nossos clientes e adicionar valor. Em Angola, pode-se ser o número um por se ter o seguro de petróleos, é fácil. Neste momento, somos o número dois, mas se olharmos aonde está a diferença, a maior parte vem do petróleo. O nosso objectivo é ser o número um na prestação de serviços porque em algumas áreas já somos. Numa boa parte de produtos, já somos o número um. Por exemplo, ainda é insignificante, mas estamos a liderar o ramo vida. Se excluir, o seguro de petróleo, somos a número um em riscos corporativos. Somos número dois ou três no de saúde. No automóvel, é um pouco difícil definir, mas devemos ser segundo ou terceiro. No peso de cada um dos produtos, estamos com 20% de saúde, 20% de riscos corporativos, 12% automóvel. Isso demonstra que temos uma carteira equilibrada. Os números só não traduzem tudo, porque é importante uma boa empresa de seguros ter uma carteira equilibrada. Algumas podem ter a concentração nos petróleos, outras na saúde, mas se uma destas linhas tiver algum problema afecta logo a empresa. As seguradoras vendem confiança e é importante que haja este equilíbrio e não concentrar os ovos em um só cesto.

E é fácil liderar em Angola na prestação de bom serviço?

É difícil, porque há características únicas no mercado. Estamos presentes em outros mercados africanos e vimos o que está a acontecer. Quando olhamos para as características especificas de Angola nem sempre é fácil. Um exemplo é o seguro de vida. Representa apenas 2% do peso do seguro em Angola em países como Moçambique é 20% e no Gana 40%. Quando falamos em melhores serviços, é providenciar estes serviços aos nossos clientes. A nossa maior satisfação não está em dar apenas aquilo que já existe, mas providenciar algo novo, é isto que queremos dar aos nossos clientes. O mesmo pode dizer-se do seguro agrícola. Em muitos países onde estamos presentes, é um seguro que é comercializado em grande escala, mas não é o caso em Angola. Talvez porque Angola tem petróleo. Em países que dependem da agricultura, como a Costa do Marfim, que é o cacau, há necessidade de fazer o seguro para o cultivo do cacau, assim como no Gana e África do Sul. É isto que queremos trazer para Angola, não exactamente a mesma coisa, mas é o desafio que temos. Mesmo em relação ao seguro automóvel, muito utilizado cá. Em países como Marrocos e África do Sul, já existe um serviço de assistência que, em caso de acidente, é enviado um reboque para levar o carro, inclusive um veículo de substituição. Nós temos este serviço, mas precisamos estender para outras províncias, porque nos outros países está a funcionar, mas inicialmente as pessoas também duvidaram.  

Em relação ao seguro agrícola o que é que já tem preparado?

Ainda não subscrevemos porque ainda não há, mas está a ser feito um trabalho intenso com o apoio dos nossos colegas da África do Sul. Houve fóruns que a Sanham esteve presente para a sensibilização da importância do seguro e o que é necessário para subscrever o seguro agrícola desde o ano passado. Temos em África uma empresa especializada em seguro agrícola. No seguro agrícola, existem duas classes. A das grandes empresas agrícolas e da agricultura de subsistência. As grandes têm dinheiro para investir, mas os outros não têm. Em Angola, existem projectos para as grandes empresas do ramo agrícola e industrial. Com estes estamos a trabalhar no sentido de desenvolver o seguro agrícola. Por outro lado, há as pessoas que fazem a agricultura de sobrevivência. Estes não têm meios para financiarem, precisam da ajuda do Estado que começa pelo licenciamento. Em outros países africanos, trabalhamos em parceria com o Estado e podemos trazer esta experiência destes países para cá.

Como é que pode ser feita a participação do Estado?

É necessário o governo juntar todas as partes envolvidas para analisar e estudar as melhores formas, porque não basta apenas pensar em dar um subsídio, Não é só isso. É preciso trazer as seguradoras, os bancos e outros 'players' para que juntos possam encontrar a melhor forma de implementar e analisar o que está a acontecer em outras partes.    

“O seguro de vida representa apenas 2% do peso do seguro em Angola, mas 20% em Moçambique e 40% no Gana”

Já houve uma experiência-piloto, mas que ficou pelo caminho. Se tivesse de dar algum conselho, qual seria?

