OS MILHÕES DA TAAG
Está claro que não há espaço para romantismos no tema sobre a obrigatoriedade de intervenção do Estado na reanimação da Taag. Três razões entrelaçadas explicam essa necessidade urgente: o Estado é o único accionista da empresa, a Taag é, efectivamente, uma empresa estratégica e a conjuntura da aviação, deteriorada pela pandemia, transformou numa prática corriqueira os planos públicos de resgate das empresas do sector.
Dois exemplos frescos, na Europa, ainda que com algumas diferenças estruturais e de circunstância, ajudam a estabelecer paralelos. Na Alemanha, o governo de Merkel viu-se obrigado a largar, em dois momentos, um total de 9 mil milhões de euros para salvar a Lufthansa de uma morte anunciada. Aprovado em Junho passado pela Comissão Europeia, o plano implicou a entrada do Estado alemão na maior transportadora aérea do país, reclamado 20% do capital. E, apesar da previsão de saída do Estado na estrutura accionista, há mesmo a possibilidade de os capitais públicos se manterem na transportadora por pelo menos seis anos. O plano foi contestado por vozes críticas, incluindo o maior accionista, o bilionário Heinz Thiele, mas, no final do dia, todos perceberam que não sobravam alternativas. Em Portugal, idem. Após uma maratona de negociações internas, incluindo no Parlamento, o país entregou à Comissão Europeia, em Dezembro, um plano de resgate da TAP que incorpora necessidades de fundos extra em 2 mil milhões de euros, cortes de dois mil funcionários até ao fim do próximo ano e redução salarial na ordem dos 25%. Enquanto se aguarda pelo posicionamento do governo comunitário, os portugueses fixam-se nas contas de uma inevitável insolvência da empresa em que o Estado detém 72,5% do capital, caso a resposta de Bruxelas seja um sonoro não.
Não há, portanto, dúvidas quanto à necessidade de mais uma intervenção do Estado na Taag, após a injecção de 912,6 milhões de dólares, em 2019, para a cobertura de prejuízos, através do Igape. No nosso caso, a discussão é outra. Coloca-se antes no plano da transparência dos processos que levam a um ou a outro caminho, coloca-se na falta de amplo esclarecimento sobre determinadas decisões do Governo. Particularmente num quadro político em que até decisões de carácter estratégico não são objecto de fiscalização, muito menos de aprovação do Parlamento.
Num momento em que se planeia a privatização da empresa e particularmente após a ‘limpeza’ dos balanços há dois anos, a aprovação do plano de reestruturação e recapitalização da Taag, como anunciado por Ricardo d’ Abreu, deveria ser antecipada de um esclarecimento público. O Governo não deveria avançar para um plano que exige financiamento de 700 milhões de dólares sem dar a possibilidade aos angolanos de perceberem previamente o que está em causa. Se a reestruturação implica o despedimento imediato de funcionários; se quantos angolanos irão para casa por força da reestruturação; se haverá efectivamente redução salarial e em que proporção; se os prazos da privatização sem mantêm; se os futuros investidores assumirão parte desse passivo... Enfim, esses e outros ‘ses’ fundamentais que coubessem neste escopo. Até porque a linguagem do Governo, por via do ministro, e a da empresa, através da sua administração, não parecem necessariamente sintonizadas. Quem leu a entrevista de Rui Carreira, o CEO da Taag, na última edição do VALOR, percebeu que se estava diante de um gestor a clamar por dinheiro fresco imediato. Nada que se parecesse com alguém com tempo para aguardar por um financiamento de 700 milhões de dólares, cuja disponibilidade e origem não foram explicitadas. A fazer fé, claro, nas declarações reproduzidas pela imprensa pública.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...