LEONEL DA ROCHA PINTO

“Os bancos deveriam ser mais transparentes para com os depositantes”

Destacado empresário, entre outros, no sector da logística, Leonel da Rocha Pinto tem a convicção de que os problemas de Angola devem ser resolvidos pelos angolanos. E rotula de fantasiosa a ‘importação’ de estrangeiros para as soluções que impõe. Sobre a economia, alerta para novas possibilidades de criação de monopólios e desafia a banca a ser mais transparente.

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O que fez o LIDE Angola desde a sua implementação, em 2011?

O LIDE é uma organização de líderes empresariais e, em princípio, para se ser membro, tem de se ser um empresário com boa conduta, com os compromissos tanto sociais como de impostos e com a Nação alinhados, porque devemos pautar pelo exemplo. Dedicamo-nos à organização de eventos com temáticas que possam contribuir para o desenvolvimento económico do país, na criação de emprego e de mais-valias em termos de posicionamento empresarial local no mapa empresarial internacional.

Refere propositadamente a particularidade da “boa conduta” para se ser membro. Porquê? É uma qualidade rara?

Temos [empresários com boa conduta], mas é preciso continuar a melhorar e a incentivar outros a enveredarem para o pagamento de impostos e da segurança social. Mas também para estarem comprometidos com a parte social participativa, porque a responsabilidade social não pode ser só do Estado. As empresas também devem ser participativas e nós devemos dar exemplos. Hoje, por exemplo, temos patrocinadores que ajudam o comité paralímpico, temos empresas que estão qualificadas, pela AGT, como de perfil de responsabilidade, temos membros que já ganharam os prémios Sirius. Há uma série de incentivos enormes que devem ser postos a circular para que aqueles empresários que ainda não estão nesta conduta passem a estar. Quando determinada empresa quer ser membro, nós recomendamos o que deve ser feito de uma forma orientadora.

Neste momento, contam com mais de 100 membros. Qual é a média anual de adesão de novos associados?

Na verdade, são 110 membros além de associações que fazem parte da organização. Todos os anos há acréscimos. Começámos com 25 membros, mas os eventos vão-nos promovendo a nível nacional e as pessoas começam a rever-se, mesmo o próprio Estado. Hoje, temos assento no conselho de concertação social da República, que é a LIDEA. Portanto, a LIDEA, que é a Liga dos Empresários Angolanos, é parte do LIDE, é a costela nacional do LIDE.

E qual tem sido a mensagem do LIDE para os membros, nesta fase de crise?

É uma mensagem no sentido de aposta numa gestão rigorosa. Aconselhamos a olharem para tudo o que é negócio e a cumprirem com todos os procedimentos. Não podem pensar no lucro a curto prazo. Hoje, os investimentos são feitos à base do longo prazo e com muita estratégia. Esta é a nossa visão. Quem quer investir a sério tem de definir em que ramo quer ficar, olhando para o negócio de continuidade. Temos de evitar negócios com pessoas que chegam, vão directamente a um hotel, vendem uma ‘commodity’ e vão embora. Não têm uma estrutura e deixam o problema com o cidadão que comprou, porque não encontra nem manutenção nem garantias. O empresário angolano deve ser respeitado em qualquer parte do mundo.

Como se deve melhorar, na sua opinião, a distribuição de divisas?

Temos de trabalhar, em primeiro lugar, com os ministérios de tutela, identificando as nossas necessidades, para depois estes ministérios trabalharem com o das Finanças e a banca para definirem as prioridades. Creio que, se, para alguns sectores a importação, é necessária, também é verdade que devemos olhar para a produção nacional. Temos de apostar em tudo o que podemos produzir localmente e só importarmos o que o país, efectivamente, não pode produzir. Estes anos todos, andamos a desperdiçar divisas com a importação de produtos que podem ser produzidas localmente. Para os hotéis, por exemplo, podemos aproveitar a matéria-prima que temos, que é a madeira, para fazermos as camas, janelas e outros produtos. Podemos incentivar a cultura do algodão para fazermos os lençóis. É preciso olharmos de uma forma estratégica para que, dentro dos próximos anos, Angola passe a depender menos da importação como acontece com outros países mesmo a nível de África. Este é o nosso grande desafio: começarmos a depender menos das divisas e produzirmos mais divisas com as exportações.