Nós, a nível do grupo, tínhamos o plano de trazer os nossos colegas da África do Sul até ao ano passado. Já tivemos reuniões cá com o BDA e tivemos, inclusive, juntos na África do Sul em 2019, mas infelizmente a situação actual também não ajudou. Estamos a retomar este tema com reuniões de algumas equipas. Por isso, vou deixar o conselho para o especialistas poderem dar, mas o que posso dizer é que Angola está numa posição privilegiada, porque tem boa terra, tem, comparada a alguns países africanos, uma condição financeira melhor. Tem condições para importar, tem mar, caminho-de-ferro e mercado.

Fala de forma persistente sobre o seguro de petróleo, sobre o qual tem havido muita discussão, sobretudo à volta da liderança do co-seguro, que é liderado pela Ensa. Pensa que deve haver uma revisão deste co-seguro?

Não gostaria de tecer qualquer comentário sobre isso, porque cada país tem a sua cultura e a sua forma e, por isso, respeito. O que posso dizer é que nós, por sermos parte de um grande grupo, temos melhor capacidade de assumir maiores riscos. O nosso grupo também tem uma estruturação muito organizada e por isso não estou em condições dizer o que vamos fazer, mas acredito que podemos fazer melhor.

Mas têm também uma unidade de negócios para o seguro de petróleo?

Neste momento, não temos uma unidade de negócio de petróleo, mas o meu chefe é especializado em seguro de petróleo por isso, se for necessário, conseguimos fazer sem problema algum.

Há notícias que dão conta de que a Sanlam está interessada na privatização da Ensa. Confirma?

A Ensa está no processo de privatização e, estando num mercado aberto com outros 'players', qualquer um destes pode apresentar interesse, mas não estou em condições de dizer se estamos ou não interessados.

Há correntes que defendem que o país tem muitas seguradoras...

Acredito no mercado. O mercado define por si a necessidade ou não das seguradoras. A maior concentração está em cinco ou dez seguradoras, é o mercado. Se existem seguradoras com mais de dez anos, mas continuam com números baixos, alguma coisa deve ser questionada. Não estamos a falar do 'ranking', mas do investimento. Quando olhamos para a produtividade das seguradoras, conseguimos facilmente ver que são 10 as que têm maior concentração do mercado.

Será um sinal de que 10 seria o número ideal?

Não quis dizer que o número ideal seria dez. O mercado de Angola, por exemplo, é maior que o da Costa do Marfim, mas a Costa do Marfim tem 20 seguradoras. Tem as que têm maior concentração e que têm uma menor percentagem. No nosso mercado de seguro, aquilo que é a participação no PIB, estamos abaixo de 1%, significa que ainda temos muito mercado. A questão que se levanta é a seguinte: o mercado até pode crescer, mas estas seguradoras vão acompanhar?

O que está na base da baixa taxa de penetração de seguro. Tem faltado trabalho e criatividade das seguradoras ou o problema está do lado dos potenciais clientes com limitações financeiras?

É um dos pontos que falamos nas conversas com os colegas das outras seguradoras em particular da Ensa. Quando olhamos para a penetração é difícil comparar, porque isso acontece nos países produtores de petróleo porque o impacto de uma das indústrias, no caso o petróleo, é tao grande que as outras são insignificantes. É algo que devemos levar em conta. Muitas vezes ouvimos o investimento que está a ser feito por uma petrolífera na ordem dos sete mil milhões de dólares, este é um valor que para alguns países é o PIB. É investimento tão alto que os outros sectores não conseguem acompanhar. Isso cria um desequilíbrio para definir qual é o peso de cada uma das indústrias. Mas não invalida a questão se, de facto, deveria fazer-se mais para desenvolver a cultura de seguros em Angola. Quando olhamos para outros países, aonde o seguro já contribui com 4% (não vamos esperar 4% em Angola, mas pode estar acima dos 0,6%), não é que as seguradoras estejam em falta, mas sim é um trabalho que deve ser feito. Um impacto da penetração de seguros, por exemplo, pode mudar de um dia para o outro quando olhamos para o preço do petróleo.

Perfil

Na gestçao do seguro em África

André Philippe ALLIALI-DIE é CEO e administrador delegado da Sanlam Angola desde Julho de 2019, passando a acumular com o cargo de vice-CEO principal da Sanlam Pana Africano desde Janeiro de 2020. Formado na ESLSCA Business School Paris, desempenhou ainda os cargos de diretor-geral- adjunto do Groupe NovaMed, da Costa do Marfim, entre Janeiro de 2015 e Agosto de 2018.