"Os baixos preços condicionam os projectos"

O presidente do conselho de administração da Ferrangol avança, em exclusivo, que o arranque de alguns projectos em fase avançada de prospecção, como as minas de Cassinda, na Huíla, está condicionada a factores como a baixa dos preços do minério de ferro, nas praças internacionais, ou a reabilitação do terminal mineiro no Namibe.

Que projectos concretos a Ferrangol tem e onde estão localizados?

Temos o projecto mineiro e siderúrgico de Cassinda, município da Jamba Mineira, na Huíla, que, devido ao seu histórico e tendo em conta que já teve actividade no passado, estamos a restruturá-lo, com a intenção de criar novas parcerias, para depois implementá-lo. Temos objectivo, de curto prazo, que passam pela produção de cerca de 1,8 milhões de toneladas de concentrado de mineiro de ferro, com cerca 62% de conteúdo de ferro.

Qual será o destino do ferro explorado?

A exportação. A médio prazo, pretendemos produzir cerca de dez milhões de toneladas em forma de peletos, que é uma outra forma de apresentação do minério de ferro. A intenção é que parte desse produto seja para exportar e parte para o consumo interno. A indústria siderúrgica, por exemplo, poderá consumir este produto. Outro objectivo passa pelo aumento da produção.

Quando é que arranca o projecto de Cassinda?

A concretização desses objectivos está condicionada a factores que não dependem simplesmente da empresa. Um desses factores é o preço, uma variante muito importante neste negócio. Existe uma grande volatilidade nos preços, o que afecta o desenvolvimento do nosso projecto Cassinga. Em 2010, por exemplo, o preço de uma tonelada de concentrado de ferro custava cerca de 180 a 190 dólares, mas, em Janeiro de 2015, baixou para cerca de 30 dólares. Hoje há uma certa subida, entre os 50 e 60 dólares por tonelada. Este é um dos factores principais e que a empresa não pode controlar. Depois temos de resolver as questões ligadas à transportação do minério, da mina até ao porto de embarque, no Namibe, o Saco Mar, que também encerra algumas condicionantes.

O terminal Saco Mar está em reabilitação?

Ainda não, mas foi feito o projecto de reabilitação. Foi adquirido o equipamento para o próprio porto, assim como equipamento para a mina, embora estes equipamentos ainda estejam fora do país. Assim que tivermos esse problema resolvido, ficará, então, facilitado o escoamento do produto. Só que ainda não podemos avançar datas de arranque, ainda que algumas coisas tenham sido já feitas, quanto à transportação do minério e do porto. Também há equipamento para actividade na mina. Temos as infraestrutura, na mina, a nível de habitação, escritórios, temos isso quase tudo resolvido. Fizemos estudo de viabilidade técnico económico. Estamos a fazer uma revisão desse estudo, tendo em conta o contexto macroeconómico actual.

Há mais projectos?

No Kuando-kubango, estamos envolvidos, com parceiros nacionais e estrangeiros, na implementação de um projecto de ferro, mais precisamente de ferro gusa, que é um produto intermediário, quase aço. Ou seja, é um produto que se obtém utilizando uma das fases do processo siderúrgico, a fase de redução do mineiro de ferro. A perspectiva também é que se inicie esse projecto a curto prazo. A Ferrangol não é responsável técnica desse projecto, mas também tem tarefas. No Huambo, temos um projecto de prospecção de terras raras e metais preciosos no Longonjo, que está a ser desenvolvido em parceria com empresas angolanas e uma empresa australiana. Pensamos ter ainda este ano um primeiro relatório das actividades. É comum, quando terminamos uma fase, fazer relatórios para saber se os indícios são bons para continuar ou não. Temos três conceções na província do Kwanza-Norte, para minério de ferro e manganês, mas estamos ainda a trabalhar na concepção das parcerias.

E o ouro?

Temos um projecto de ouro ainda na Huíla, no município da Jamba Mineira, comuna de Xamutete. É o projecto Poupo, que está a ser desenvolvido por uma empresa, que foi criada entre a Ferrangol e parceiros privados. A empresa denomina-se Somepa, Sociedade de Metais Preciosos de Angola. O projecto terminou a parte inicial de prospeção. Foi elaborado o estudo de viabilidade e, neste momento, estamos a trabalhar com o Ministério da Geologia e Minas para a aprovação do contrato do investimento mineiro, obtenção da licença de exploração, para posterior construção da mina. Ainda na Huila, no município do Xipindu, temos outro projecto de prospecção de ouro que começou já há alguns anos. Inicialmente, tivemos de nos dedicar ao trabalho de infraestruturas, como construção de pontes, aberturas de picadas e desmatamentos. A primeira fase de prospecção já está assim terminada e ocorreu entre 2012 e 2015. Estamos agora a finalizar algum trabalho de gabinete e análise laboratorial, para depois decidir o rumo que o projecto deverá tomar. Em Cabinda, também temos, neste momento, finalizado os trabalhos de três projectos de ouro.