Nas condições actuais do país, a diversificação económica exige um grande esforço financeiro. Acha que a banca nacional está à altura do desafio?

Temos todos de reflectir o momento e aproveitar, porque esta crise, até certa forma, veio ajudar a criar momentos. Tanto a banca como os empresários devem sentar e definir uma estratégia, porque os bancos trabalham com o nosso dinheiro. Deveriam ser mais transparentes para com os seus depositantes para podermos criar a banca que nós pretendemos e não aquela que, quando alguém precisa de x milhões, o banco diz que não tem, mas o depositante tem o seu dinheiro lá. O banco tem de nos dar resposta. Hoje, muitos dos bancos não têm essa capacidade de resposta, alegam falta de sistema e uma série de problemas que não correspondem à realidade. E o que pensa das taxas de juro do mercado? É preciso que sejam revistas, porque não há investimento nenhum que resista a essas taxas. Hoje, estamos a trabalhar, praticamente, apenas para os bancos porque não há negócio nenhum que rentabilize e que justifique. Mas também os bancos têm medo porque não há garantias da parte dos empresários. As taxas são agravadas devido ao risco, além de que temos muito crédito malparado. Por isso há necessidade de nos sentarmos com a banca e reflectirmos no sentido de corrigirmos os problemas todos identificados. Só se deve dar crédito a quem tem direito, mas os bancos, durante algum tempo, passaram a caçar créditos sem o real levantamento da capacidade das pessoas, criou-se um círculo vicioso que hoje tem de ser corrigido.

“ZEE são dos grandes desafios do Governo”

Que sectores aconselharia a um potencial investidor no país?

A minha primeira preocupação, enquanto nacional, é ver uma Angola industrializada. Seria esta, portanto, a primeira aposta, na indústria. Olhar para a transformação das matérias-primas. Nesta altura, estamos a olhar para a agricultura, mas temos de olhar também para a transformação dos produtos da agricultura. Se estamos a olhar para a produção da madeira, temos de olhar para a transformação desta madeira. O mesmo vale para os mineiros. Ao invés de importamos os mosaicos e azulejos, temos de investir no potencial em termos de recursos humanos no sentido de transformar estes recursos minerais em produtos acabados. Também indicaria o turismo, que é um sector em que estou, agora, a apostar. Se olharmos para o mundo, muitos dos roteiros turísticos estão muitosexplorados e os turistas estão à procura de outras rotas. Angola pode ser uma destas rotas.

Considera satisfatório o investimento que já vai sendo feito na transformação?

Já há algumas empresas, mas há que criar políticas compulsórias para direccionar o investidor nacional a fazer investimentos na produção local no sentido de passarmos a importar apenas o que é necessário como a maquinaria, por exemplo. Mesmo no que diz respeito aos quadros, podemos criar condições para deixarmos de importar. Quando se fizer qualquer tipo de fábrica, este projecto deve ser acompanhado da formação, porque o que tem estado a acontecer é que temos estado a crescer em betão mas não em recursos humanos com capacidade para depois executar ou cuidar dos equipamentos. Temos um outro grande problema que é a importação de equipamentos com manuais de operação em chinês, por exemplo. É necessário que se revejam estas estratégias. Temos, por exemplo, um monstro adormecido que é a Zona Económica Especial [ZEE]. Foi muito bem pensada, mas muitas das fábricas não estão a produzir para satisfazer o mercado nacional por falta de conhecimento e quadros que possam pegar nestas fábricas. É preciso rever esta situação, é necessário fazer uma avaliação do grande investimento que foi feito porque temos de aproveitar. Muitas das fabricas já estão obsoletas, não servem porque já estão ultrapassadas e será necessário fazer um ‘upgrade’.

Está a sugerir uma intervenção urgente na ZEE? O que se deve fazer em termos práticos?

