BENS ARRESTADOS E APREENDIDOS

Obras de manutenção dos bens podem criar problemas ao Estado

JUSTIÇA. No âmbito da recuperação de alegados activos do Estado, vários bens móveis e imóveis encontram-se arrestados e apreendidos. Advogado acusa Igape de incapacidade de manutenção dos bens sob sua custódia. E interroga-se sobre capacidade do Estado de cumprir obrigação de manter os bens, tal como recebeu.

Obras de manutenção dos bens podem criar problemas ao Estado
D.R

Estado pode, no futuro, ser confrontado “com processos atrás de processos” para pagar ou indemnizar danos a bens que hoje estão arrestados e/ou apreendidos, se não se acautelar devidamente a questão da manutenção destes activos, segundo os juristas Albano Perdo e Bruno Dissidi.

“Estou, lá mais para frente, a ver processos atrás de processos a correrem contra o Estado para pagar e ou indemnizar. Não acredito que o orçamento tenha contemplado despesas para este fim”, sublinha Albano Pedro.

O arresto e/ou apreensão de activos, sobretudo de imóveis, tem sido uma das medidas de eleição da Procuradoria-Geral da República por via da Direcção de Recuperação de Activos, havendo também decisões semelhantes do Tribunal de Luanda. 

A medida, que tem como principal objectivo evitar a dispersão dos activos por parte dos proprietários, enquanto decorrem os processos judiciais, pode representar um esforço financeiro complementar para o Estado, considerando que é sobre si que recai a obrigação de manutenção dos imóveis ou a garantia do normal funcionamento das empresas arrestadas, segundo entendimento de Albano Pedro. 

“Toda a despesa de manutenção dos bens apreendidos é da responsabilidade do Estado. Aqui até se fala no pagamento da energia eléctrica, despesas de manutenção e benfeitorias necessárias, telefone, água”, explica, acrescentando que, se um destes serviços for interrompido e o restabelecimento representar custo, este deve ser reparado pelo Estado.  “Imagine que o proprietário tenha um contrato que paga um valor mínimo mas, por falta de pagamento, é-lhe cortado o fornecimento e, em caso de reactivar o contrato, tenha de pagar um valor alto, é evidente que quem terá de assumir é quem apreendeu o bem. Portanto, aqui não é só a pintura, mas tudo que é manutenção, a água da piscina ou a relva que não está a ser tratada. Tudo o que chamamos despesas de manutenção corre por conta de quem apreendeu o imóvel”, insiste Albano Pedro.

O mesmo entendimento tem o também advogado Bruno Dissidi, para quem “a gestão de todo o acervo imobiliário” recai sobre o fiel depositário e, como tal, deve ser responsável “por todas as obras de manutenção”.

No entanto, Albano Pedro admite a hipótese de ser o proprietário a realizar a manutenção “por mero capricho”, já que “estaria a facilitar o trabalho de quem apreendeu”. De outra forma, esclarece, “a única tarefa do proprietário passa a ser a de notificar a procuradoria ou o tribunal sobre o período das manutenções”.

Joaquim Sebastião pondera processar Igape

O antigo director-geral do Instituto Nacional de Estradas de Angola, Joaquim Sebastião, considerando a “incapacidade do Igape (Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado)”, enquanto fiel depositário de fazer a manutenção dos seus imoveis, escreveu para esta entidade pública no sentido de ser ele a garantir a manutenção, sobretudo da vivenda de Talantona, mas não recebeu qualquer resposta. “Desde muito cedo, demos conta que havia alguma deterioração de algumas benfeitorias, o jardim estava a degradar, a piscina precisava de limpeza, então pedimos ao Igape para que o senhor Joaquim Sebastião, enquanto proprietário, fizesse a manutenção do imóvel, mas este pedido, infelizmente, nunca foi respondido. A não resposta para nós indica rejeição”, explica o advogado Bangula Quemba.