Até agora só falou de prospecção. Não há exploração efectiva?

Este são os projectos adiantados. Depois temos uma série de intenções para projectos de cobre, manganês e ouro. Ainda não temos nenhum projecto de exploração. Ou seja, não iniciamos nenhuma actividade produtiva.

Qual é a sua leitura sobre o futuro mercado do minério angolano?

Esperamos que, quando estes estudos estiverem terminados, haja também condições de mercado, ou seja, que o preço nos permita implementar os projectos. Temos de continuar a fazer prospecção e aumentar o conhecimento geológico do país, mesmo sabendo que nem tudo termina em minas. Por outro lado, há que ter em conta que o sector mineiro não se restringe aos metais ferrosos, aos não ferrosos ou de base, no caso as pedras preciosas. Há outros minerais que são muito importantes para a economia do país, como a argila para a produção de blocos e tijolos. Ou o calcário e geso para a produção de cimento. Ou ainda o fosfato e potássio para a produção de fertilizantes, que são importantes para a agricultura, na melhoria e correcção dos solos.

Há novas ideias quanto à legislação?

É necessário começar a olhar para estes aspectos. Irmos aperfeiçoando a questão legislativa, a questão fiscal para que o país se torne cada vez mais atractivo. Para que as empresas, até as internacionais, venham cada vez mais ao país. É importante também criar-se condições de infraestruturas de apoio à actividade mineira.

Que tipo de infraestruturas?

De apoio técnico e logístico. Por exemplo, a nível da Ferrangol, criamos uma empresa que se chama Geoangol, de sondagem geológica e análise laboratorial. A empresa é uma realidade, está situada no Polo Industrial de Viana. Assim demos um contributo para resolver uma questão que era bastante pertinente. Ou seja, sempre que quiséssemos fazer sondagem geológica, que é uma das actividades principais na avaliação dos recursos minerais, tínhamos de nos socorrer de empresas estrangeiras, o que provocava vários constrangimentos. A Geoangol é 100% angolana, está a funcionar normalmente. Isto é fundamental, visto que tínhamos de mandar todas as amostras para o estrangeiro para serem analisadas.

Quais são os custos dos projectos que já têm estudo de viabilidade?

Como referi, o de Cassinga tem várias fases e o estudo de viabilidade está a ser revisto. Após essa revisão, teremos dados exactos quanto aos custos da primeira fase do projecto. Neste momento, não consigo dizer.

Quantos empregos serão criados?

Não podemos fazer uma previsão de empregos que vão ser criados, antes de termos o estudo de viabilidade. Entretanto, já criámos alguns empregos durante a fase de prospecção. São empregos muito especializados: geólogos, geoquímicos e muitas vezes são empresas contratadas para fazer trabalhos temporários. Só com o estudo de viabilidade, poderemos apurar a capacidade de produção da mina por ano e qual a necessidade de trabalhadores.

É muito cedo para falar de empregos?

Não é muito cedo. Há alguns números já previstos. Por exemplo, a fase de curto prazo do projecto Cassinga vai criar cerca de 800 postos de trabalhos directos. O projecto de ferro gusa, do Kuando-kubango, como também tem uma parte agrícola de produção de carvão para os altos-fornos, criará cerca de três mil postos de trabalho. O projecto de ouro do Poupo, na sua primeira fase, vai criar cerca de 200 postos de trabalho.

Há mão-de-obra especializada suficiente?

Há escassez de quadros em termos de quantidade, mas também em relação à qualidade, sobretudo a que se adquire com experiência e tempo. No entanto, há que lembrar também que precisamos diversificar, porque a actividade mineira não é só feita por geólogos e engenheiros de minas. Contam também os geofísicos, geoquímicos, engenheiros mecânicos e topógrafos. Toda essa gama de profissionais é necessária para o desenvolvimento de um projecto mineiro.

Quantos técnicos superiores serão necessários?

Para desenvolver um bom projecto mineiro não são necessários apenas técnicos superiores. Aliás, precisaremos, a partida, de mais técnicos de base e médios. Mas há dificuldades claras, a nível de sondagem, por exemplo, em que temos de nos socorrer dos países vizinhos. Quando começamos a desenvolver o projecto Cassinga, uma das nossas preocupações foi criar um centro de formação técnico-profissional, porque, para um técnico superior, precisamos cinco técnicos médios e 15 básicos.