Em primeiro lugar, deve fazer-se um diagnóstico do que existe. Depois, fazer um levantamento dos potenciais investidores, começando pelos nacionais e dando-lhes prazos para porem as fábricas a funcionar. Creio que estão ali mais de 60 fábricas e menos de 20 estão a trabalhar e a meio-gás. Penso que ter a Zona Económica [Especial] a funcionar em pleno é um dos grandes desafios do Governo.

No ano passado, iniciou-se o processo de privatização dessas unidades. Não lhe pareceu correcto?

Tem de haver vontade política. Sei que foi feito um levantamento, mas tem de haver uma política e uma estratégia muito bem definida para não cair no descrédito. Uma coisa é a vontade de fazer e outra é o empresário ter compromisso de fazer. De boa vontade o mundo está cheio. Precisamos de pessoas empreendedoras que queiram investir e que não estão preocupadas com o lucro imediato. Depois, a banca tem de ter condições de dar o financiamento, mas olhando para o financiamento sem estar preocupado para os riscos e aí, mais uma vez, vem a credibilidade do empresário. A banca tem de acreditar no empresário e o empresário tem de mostrar que tem capacidade.

“O porto seco está a ser vítima de concorrência desleal”

Como se define enquanto empresário?

Sou um empresário que gosta de desafios e muito ousado. Gosto de ver as coisas serem realizadas. O meu grande desafio é fazer com que as coisas aconteçam e estou muito comprometido com o país. Estou em vários sectores e em todos tenho batalhado de modo a servir como um empresário de exemplo e referência positiva. Tento fazer o meu melhor. No meio de tantos problemas, sou pequenino, mas vou fazendo a minha parte.

Com que sector gosta mais de ser identificado?

A logística. Como sabe, fui director da NDS, por muitos anos. Comecei em 1984 com a Global, que é uma empresa que trabalhava para o projecto Gamek. Depois, passei para a NDS, que era um ‘outsider’ com um navio apenas e passámos para centenas de navios. Hoje é uma das maiores operadoras no país. Atendendo às dificuldades que o país vivia, na altura, com o recondicionamento no Porto de Luanda, enveredei para o meu próprio negócio que foi criar espaços de armazenamentos de cargas. Comecei assim com os portos secos e logísticos, que são o meu forte. Pretendo continuar a investir nesta área, criar uma plataforma logística de referência a nível do país. Tem sido esta a minha grande aposta, estou a fazer um investimento no porto seco de Luanda, temos uma grande aposta de trabalhar com o caminho-de-ferro. Estamos, agora, na exploração do porto seco de Santa-Clara; quero apostar, seriamente, na plataforma logística a nível das províncias fronteiriças com alguns países, como é o Congo, a Namíbia e Zâmbia. Tenho, hoje, o maior centro de frio no porto seco; queremos também criar uma área de alojamento para os camionistas que vêm das outras províncias.

Está satisfeito?

Há passos por marcar, mas estão criadas as principais bases para uma plataforma logística. Temos as alfândegas, os bancos, as balanças, as áreas de inspecções, os parques, as máquinas e energia 24/24. Temos uma área de transporte com oficina para atender aos problemas das viaturas. Falta criar outras mais-valias que complementam esta plataforma logística. O que gostaria de ver é um porto seco, onde as cargas fossem posicionadas e de lá os grandes importadores fizessem as suas distribuições para deixarmos de ter a circulação de camiões com contentores na cidade. Apareceriam os camiões apropriados para a distribuição como é em qualquer parte do mundo.

É um sector que sofreu muito com a redução das importações.

Sofreu muito com a redução das importações, mas também com a criação de outros portos secos pelos próprios terminais, copiando aquilo que era a grande intenção do porto seco. Os terminais, por direito, quiseram criar os seus próprios parques. Creio que é uma prática que deveria ser revista porque os portos têm a responsabilidade de fazer as descargas e não criarem portos secos para matarem outros negócios conforme foi com o porto seco. Hoje, estamos a ser vítimas, mas continuamos a trabalhar e tenho a certeza de que o processo será invertido. Nós investimos aí cerca de 95 milhões de dólares entre máquinas e outros equipamentos e estamos a enfrentar esta situação. Mas continuamos a gerir numa gestão de crise, não morremos.