Esta mesma residência foi assaltada supostamente pelos polícias que faziam a guarda e, pelo sucedido, Joaquim Sebastião prepara a apresentação de uma queixa. “Já comunicámos que vamos intentar uma acção contra o Igape por danos patrimoniais e não patrimoniais, não vamos esperar que o processo termine. Estamos à espera da abertura do ano judicial”, adianta o causídico, que também lamenta a falta de manutenção das viaturas “que, há um ano, não se movimentam, nem as põem a trabalhar, pelo que, nesta altura, devem estar estragadas”. “Só para lhe dar um paralelo, o que aconteceu no processo do BNA. Os bens que foram apreendidos, sobretudo viaturas na altura da apreensão, tinham um valor e depois de tanto tempo perderam o valor que tinham. Neste caso concreto, há viaturas que, nesta altura, de certeza, estão todas estragadas”, refere.

E no caso das empresas…

Para Albano Pedro, nos casos das empresas arrestadas, o administrador judicial pode contar com o proprietário, porque é este quem conhece os parceiros privilegiados e pode ir prestando assessoria.

O jurista defende ainda que o Estado tem de criar condições para a concretização do plano de negócios, fazendo inclusive os investimentos previstos. “Se estão a administrar e há esta necessidade, o Estado é quem assume. O administrador judicial vai receber este plano e apresentar e o Estado tem de realizar, porque, caso contrário, se a empresa for a falência, terá de responder pelos danos. O Estado pode, por exemplo, ir buscar uma linha de crédito e colocar à disposição da empresa e o proprietário, caso o desfecho seja a seu favor, passa a estar obrigado diante dos credores que o Estado arranjar”, explica.

Entretanto, os especialistas acreditam que, nesta altura, o Estado não está em condições para atender a estes desafios financeiros, considerando a situação económica do país. “O Estado ganha muito se não interromper a rentabilidade dos negócios, dos imóveis e das empresas. A solução é o Estado manter o ritmo de rentabilidade das empresas, fazer um fundo de maneio e o que restar ficar na conta do proprietário como lucro. O Estado deve agir como um mero administrador. Com esta solução, o Estado não terá de pagar mais nada, todos saem a ganhar, nenhum trabalhador é expulso”, explica Albano Pedro.

Bruno Dissidi chama também a atenção para a necessidade de os órgãos de justiça não ignorarem a possibilidade de o Estado vir a perder em alguns destes processos por isso alerta para o cumprimento da lei quanto a bens arrestados e apreendidos.

O ESTADO SÓ GANHA

No entanto, os especialistas que falaram ao VALOR alertam que a necessidade de o Estado conservar os bens não se apresenta importante apenas para evitar processos contra si no futuro. Mas também para manter o valor dos activos e, sequencialmente, garantir bons negócios no futuro nos casos em que o desfecho dos processos serem favoráveis ao Estado.

Alertam também para a possibilidade de a desvalorização destes activos interessar a determinadas pessoas no sentido de virem a aproveitar-se da posição profissional que ocupam para concorrerem à aquisição dos mesmos e a preço irrisório .  

Os bens arrestados

No leque de bens arrestados pela PGR, destacam-se cerca de 30 imoveis, distribuídos entre Angola, Brasil e Portugal, bem como uma dúzia de veículos do antigo director do Instituto Nacional de Estradas, Joaquim Sebastião. Há ainda bens pertencentes ao CIF, onde se destacam 24 edifícios, duas creches, dois clubes náuticos, três estaleiros de obras e respectivos terrenos adjacentes, numa área total de 114 hectares, na urbanização Vida Pacífica (Zango Zero), município de Viana, em Luanda. Da mesma lista, fazem parte, igualmente, 1.108 imóveis inacabados, 31 bases para a construção de edifícios, 194 bases para a construção de vivendas, um estaleiro e respectivos terrenos adjacentes, numa área de 266 hectares, localizada no distrito urbano do Kilamba, município de Belas, em Luanda.

Por seu turno, o tribunal ordenou o arresto dos prédios rústicos designados por lotes G13 e G14, numa área de 674 metros quadrados, localizada na comuna da Chicala, de Bento Kangamba. E ainda o prédio número 255, localizado na Ingombota, além de quatro veículos de Bento Kangamba. Em termos de activos empresariais, o tribunal decretou o arresto das participações de Isabel dos Santos em nove empresas, incluindo a Unitel, o BFA, o banco BIC, a Cimangola, a Sodiba, o Candando e a Finistar, que controla o negócio da televisão.