Nas minas, a nível mundial denuncia-se muito o trabalho escravo e de mão-de-obra infantil. Qual é o quadro em Angola?

Temos de diferenciar a actividade mineira legal, oficial e industrial da actividade artesanal, legal ou ilegal. A Ferrangol não tem intenções de realizar actividade artesanal legal, mas apenas a industrial. Portanto, na actividade da Ferrangol, não haverá esse género de situações. Temos de nos submeter à legislação laboral do país, à Constituição, ao Código Mineiro e ao estabelecido na lei ambiental. Agora essas situações surgem muitas vezes quando há actividade de garimpo.

Angola ratificou algum convénio internacional sobre o ouro ou o mineiro de ferro?

Não estou autorizado a falar de outras instituições. Posso falar simplesmente em nome da Ferrangol, que não está inserida em nenhum convénio. Também não creio que especificamente haja algum convénio para exploração de ferro. Há uma iniciativa para a transparência de actividade mineira. Mas isto é um assunto tratado a outro nível. Também ainda não temos nenhuma actividade produtiva, não temos nenhum acordo com nenhuma organização.

Como é feita a prospecção?

Os modelos de prospecção e exploração estão definidos. São questões técnicas. Quando faço investigação geológica, há etapas a cumprir, isto não há nada que inovar. Temos uma fase de reconhecimento, de prospecção, de pesquisa, de avaliação até poder determinar se posso ter um projecto mineiro ou não. Depois são as próprias condições geológicas que vão determinar se a minha mina será a céu aberto ou subterrânea. Em termos de gestão, observamos o que países de expressão mineira fazem, como é o caso da África do Sul, Zâmbia, Namíbia, Botsuana, Austrália e Canadá. Estudamos e aprendemos com eles. Há escassez de quadros em termos de quantidade, mas também em relação à qualidade, sobretudo a que se adquire com experiência e tempo. No entanto, há que lembrar também que precisamos diversificar, porque a actividade mineira não é só feita por geólogos e engenheiros de minas.

 

Uma história com 37 anos 

O ferro chegou a ocupar a terceira posição, depois do petróleo e dos diamantes, na indústria angolana antes da independência, especialmente no período entre 1960 e 1975.

Dados oficiais indicam que, entre 1967 e 1975, os Caminhos-de-Ferro de Moçâmedes transportaram cerca de 40 milhões de toneladas de concentrado de ferro, retiradas de Cassinga, o que fazia uma média anual de cinco milhões de toneladas. Em 1974, a exploração bateu um recorde com a extracção de 5,5 milhões de toneladas.

Depois da independência e com o eclodir da guerra civil, começou o declínio de todas as explorações mineiras. A Companhia Mineira do Lobito (CML) e a Companhia do Manganês de Angola (CMA), ambas fundadas em 1929, viriam a ser nacionalizadas em 1979. Mas só dois anos depois, em Maio de 1981, era criada a Empresa Nacional de Ferro de Angola (Ferrangol), que se propunha explorar todos os minérios de Angola, exceptuando os diamantes. A nova empresa estatal herdava os activos e passivos da CML e da CMA.

Durante os cinco primeiros anos, tentou, juntamente com a austríaca Austromineral, relançar as minas na Huíla, mas o projecto nunca chegou à prática.

A exploração do minério em Angola começou, de facto, com a extracção do ferro no Huambo, na região da Cuima, e na Huíla, em Cassinga. É quase impossível precisar a data exacta, mas a liderar o processo encontrava-se a CML. Ao mesmo tempo, a CMA explorava o manganês no Kwanza-Norte, ma região de Cassala-Quitungo.

Pós-independência, a exploração do ferro paralisou no Huambo, ficando-se apenas pela Huíla, nas ‘velhas’ minas de Cassinga e Chamutete, mas também na Jamba. Mais residual, era também extraído o ferro em Malanje, nos montes Saia e Tumbi.

 

PERFIL

Diamantino Azevedo estudou o ensino médio, no Instituto Nacional de Petróleo, no Sumbe , capital do Kwanza-Sul. Fez várias formações superiores na area de minas. Em 1990, licenciou-se em engenharia de minas , pela Universidade Técnica de Freiberg, na Alemanha, tendo posteriomente feito mestrado em tecnologia de minas em céu aberto. É doutorado em engenharia de minas pela Universidade Técnica de Berlim/Alemanha (1997).

É membro da Ordem dos Engenheiros de Angola e da Ordem de Engenheiros de Portugal, bem como da Sociedade Africana de Geólogos. É ainda membro da Sociedade de Engenheiros de Minas e Metalúrgicos da Alemanha. Exerceu vários cargos no Ministério da Geologia e Minas. É professor da Universidade Agostinho Neto. Actualmente é PCA da Ferrangol - EP.