Estamos em presença de uma concorrência desleal?

Até certa forma, sim, porque quem deveria decidir onde é que a carga vai é o importador, mediante a qualidade de serviço. Mas nós tivemos uma situação com um dos terminais onde o próprio armador queria trabalhar connosco e o terminal não aceitou. São estas coisas que têm de acabar. Precisamos de acautelar estas situações, porque temos de olhar para um país onde todos sentimos que temos os nossos espaços conquistados por mérito. O discurso do Presidente João Lourenço incentiva-nos, porque ele é um grande motivador e quer incentivar a livre concorrência que faz parte de qualquer economia aberta.

Acredita numa livre concorrência no verdadeiro sentido a curto espaço de tempo?

Creio que Angola tem de ir para este caminho, de outra forma, vamos correr os riscos do passado, vão criar-se monopólios. Tem de se deixar os empresários conquistarem os seus espaços e os negócios através das suas estratégias. A concorrência é salutar, ajuda a regulamentar os preços, a qualidade e o próprio Estado a definir quem é quem. Ajuda a deixarmos de ter empresários oportunistas e de especulação. Temos de ter empresários comprometidos com o país e não aqueles que vêm para fazer dinheiro e ter os dinheiros fora do país sem estar a servir nem a nossa banca, nem a nossa economia, mas sim a banca estrangeira.

Em que sector novo gostaria de investir?

Já comecei a investir. No turismo e também na reciclagem de lixo. Tenho uma empresa, a Greentech, que é especializada na limpeza de praias, mas, mais uma vez, sofremos porque se criaram alguns monopólios para fazer as limpezas. Nós fizemos investimentos nesta área e, hoje, somos chamados a abandonar porque apareceram outras empresas que não sabemos de que formas foram lá postas. São estas situações que, se não estivermos preparados para outros mercados e enquanto houver essa indefinição da estratégia de protecção do empresário nacional, comprometem vários projectos empresariais.

E o que tem projectado para o turismo?

Estou no investimento, porque acredito que é o futuro. Estou a trabalhar para um grande projecto, que é o instituto de formação do turismo, porque acredito que não se pode fazer turismo sem a formação dos quadros. O que mais o preocupa enquanto empresário? Enquanto empresário, estou muito preocupado com a mudança de mentalidade do cidadão angolano que ainda não sabe interpretar o valor daquilo que tem em mão. Nós continuamos a dar espaço para que os estrangeiros nos venham indicar o que é melhor para nós. Continuamos a estar distraídos e a não desenvolver o que está à nossa frente, precisamos de despertar para transformarmos o potencial que temos. Outra questão que precisamos de mudar é o facto de as pessoas pensarem muito nelas, ao invés do país. As pessoas têm também de aprender a lidar com o sucesso dos outros, solicitar conselhos e não terem dificuldades de perguntar a quem tenha sucesso como é que fez, ao invés de guerrearem estas pessoas. Temos de nos unir, ser patriotas e solidários. Entre as características do gestor ,há a necessidade de desenvolvermos a humildade. Aceitar quando estamos errados e saber ouvir as pessoas que estão ao nosso lado. Temos de estar focados em formar líderes e não ‘bosses’. Mas, quando digo isto, não estou a dizer que o país não tenha bons líderes. Temos, mas poucos e o desafio deve ser o de multiplicar esses poucos.

Há uma solução mágica para isso?

Hoje, estamos todos a dizer que o crime continua a aumentar, precisamos de fazer leituras das razões. Tudo passa por uma avaliação do contexto actual desde a crise ao problema da falta de emprego, educação e o problema das famílias destruturadas por causa da guerra. Temos de olhar seriamente para estas questões porque a solução cabe a nós e não aos estrangeiros. Devemos deixar a fantasia de trazer pessoas que sabemos terem experiências para o país deles, mas desconhecem a nossa realidade. Precisamos de identificar o nosso potencial porque Angola tem quadros, pessoas capazes para tirar o país desta situação. Temos o exemplo da guerra. Quem terminou com a guerra foram os próprios angolanos.