OGE cresce apenas 0,6% em termos reais
PLANIFICAÇÃO FINANCEIRA. Documento prevê receitas e despesas avaliadas em mais de 15,9 biliões de kwanzas, sendo que 60% das despesas estão destinadas a operações de dívida pública.
O aumento das receitas e despesas do Orçamento Geral do Estado de 2020 é de apenas 0,6%, em termos reais, contra os 53,5% do crescimento nominal.
Os cálculos são elaborados pelo VALOR, com base nos câmbios dos dias de emissão do OGE de 2019 revisto e da proposta de 2020, aprovada na generalidade pelos deputados do partido no poder.
A 6 de Maio do ano corrente, data de emissão do OGE de 2019 revisto, o dólar estava cotado em 325 kwanzas, ao passo que, a 10 de Outubro, o dia oficial vincado nas páginas da proposta de 2020, a moeda norte-americana valia 496 kwanzas. Contas feitas, os 10,4 biliões de kwanzas do exercício corrente valiam, em Maio, 32 mil milhões de dólares, contra os 32,19 mil milhões de dólares em que estavam cotados os 15,9 biliões de kwanzas inscritos no OGE de 2020.
Considerando, no entanto, a média da taxa de câmbio de 2019, situada nos 375 kwanzas, nos primeiros 11 meses (excluindo Dezembro), os 10,4 biliões de kwanzas do OGE corrente recuam para 27,7 mil milhões de dólares, aumentando o crescimento em 16%, em relação à proposta de 2020, ao câmbio do dia inscrito no documento.
No entanto, considerando a tendência de desvalorização da moeda vir a manter-se, como prevê a generalidade dos analistas, no final da execução do OGE 2020 os 15,9 biliões de kwanzas valerão muito menos em termos reais.
Queda no investimento
Na mesma perspectiva, mantendo-se os câmbios nas datas de emissão dos dois OGE, o investimento, em termos reais, regista uma redução de cerca 10%, passando de 2,4 para 2,2 mil milhões de dólares, apesar de, em termos nominais, registar um crescimento de 38%, passando dos 790,8 mil milhões para 1,092 biliões de kwanzas.
O crescimento previsto da receita fiscal petrolífera também reduz de 46%, em termos nominais, para cerca de 10% em termos reais. No orçamento revisto em execução, a receita fiscal projectada foi de mais de 5,9 biliões de kwanzas que, por altura da emissão do documento equivaliam a 15,7 mil milhões de dólares, enquanto a receita fiscal aprovada no orçamento para 2020 está avaliada em 8,6 biliões de kwanzas, equivalente a 17,3 mil milhões de dólares.
Um oge “preocupante”
O Orçamento Geral do Estado de 2020 indicia um “sério aviso” para a possibilidade de Angola perder a autoridade de Estado, nos próximos anos, se não forem tomadas “medidas inteligentes” para aumentar a capacidade de acompanhamento do endividamento progressivo.
A opinião é do economista e político Sapalo António, ao referir-se aos mais de 60,73% das receitas que estão destinadas para operação da dívida pública no OGE, cujas previsões indicam que 46,1% será assegurado por financiamentos. “É preocupante. Se o Governo não for racional, podemos perder a autoridade nacional porque vamos continuar a recorrer a empréstimos”, argumentou, para depois apontar caminhos que o Governo de João Lourenço deveria adoptar para gerir a dívida que encontrou.“Renegociar a dívida, alargar os prazos e ver possíveis reduções dos juros, nunca solicitar perdão”, adiantou. Considerando a possibilidade de o Governo ter tentado, mas sem sucesso, renegociar as dívidas, Sapalo António aponta alternativas: maior capacidade de negociação com o FMI e ainda melhor reflexão dos objectivos face às exigências desta instituição. “Quando o FMI diz que é preciso aumentar a receita fiscal, não está a dizer que é preciso necessariamente aumentar os impostos, pode aumentar-se as receitas, reduzindo o valor dos impostos, mas aumentando a base fiscal”. Outra hipótese seria investir na melhoria do ambiente de negócios, apostando na diplomacia económica, mas não nos moldes que tem sido feito com o Presidente da República a deslocar-se para vários países. “Na óptica diplomática, a eficácia e efciciencia nas reacções internacionais depende mais das pessoas do que dos governos. O Presidente até pode viajar e ser recebido pelos homólogos, mas, se os comentários dos cidadãos destes países forem desaforáveis, eles acreditam. Os Estados têm duas fontes fidedignas de informações as representações diplomáticas e os seus cidadãos nestes países”.
No entanto, o economista Galvão Branco tem opinião diferente, contrariando a opinião segundo a qual a excessiva dívida, no OGE 2020, seja sinónimo de um fracasso na aposta do Governo de atrair investimento estrangeiro. “Não creio que seja, nós ainda temos problemas graves que dificultam o investimento”, argumenta, considerando “possível e realista” o OGE de 2020. Para a melhoria da situação macroeconómica nos próximos anos, Galvão Branco defende ser necessário que se exija “maior eficácia à máquina administrativa”.
E o petróleo…
O aumento da receita fiscal petrolífera em mais de 47% para 5,5 biliões, dos quais mais de 3 biliões de direito de concessionária, é uma das interrogações possíveis ao Orçamento Geral de Estado de 2020.
A interrogação justifica-se tanto pelo cenário internacional do mercado petrolífero que indicia baixa do preço, assim como pelas indecisões sobre o aumento da produção interna. Galvão Branco, entretanto, acredita tratar-se de números alcançáveis. Posição contrária tem o investigador do CEIC, José Oliveira, assim como Pedro Godinho, empresário com investimento nos petróleos. Ambos, na edição 182 do VALOR, consideraram “bastante optimista” a projecção do Executivo. O documento foi elaborado considerando o barril de petróleo a 55 dólares e a produção média diária de 1436,9 barris.
Agricultura deveria merecer tanta ou mais atenção que educação
Estando o país em crise e com necessidade de investir na promoção da economia, não seria errado se a agricultura (que recebe uma dotação de 0,5%) recebesse uma fatia maior que a educação (2%) do PIB, segundo João Secuma, do Conselho Nacional da Sociedade Civil. “A educação tem uma dotação maior que a agricultura, a pesca e a saúde. Para nós, já que o nosso país está em crise, o ideal seria o contrário. Como é que a pessoa vai à escola com fome? Não é que seja um exagero o montante atribuído à educação, defendemos o equilíbrio. O OGE dá mostras de que o Governo quer ter escolas bonitas, mas com cidadãos e estudantes de barriga vazia. Para a pessoa aprender, é necessário ter uma alimentação segura. Dado que o país vive em crise, deveríamos priorizar a agricultura para mitigar o impacto da crise da cesta básica”, sugere.
Quem também defende uma dotação maior para a agricultura é José Ganga, secretário-geral da Federação das Associações Empresárias de Luanda. “É claro que, dada a conjuctura que estamos a viver, mais locação deveria ser atribuída à agricultura, uma vez que o Governo pretende cortar com as importações”.
O OGE foi aprovado na generalidade pela Assembleia Nacional com 119 votos a favor (MPLA), 46 contra (Unita e Casa-CE) e nove abstenções do PRS e FNLA.
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